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O ilustrador: Intermediário na relação do texto e da imagem O recorrente uso do termo imagem, por vezes, é suportado com diversos significados sem

16. Entrevista Catarina Sobral

3.2 Os desenhos e os desígnios da ilustração

3.2.5 Quinta Carta

Na quinta carta, em que Mariana termina o relacionamento com Chamilly, a forma como se dirige ao cavaleiro é diferente. É o início de uma nova fase para a freira, por isso, intro- duzimos a cor, no intuito de referir o presente, que contrasta com o passado das ilustrações monocromáticas anteriores. O enunciado narrativo da última carta é bastante extenso, mas acrescenta pouca nova informação. Por isso, representámos as ilustrações com menos per- sonagens.

Na primeira ilustração (Fig.35), o lado esquerdo, é a continuação, agora com cor e definida, da

última imagem da quarta ilustração. No lado direito da página, representámos uma enorme fogueira, composta pelas árvores (que anteriormente representavam as Marianas), na tenta- tiva de fazer desaparecer todas as memórias e sentimentos. Na última carta, a freira refere que pediu ajuda a Dona Brites (freira confidente da autora) que se desfizesse de todos os pertences, associados a Chamilly. Esta difícil tarefa, que nem Mariana teve capacidade de fazer pelas próprias mãos, pela dor e sofrimento que lhe causava. É representada na ilus- tração como se fossemos queimar o próprio corpo do cavaleiro, novamente, os pássaros que apareceram em ilustrações anteriores assumem um papel mais relevante.

Apesar de tudo, Mariana afirma que não sente ódio pelo cavaleiro. Por isso, na segunda ilus-

tração (Fig.36) ele emerge das cinzas, num corpo mais proporcional ao de homem, e observa

o interior de uma noz, símbolo da fertilidade e do feminino, na procura de novas conquistas, como sucedeu.

“Que todas as distracções que procura sem nenhuma vontade de as encontrar, apenas servem para o convencer que na ama tanto como a lembrança do seu sofrimento?”

Para terminar (Fig.37), a última carta, do lado esquerdo representámos uma pena caída (mate-

rial de escrita das cartas), pois Mariana já tomou a difícil decisão. “Que obrigação tenho eu de lhe dar conta do meus sentimentos?”

E no lado direito, uma coruja, que simboliza a autora, representada com um olhar para fora do livro, na busca de um novo horizonte. A coruja é frequentemente atribuída à sabedoria.

101 • Capítulo III Fig.43 P rimeir a ilustr ação - Quin ta carta

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Capítulo III

Fig.44 Segunda ilustr

ação

- Quin

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Capítulo III

Fig.44 Segunda ilustr

ação - Quin ta carta Fig.45 Ter ceir a ilustr ação - Quin ta carta

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Capítulo III

O leitor, ao terminar a leitura das cartas pode ler o posfácio presente na edição de Henri Matisse. Por norma, todas as edições de As Cartas Portuguesas contêm um prefácio ou um posfácio, que ajuda a contextualizar a leitura das mesmas. Achámos pertinente referenciar esta informação, na nossa publicação, caso algum leitor tenha a possibilidade de a ler, ausen- te deste relatório de investigação.

O livro, como foi anteriormente mencionado, é dividido em cinco partes, que correspondem a cada carta. Neste momento de pausa prolongámos os elementos presentes na folha de ros- to. No decorrer da narrativa visual têm tendência a desaparecer. A construção deste percurso amplia no leitor o efeito de caminho/viagem, que tencionámos transmitir. Para além de ter uma relação com os sentimentos proferidos nas cartas, ou seja, no decorrer das cinco pausas o percurso desenvolve-se em diferentes composições e perde elementos.

O tema predominante para a interpretação da ilustradora, sobre as cartas de Mariana Al- coforado é resumidamente, a morte no amor, ou seja, o fim da relação e do sofrimento tido pela ausência da pessoa amada. O enunciado narrativo na primeira interpretação, ausente de toda a pesquisa que o envolve, revelou ser no conjunto, um conteúdo emocionalmente triste, iludido de esperanças, a autora do texto, promete muitas vezes evocar a morte, na in- compreensão de lidar com a dor.

As ilustrações originais foram realizadas no tamanho A2. Inicialmente, traduzimos por pala- vras a nossa interpretação, daquilo que o texto suscitava, ao mesmo tempo que realizámos os primeiros esquissos rápidos, para fixar a ideia. Em seguida, desenhámos todas as composi- ções num suporte A2 e passámos as mesmas para o papel vegetal, que usamos para transferir a ilustração, para o suporte original.

O processo de edição foi moroso, em comparação com os originais, algumas ilustrações so- freram pequenas alterações, por exemplo, o acréscimo e duplicação de elementos, que achá- mos necessários para valorizar a composição das ilustrações, aplicadas no livro final. Este projecto foi um desafio pessoal, na exploração de técnicas, domínio de suportes e ex- pressões que a ilustradora não tinha experimentado. Revelou-se um laboratório de experiên-

cias e auto-conhecimento que induziu a ilustradora na descoberta de novos percursos que

englobam o ilustrador como intermediário na relação entre texto e ilustração, na tentativa de colmatar dúvidas e decisões em futuros projectos.

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Conclusão

A ilustração, é o acto de revelar, fixando graficamente, a subjectividade e a emoção. Reflecte um momento, no tempo da história, dominado pelas vivências e memórias do seu autor. Nesta pesquisa pretendíamos compreender o papel do ilustrador, enquanto mediador entre texto e ilustração. E concluímos que na leitura do texto o ilustrador desenvolve um proces- so de interpretação que podemos denominar por hermenêutico, do qual resulta um inter- pretante, ou seja uma imagem mental, que advém da experiência, emoção e conhecimento individual.

O ilustrador oferece o seu corpo, como um canal de sentidos, e através dos materiais e supor- tes, configura o signo, o respectivo desenho da ilustração.

Referenciámos a importância da pesquisa, na procura de uma organização sustentada na construção de uma narrativa visual, que apela ao símbolo e à metáfora para tornar explíci- to, o que poderá estar ausente numa tradução literal do texto. Como forma de colmatar os vazios do enunciado narrativo, na criação de novas formas de significar, que completem e sustentem uma visão sobre um determinado texto.

A leitura da narrativa textual pode ser um campo de acção, com inúmeras possibilidades de produzir um sistema de signos. A função simbólica da imagem pode representar o texto através da interpretação dos signos escritos, por norma, associados às palavras. Esta inter- pretação está presente nos signos icónicos, figurativos, plásticos e integrais, que influenciam o ilustrador na realização da ilustração mediante o leitor-modelo. Pois o interesse da ilus- tração está nesta capacidade de superar a tradução literal do texto, revela-se um processo de inovação semântica, que enriquece o seu significado. Portanto, a mesma, não deve apenas representar, mas sim interpretar o que está escrito. O ilustrador ao pensar a ilustração, neste sentido, cria metáforas para demonstrar a realidade. Atribuí designações a imagens figura- tivas que se referem a imagens literais, que suscitam a interpretação, imbuídas de um novo significado. No entanto, existem determinados aspectos, que apenas as palavras definem, o ilustrador deve ter a capacidade para reconhecer este limite. É o mediador, entre texto e imagem atendendo que é o primeiro explorador dos sentidos do enunciado narrativo. Ler o texto é um processo de construção, de confronto de memórias, de sentir o que é dito por outro como se participássemos na história.

O ilustrador revê-se no papel de produtor de sentidos, que transfere invariavelmente o seu traço e expressão nas ilustrações que cria, atribuindo novas formas de significar. Resume-se assim, o acto de ilustrar a um exercício de autoria, que reflecte as memórias, as emoções, as experiências e a forma de como o autor vê e cria o seu próprio mundo.

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Conclusão

O presente estudo surge do contexto da edição do livro ilustrado, um artefacto de comuni- cação, cujo os limites físicos são frequentemente reconfigurados e transformados pelos seus autores. Neste relatório de projecto compreendemos a construção deste processo, enquanto ilustradores (autores), que é tido num campo de experimentação, transmutação, representa- ção e significação.

A revisão da leitura dedicada à história e contextualização de As Cartas Portuguesas de Ma- riana Alcoforado surgiu como uma fase indispensável do processo de investigação, na com- preensão do texto e na consolidação do conhecimento e da dimensão da obra. Reconhece- mos a necessidade do ilustrador em desconstruir e comportar uma leitura analítica, sobre o texto original, recorrendo a processos de pesquisa, excedentes ao texto, que sejam possí- veis pelo ilustrador, proporcionando o distanciamento da ilustração face ao texto a ilustrar, construindo um novo espaço conceptual para os livros. O resultado desta abordagem, deve respeitar o texto original, aumentando as possibilidades de interpretação.

A leitura, do ilustrador: intermediário na relação de texto e imagem, constituiu as bases das quais resultaram a concretização de projecto, nomeadamente, a forte componente na com- preensão do processo de trabalho de um ilustrador, na singularidade de uma expressão, que manifesta a participação cognitiva e afectiva, na tentativa de interpretar o texto, desvendan- do o seu sentido implícito. Os livros a que recorremos como influência contextualizaram as práticas e as linguagens artísticas abordadas nesta investigação.

Este enquadramento temático que constrói os primeiros capítulos deste relatório de inves- tigação sustentou as opções metodológicas e criativas desenvolvidas no projecto prático. O livro ilustrado constitui um espaço de significação para o ilustrador, onde compõe um novo mundo, aquele que lhe é permitido revelar quando interpreta um texto. A compreensão do papel do ilustrador mediador na relação entre texto e imagem, foi fundamental na cons- trução de linhas estruturais, para a descodificação do processo de ilustrar e da criação de imagens, que poderá ser aplicado a outros contextos e suportes no futuro.

Esta edição assume um carácter autoral e uma expressão experimental, que define um exer- cício singular, na interpretação de um texto adaptado ao suporte de livro ilustrado.

Com a intenção de compreender e ter a consciência do processo de interpretação, partindo de um enunciado narrativo para a construção narrativa visual.

Este projecto revelou-se um método de aprendizagem fundamental enquanto espaço de experimentação para pensar o objecto como um todo. Ser autora, ilustradora e designer gráfica, pensar no livro-objecto. Um exercício completo de auto-conhecimento de confronto com as próprias memórias e de como as poderia expressar, no desejo de florescer enquanto ilustradora.

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Conclusão

Esperámos ter deixado aqui o nosso contributo e incentivo para a continuidade. Sentimos que, no fim desta pesquisa, reunimos as ferramentas e os conhecimentos necessários para podermos interpretar um enunciado narrativo e enveredar pelo design editorial de livros ilustrados, assim como outros suportes para a ilustração. Como continuidade para investi- gação futura gostaríamos de percorrer a história do livro ilustrado e perceber a evolução do papel e da função, quer do ilustrador, quer da ilustração, até à contemporaneidade.

Atendo à necessidade actual que o ilustrador tem em dominar vários suportes, que cada vez mais se baseiam em ferramentas digitais, utilizadas para a comunicação de ideias e concei- tos visuais, aplicados a processos criativos.

Terminámos este relatório de projecto, com a esperança de expor as ilustrações finais, visto que, não conseguimos saber se realmente esta edição será publicada num contexto real. No entanto, conseguimos relembrar As Cartas Portuguesas e Mariana Alcoforado, transportando a obra para actualidade de todos aqueles que acompanharam esta investigação.

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