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O ilustrador: Intermediário na relação do texto e da imagem O recorrente uso do termo imagem, por vezes, é suportado com diversos significados sem

14. Universo Diegético

Universo diegético para designar o mundo singular construído por qualquer narrativa.

2.4 A ilustração e a estrutura da mensagem

2.4.1 A interpretação

Podemos partir do princípio, que na leitura de um determinado texto, pelo ilustrador de- senvolve-se um processo de interpretação (hermenêutica) do qual resulta um interpretan- te “(a imagem mental nele suscitada, fruto da experiência, do conhecimento e da emoção) mediado por uma operação especular em que atende aos sentidos presentes no texto, por uma operação dialógica, em que confronta o texto com um outro texto (o do programa) e com as suas contingências, e por uma operação poética em que recria os sentidos presentes ou ausentes à luz do interpretante, o ilustrador usa o corpo e recorrendo à tecnologia, configura

o signo – o desenho da ilustração” (Quental, 2009, p.153). Existe uma procura, uma organização

sustentada na narrativa, que apela ao símbolo e à metáfora para trazer ao conhecimento o que poderá estar ausente numa tradução literal do texto.

Paul Ricouer, no livro, Teoria da Interpretação refere que a “hermenêutica è a interpretação orientada para textos e na medida em que os textos são, (...) exemplos da linguagem escrita, em nenhuma teoria da interpretação é possível que não se prenda com o problema da escri- ta” (Ricouer, 1987, pg.37). Umberto Eco, em Os limites da interpretação sob a luz do raciocínio de

Derrida, relembra que devemos, “(...) analisar o inconsciente do texto e não o inconsciente

do autor” (Eco, 2004, p.36). Joana Quental, afirma que Umberto Eco, levantou algumas ques-

tões, relativamente à tradução, pertinentes para o estudo da ilustração, sustenta que: “(...) Tem de se rebater que, se o texto original propunha qualquer coisa como referência implíci- ta, ao torná-la explícita certamente se interpretou o texto, levando-o a fazer ‘a descoberto’ algo

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Partindo deste esclarecimento sobre o que se poderá entende por interpretar, a interpretação do texto, acaba por ser um factor determinante, que envolve o autor e a sua própria identida- de. A linguagem para além de dizer, revela e origina a realidade, as formas pelas quais o texto se apresenta são mediadoras, entre o ser humano e o mundo real.

Como explana José Saraiva: “as palavras descrevem pessoas ou espaços, mas as ilustrações podem ampliar o seu sentido ao apresentarem pormenores omissos do texto, como vestuá- rio, aspectos físicos particulares das personagens ou características do cenário. Deste modo, as ilustrações não expressam apenas o conteúdo explícito do texto mas o seu conteúdo im- plícito. Por isso são sugestivas relativamente ao texto referencial. Para além da interpretação que o ilustrador faz dos aspectos físicos sugeridos, representa ideias e conceitos intangíveis

e invisíveis, como o medo ou o amor” (Saraiva, 2013, p.135).

Na ilustração a interpretação exige uma suspensão no tempo, “um instante de silêncio e de recolhimento, de pôr em relação; de questionar, de duvidar, de repetir; de ler e de, sim- plesmente, olhar. O espaço de representação contemporâneo revela-se, acima de tudo, um

espaço semântico15 de interacção e de permuta de sentidos, um espaço de significação. Um

espaço afectivo e de encontro, de reunião entre o eu e o outro” (Quental, 2009, p.143).

Gémeo Luís, expõe no seu entender, ao citar Díaz Armas:

“È o caso, por exemplo, do simbolismo acarretado pela ilustração; das referências transtex- tuais que podem, ou não, ser reconhecidas pelo leitor previsto e que, em muitas ocasiões, chegam a somar novas dimensões plurissignificativas ao texto, sugerindo diversos níveis de leitura ou, inclusive, ajudando a descobrir as intenções do autor ou da obra; de algumas possibilidades de complicação narrativa que a ilustração, por si só, ou em combinação com a palavra, proporciona finais abertos ou ambíguos [...] circularidade, dialogismo [...] polifonia

textual” (Armas, cit. por Fonseca, 2013, p.52).

Paul Ricouer, esclarece-nos que “a mensagem tem fundamento da sua comunicabilidade na

estrutura da sua significação” (Ricouer, 1987, pg.37). Partindo do princípio que o texto escrito é

um processo comunicativo que entende a presença de um emissor, José Saraiva explica-nos que, “uma mensagem e um receptor, os papéis dos extremos são ocupados pelo autor e pelo leitor. Aqui devemos fazer uma distinção no papel de leitor. Entendemos por leitor-mode- lo, aquele que tem a capacidade intelectual de actualizar plenamente o conteúdo potencial do texto e, por isso, cooperando com o autor. É leitor-modelo na perspectiva do autor, pois

cumpre as expectativas deste. Lê o texto da forma como o autor pretende que o faça” (Saraiva,

2013, p.128). Nesta caso específico, a interpretação do texto é mais restrita. Quando referimos

o leitor-empírico este pode julgar e interpretar consoante aquilo que ele pensa que são as verdadeiras intenções do autor. “O leitor-empírico tem a certeza absoluta de que o seu juízo é o resultado intencional das intenções do seu autor-modelo, interpretando a partir do que,

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Umberto Eco, acrescenta que de um texto podemos retirar várias interpretações. “Em prin- cípio podem fazer-se infinitas. Mas no fim as conjecturas deverão ser provadas com base na coerência do texto e a coerência textual só poderá desaprovar certas conjunturas avançadas.

Um texto é um artifício destinado a produzir o seu próprio leitor-modelo” (Eco, 2004, p.38).

Atribuindo o uso e a interpretação como sendo dois modelos abstractos, pois todas as leituras resultam da junção de ambos. “Por vezes acontece que um jogo, iniciado como sendo uso,

acabe por produzir uma criativa e lúcida interpretação - ou vice versa” (Eco, 2004, p.42). E eluci-

da-nos ao explicar que, por vezes, “interpretar mal um texto significa descascá-lo de muitas interpretações canónicas anteriores, descobrir-lhe novos aspectos e, neste processo, o texto

resulta muito melhor è muito mais produtivamente interpretado (...)” (Eco, 2004, p.42).

Joana Quental, refere que no caso da ilustração existem opções formais e semânticas a to- mar. Retomando a adequação da metáfora “ao texto a comunicar, não é garante de que o de- senho não destrua os sentidos que quereria significar. Porque as referências e as memórias são individuais, conduzem necessariamente à criação de diferentes imagens e representa- ções. Deste modo, a ilustração pode traduzir e respeitar as palavras em termos denotativos,

mas não lhes ser correspondente em termos estéticos” (Quental, 2009, P.147). Sendo a ilustração

uma informação que poderá acompanhar um texto, “a ilustração é canal da mensagem, tal

como o texto” (Saraiva, 2013, p.131). E, considerando que o mesmo possa ter um carácter informa-

tivo, não é necessário que a ilustração acompanhe esse género.

Aliás, como ressalta Joana Quental (2009) o interesse na ilustração está na capacidade de

“superar a tradução literal do texto e revelar-se um processo de transmutação, de inovação

semântica”, com a possibilidade de enriquecer e adicionar significado. A ilustração invés de

apenas representar, deve interpretar o que está escrito, com o objectivo, de fornecer ao leitor uma segunda leitura sobre o texto, enriquecendo-o ou atribuindo novos dados. È importan- te salientar que, nesta relação entre texto e imagem, nem tudo é possível de ilustrar. Existem determinadas coisas, que apenas as palavras as conseguem definir, cabe ao ilustrador reco- nhecer esse limite.