• Nenhum resultado encontrado

E

xiste uma série de cinco emissões radiofônicas que constituem importante

fonte de pesquisa sobre História da Loucura299. Trata-se da terceira série de uma

emissão radiofônica entitulada “L'usage de la parole”, escrito e narrado por Foucault e realizado por Jean Doat, além de trazer grande leque de intérpretes e profissionais que são entrevistados. As cinco emissões foram ao ar nas seguintes datas: 07.01.1963, “La folie et la fête”; 14.01.1963, “Le silence de la folie”; 21.01.1963, “La persécution”; 28.01.1963, “Le corps et ses doubles”, e por fim em 04.02.1963, “La langage en folie”.

Os cinco programas de cerca de 45 minutos cada são muito dinâmicos, uma equipe de atores e atrizes revezam-se nas encenações de trechos de Jean de Rotrou, declamações de poemas de Artaud e Rabelais e leituras de Erasme, Michaux, Quincey, Diderot, dentre outros. O conteúdo de modo geral corresponde àquele apresentado na sua tese de Foucault, mas a linguagem é bem pouco acadêmica.

O que existe a ressaltar nesta série de emissões radiofônicas são dois aspectos particularmente interessantes. O primeiro deles, mais evidente, é o modo como Foucault decide apresentar suas ideias. Ele não se põe simplesmente a discorrer sobre a tese, não opta por uma espécie de aula ou entrevista. Foucault convoca atores, seleciona textos cujo potencial lírico ou dramático é indiscutível, recorta cenas de filmes, escolhe músicas e efeitos sonoros diversos para servir de fundo às leituras etc. Enfim, trata-se de mobilizar uma série de recursos cênicos para compor uma espécie de espetáculo, uma narração viva. Em meio a estes monumentos cênicos, desenha-se uma espécie de paisagem no interior da qual o filósofo aos poucos insere sua ordem argumentativa. Os argumentos são interiorizados pelo ouvinte num movimento que se dá paralelamente à sua inserção na trama narrativa.

Foucault diz que utiliza o « teatro dionisíaco » como arma e recurso de deslocamento, sendo o teatro o lugar onde a violência ao se transformar num belo

299

Tivemos acesso a estes arquivos no inverno de 2010-2011 na ocasião do estágio de pesquisas no exterior. Os arquivos encontram-se em poder do IMEC. Não é possível realizar cópias em áudio dos arquivos. Da série de cinco programas, somente o primeiro programa apresentava material escrito, a saber, alguns fragmentos de textos interpretados pelos atores, sem menção a qualquer fala realizada por Foucault. As observações que fazemos neste tópico têm como referência anotações baseadas na audição dos programas.

espetáculo pode ultrapassar o homem, mobilizando sua força em poder subversivo. Esta então teria sido a primeira de uma série de episódios em que Foucault lançaria mão de recursos cênicos. Ele se serviria também de recursos teatrais em textos como “As palavras e as coisas” e “A vida dos homens infames”300.

A segunda particularidade destes programas que gostaríamos de salientar diz respeito à forma de mobilizar o conteúdo. Conforme já dissemos, Foucault havia insistido na necessidade de se conceber a História da Loucura, tomando-a no interior de um quadro antropológico, cultural, como fenômeno de civilização. A questão será desenvolvida nos episódios terceiro e quarto da série.

O ciclo estreia com o programa « La folie et la fête ». O tema abordado equivale ao do capítulo « Stultifera Navis » de História da Loucura. O fundo musical evidencia o clima de festa. Ouvimos, ao início, um texto interpretado pelo ator francês Claude Martin, que descreve as cenas de um cerimonial típico do qual os loucos eram convidados fundamentais. Acompanhemos o cerimonial:

“Os padres de uma igreja elegiam um grupo de loucos que vinham pomposamente se colocar no coro sob o assento episcopal. A grande missa começava então. Todos os eclesiásticos assistiam um rosto manchado de preto e coberto por uma máscara ridícula. Durante a celebração, alguns vestidos de palhaços ou de mulher dançavam e cantavam canções obscenas ou bizarras. Outros vieram para comer no altar salsichas ou morcela, jogar cartas ou dados diante do celebrante. A queima do incenso era oferecida em incensários velhos. Inalava-se a fumaça. Depois da missa, novos atos de insensatez e impiedade. Os sacerdotes, que se confundiam entre os habitantes de ambos os sexos, dançavam animados e se excitavam com todas as loucuras, todos os atos licenciosos que lhes inspirava uma imaginação desenfreada. Mais vergonha, mais pudor e ninguém deteve o estouro do transbordamento da loucura e das paixões. O local santo que dava lugar a este teatro não se

300 Sobre esta questão, vide MUCHAIL, Salma, “O cuidado de si: o momento cartesiano” In:

impunha mais. Em meio ao tumulto de palavrões e canções dissolutas, vimos alguns completamente despojados de suas roupas e outros a se liberarem aos atos mais vergonhosos de libertinagem. A cena então continuou fora da igreja. Atores montados em carroças cheias de lixo, divertiam-se atiçando a população ao seu redor. O cotejo parava de tanto em tanto para se dirigir expressivamente a seus loucos. Ali eles renovavam seus jogos em face ao público301”.

Notamos que nestas Fête des fous o louco era o convidado que recebia uma espécie particular de homenagem ou reverência. Cada cidade, vilarejo, tinha os “seus loucos”. Todos comungavam com eles naqueles dias suas maluquices em rituais que beiravam o obsceno. O canto, a dança, o cenário, tudo contribuía para esta atmosfera onde todos podiam viver um pouco a loucura, ou melhor, reproduzir seus trejeitos animadamente, numa espécie de “transbordamento” de paixões. A igreja, lugar santo da dramaturgia sacra, agora servia de palco às bizarrices. Mas a festa mesmo acontecia na rua, em face e na mistura com os habitantes da cidade.

Consta desta emissão a reprodução de um diálogo do filme « Regards sur la folie », que estreou em 1962. É uma cena real, uma mulher conversa com um paciente do hospital psiquiátrico. A cena consta do filme que parece ser, neste sentido, uma espécie de documentário, dirigido por Mario Ruspoli e escrito em parte por Antonin Artaud. “Ouçamos” alguns fragmentos da emissão radiofônica selecionados:

Diz o paciente interno: «Moi, je suis. Je ne peut pas le dire quoi »

Um médico diz: « Il ya beaucoup de significacion pour definir une maladie ».

Alguém pergunta ao paciente: « Qu'est ce qui ne va pas? »

O paciente interno responde «Ça, je ne peut pas dèjá dire ».

301 O trecho reproduzido nos foi concedido excepcionalmente pelo gestor dos arquivos do IMEC.

Sobre este trecho, é interessante notar dois aspectos. O primeiro é que existe uma silêncio muito grande de fundo das falas. As falas são lentas, pausadas, calmas. Talvez excessivamente calmas. A voz do paciente é lenta, baixa, pausada. Dando uma forte impressão de cansaço, de um sofrimento que já desistiu da sua cura. Enfim, o tom é de desânimo profundo. É este tom que Foucault faz contrastar com o tom muito festivo, musical, alegre, do começo desta primeira audição. Em relação ao conteúdo desta última cena, salta aos olhos um aspecto que será trabalhado melhor no último programa, mas que já se adianta aqui: a questão do silêncio de uma linguagem que não pode mais dizer-se. Não por acaso, Foucault seleciona justamente a frase do documentário em que o paciente diz que nada pode dizer sobre si, a não ser que “ele é”, “moi, je sui”, simbolizando, talvez, ironicamente, a constatação da existência como um último resíduo, o cogito como um empobrecimento da subjetividade. Ademais, ressalta também o aspecto da loucura como ausência de palavra, de linguagem, de razão, de obra. São declamados também trechos de Erasmo, o epitáfio de Dom Quixote, Diderot em “O sobrinho de Rameau”, Sade, uma carta de Jacques Rivière, poemas de Antonin Artaud, trechos de Thomas Mann, Dostoievski etc.

Na segunda emissão, sobre o episódio da “Grande Internação”, Foucault faz desfilar uma relação dos condenados ao internamento. A lista é lida pelo exemplar funcionário do judiciário com um tom de voz propositalmente monocórdico, sugerindo tanto descaso quanto a falta de sensibilidade social em relação à diferenciação dos internados, considerados igualmente condenáveis perante o tribunal. Eis alguns delitos mencionados: um insano, um outro acusado de maltratar a mulher, a outra de ter muitos homens, outro de roubar, outro de ter matado, outro de mendigar, perturbar a ordem das ruas etc. O mais grave, ressalta Foucault, que muitos eram indicados por suas próprias famílias para permanecer no Hospital, não por um período, mas durante a vida toda, fato que, por si só, segundo Foucault, seria digno de se fazer incluir o episódio da “Grande Internação” como fato obrigatório a considerar quando pensamos na história da nossa cultura.

Na terceira e quarta emissões Foucault dedica-se a falar de dois tipos de loucura: a paranoia (perseguição) e a esquizofrenia. É interessante notar como

Foucault reconstitui os dois quadros procurando evitar sempre ser capturado pelo vocabulário médico da psiquiatria, psicologia ou da psicanálise, da mesma maneira como evita utilizar conceitos metafísicos como alma, ser, essência, realidade etc.

Na emissão radiofônica dedicada ao tema da persécution Foucault realiza um procedimento muito curioso. Começa afirmando que na nossa cultura a loucura carrega um “formidável potencial de inquietude”. Começa a discorrer sobre a perseguição da razão à loucura, menciona métodos como a cruel ducha, a prisão, os espaços brancos do internamento, a captura conceitual da loucura por parte da razão etc. De repente, sem mudar o tom de voz, sem fazer qualquer pausa ou introduzir qualquer sonoridade, Foucault muda o sentido do termo, e passa a falar sobre a perseguição no sentido de paranoia. A impressão que se tem é que esta continuidade contínua não é fruto de distração ou erro, mas é introduzida de modo a produzir um tipo de espanto, de estranhamento.

Foucault continua dizendo que este mundo da perseguição tem uma “curiosa propriedade”, é o mundo em que o acaso foi abolido, pois tudo neste mundo é coincidência e até mesmo o mais fabuloso é possível. Diz que neste mundo da perseguição imaginária, onde o mais fabuloso é possível, a perseguição se torna o lugar do choque constante. Cita Diderot que dizia que em geral os homens se sentem vivendo como que inseridos numa trama, mas que cerca de um terço deles vão acabar sentindo-se vítimas desta trama. A perseguição acaba sendo um “tipo maravilhoso” de poder, uma rede inextrincável em que se perdem. Neste sentido, Foucault dirá que aquele que sofre de perseguição imaginária – ele cita o exemplo de Rousseau e sua infelicidade que deixou registrada em seus relatos – sente-se vítima absoluta porque se sente eternamente perseguido por uma rede que jamais o abandona. Daí Foucault afirmar que o perseguidor porta o milagre de tornar o singular universal porque, na vivência daquele que sofre a perseguição, o perseguidor torna-se a figura do jogo que conseguiu devorar todas as outras e que ao mesmo tempo está na origem de tudo, como uma besta monstruosa.

fenômeno observado na nossa cultura, pode gerar, como fenômeno produzido no seu âmbito, um tipo de sofrimento psíquico que se liga às formas de viver de uma sociedade, uma espécie de patologia social gerada por uma sociedade que cultiva a perseguição enquanto valor na medida em que se particulariza por esquadrinhar, ordenar, enquadrar, hierarquizar, buscar as causas, culpabilizar, delatar, aprisionar, punir etc, gesto que fica evidenciado pela forma como ele resolveu introduzir o assunto dizendo da perseguição da razão em relação à loucura.

A quarta emissão radiofônica, de 04 de fevereiro de 1963, traz um tema ainda mais contundente, uma forma de sofrimento psíquico mais intenso, a esquizofrenia. Foucault só citará o nome no final do programa. Antes, ele procurará situar o problema, tal como fez no caso da paranoia, no interior de um quadro social mais amplo. Com efeito, o programa abre com a dramatização de um espetáculo de exorcismo. Ouve-se gritos de horror, vozes roucas, risadas tresloucadas, terror enfim. “Esta curiosa possessão”, ele dirá. Foucault chamará o fenômeno de “O corpo e seus duplos”. Em seguida diz que somos “cavernas sonoras” e que a questão do corpo e seus duplos é observada em várias culturas. Mas por que Foucault traz esta imagem? Diz ele que o curioso no caso do duplicamento é que a pessoa se torna o outro do outro que está “ao seu redor”. Deixa-se de ser o que se é para nos tornarmos o outro de um outro que não somos nós. Mas não é só isso. Este outro, também chamado “o duplo”, vampiriza, se apodera, domina, toma conta do eu, que então, passa a não ser mais o senhor de seu corpo. Então, conclui Foucault, no duplicamento, tudo se passa como se não fôssemos (mais) corpo, ou como se nos tornássemos “brancos”, “porosos”. Ao se sentir privado da posse de seu corpo, aquele que sofre o duplicamento sente que não habita mais o mundo, por isso a presença do duplo é fatal e o desejo de morte é insistente. Segue-se depois a narração de alguém que vê o seu outro, vendo seu corpo, de fora dele, como nós fôssemos, diz Foucault, esta “pequena bolha brilhante”.

É quando Foucault muda o tom e diz que na esquizofrenia se encontra a dissociação total do mundo, que é a dissociação total do corpo. Como se o corpo daquele que foi duplicado não encontrasse mais seu lugar no mundo. Ele perde o

corpo. Segue-se a narração de uma cena de uma pessoa que perdeu seu olho num acidente e colocou um olho artificial. Então ela tira este olho postiço e o coloca sobre a mesa. Ela descreve sua morbidade, seu estado morto e sem vida.

O sofrimento é de tal monta, que o suicídio se torna um modo de restituir o corpo daquele que sofre à sua natureza, a única natureza possível. Entra em cena neste momento uma interpretação de um trecho de Artaud em que o autor procura justificar sua suposta morte autoinfligida. Diz ele que não se trata de desejo de viver ou de morrer. Aquele que pretende o suicídio não dá menos valor à vida do que os outros. Tampouco trata-se de um desejo de morrer. Trata-se de uma solução. Diz Artaud que quando a vida torna-se uma orientação que não se consegue fixar, ela não é mais objeto, forma, ela “não é”. Por isso, paradoxalmente, ele diz que, neste estado, não pode nem morrer, e nem viver. Artaud completa dizendo que não existe desejo de morrer nos suicidas, e nem desejo de viver em quem vive. Todos os homens não têm desejo de viver ou de morrer. E a emissão se encerra.

Sem dúvida, a “ordem das razões” deste episódio é mais sutil que aquela do programa anterior. Contudo, podemos arriscar uma hipótese interpretativa. Reconstituindo o exercício, notamos que Foucault inicia trazendo à baila o fenômeno genérico do duplo. Tão genérico que, segundo ele mesmo, está presente em várias culturas, fato facilmente compreensível, dado que, como logo após ele mesmo dirá, somos “cavernas sonoras”. Cavernas sonoras com vozes generosas, mais ou menos dissonantes ou simplesmente aterradoras, mas sempre cavernas sonoras. O solilóquio é um outro modo de conceber (ou instanciar) a razão. A questão é que estas “cavernas sonoras”, dependendo da cultura em que se inserem, terão suas vozes interpretadas de diferentes formas. No caso da nossa cultura, o exemplo trazido é o de um ato de exorcismo. Um espírito mau se apossa de um corpo que permanece refém deste espírito, sendo libertado somente quando uma terceira pessoa, representante do opositor maior deste espírito, intercede na situação para libertar o pobre corpo da possessão. A nossa história ocidental foi profundamente marcada por estes eventos, inclusive na época dos processos da sagrada inquisição, que vitimou milhares de pessoas, à pretensão de livrá-las do mal. Não é preciso citar exemplos do quão

puderam ser arbitrários estes julgamentos nos quais o réu (na maioria das vezes, a ré) já estava sempre a priori condenado à morte, confessando ou não a possessão, pois negá-la, praticamente, não lhe era facultado. A questão é que a morte era sempre a forma mais eficaz de livrar o corpo do mal, o que não era visto como algo tão grave, visto que, quando inocente, a pessoa iria para a vida eterna na qual ela não somente estaria em paz como não precisaria mais do seu corpo.

Ao trazer o exemplo do exorcismo e depois tematizar enfaticamente a questão do corpo, talvez Foucault queira evidenciar como dicotomias tão profundas com relação ao corpo – alma eterna/corpo perecível; corpo puro/corpo pecador; corpo aparência/alma essência, res extensa/res cogitans etc. – tão interiorizadas na nossa cultura, podem responder por uma espécie de sofrimento social e psíquico. Talvez elas possam contribuir para tornar patológico o sofrimento de algumas “cavernas sonoras” cuja natureza seja talvez mais suscetível ou sugestionável. Viver o corpo de forma livre da culpa e de dicotomias perversas parece ser uma das formas apontadas por Foucault para lidar com uma cultura que tende a produzir esquizofrênicos e maníacos. Diz ele que viver o corpo é preciso, pois “o corpo é a única coisa que pode dominar a inquietude que poderia nascer de se viver num mundo que não se pode dominar”.

De quebra, a partir deste programa de rádio, podemos perceber que tudo se passa como se em História da Loucura, quando Foucault vai buscar nesta experiência trágica que ele chama de uma linguagem mais primitiva, mais original, ele quer capturar uma forma de “linguagem da loucura” que ainda não foi colonizada por uma determinação normativa e conteúdo metafísico.

O programa de encerramento da série radiofônica, ocorrido em 04 de fevereiro de 1963, recebe o título “La langage en folie” e nos esclarece bem sobre a conclusão de Foucault frente ao que fora apresentado nos quatro programas, a saber, de que a loucura torna o homem estrangeiro à linguagem dos homens e prisioneiro de um universo fechado de linguagem.

não são um lugar, que esta seria uma boa e justa objeção. No entanto, contra esta objeção ele pede que se olhe bem o contexto das emissões apresentadas.

De que ele não está falando de loucura como linguagem, mas falando de uma linguagem literária que é o confim mesmo da loucura. Foucault reconhece que queria falar desta estranha linguagem literária que quer pivotar a linguagem sobre ela mesma. A palavra que galopa nos loucos e que parece ser a liberdade dos loucos. Ele contrapõe a linguagem poética dos loucos à linguagem da representação, uma “dilatação monstruosa”, “uma ampliação gigantesca da fábula”. Ele queria falar não que a loucura fosse um tipo de linguagem mas que existe uma linguagem que trancafia o mundo, um mundo que é fantástico. A poesia, a lúcida paixão da linguagem, é um jogo de palavras.

Foucault diz que os delírios dos loucos não podem ser muito diferentes que estas experiências literárias que foram apresentadas e que, neste sentido, é possível falar de loucura como fenômeno de significação. A linguagem (dos loucos) resta anterior à própria palavra. A verdade da natureza e da poesia. A poesia é um jogo de palavras. Lúcida paixão da linguagem. Um “écrire vain”, um “Écrivain”.

CAPÍTULO 7

OS ESPAÇOS DA EXCLUSÃO NA IDADE CLÁSSICA

...obcecava Foucault em todas as suas obras: a forma do visível em contraste com a forma do enunciável302.

Gilles Deleuze

O Classicismo inventou o internamento, um pouco como a Idade Média a segregação dos leprosos; o vazio deixado por estes foi ocupado por novas personagens no mundo europeu: são 'os internos'303.

Michel Foucault

Neste capítulo final trataremos de duas questões centrais. A primeira discussão (7.1) mostrará de que forma podemos compreender o momento do nascimento da razão como acontecimento solidário à exclusão de seu Outro, apresentando em pormenores o episódio histórico do “Grande Internamento”, coração da tese de Foucault, trabalhado pelo autor como um dispositivo simétrico ao acontecimento discursivo da exclusão da