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CAPÍTULO III – OS CASOS DA AMI, OPERAÇÃO NARIZ VERMELHO, RE-FOOD

3. A Re-Food

comunidade numa causa comum” (Re-food, 2016), com vista a concretizar a visão de aspirar:

a um mundo novo, onde todos têm a comida de que necessitam; onde todos os alimentos produzidos vão primeiramente alimentar pessoas; onde os cidadãos participam ativamente na gestão dos preciosos recursos da comunidade, e onde todo mundo assume o poder, direito e a obrigação de transformar o mundo num lugar melhor. (Re-food, 2016)

Para isso, a Re-food considera fundamental assegurar a sua autonomia, fomentando a autossustentabilidade dos núcleos de voluntários, que só podem ser criados por cidadãos e não

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por instituições. Por essa mesma razão, a instituição não se considera dependente, uma vez que privilegia a autossuficiência dos núcleos, procurando não estar dependente de nenhuma entidade; estes são dinamizados apenas pela comunidade e a sua operação acarreta custos muito reduzidos. Verifica-se, assim, que a perspetiva da Re-food acompanha a premissa exposta pela hipótese 1, uma vez que o facto de priorizar a autossustentabilidade dos núcleos indica o cuidado em não depender de potenciais financiadores e fomentar a autonomia.

A Re-food tem um único foco de atuação, designadamente, o desperdício alimentar e a fome, mas expandiu o seu âmbito de atuação como parte do crescimento natural da organização. Isto é, começou por distribuir comida preparada, mas hoje entrega refeições doadas por grandes distribuidores, por exemplo, e espera, num futuro próximo, convidar cidadãos a entregar sobras de comida.

Aliás, Hunter Halder enfatiza a importância de manter o foco da missão, considerando um risco o afastamento da mesma, mas destacando que a missão é um processo dinâmico e de aprendizagem contínua. (Halder, 2016, p. 120)

A atuação da Re-food depende única e exclusivamente de voluntários e está assente no princípio da reciprocidade (economia da boa vontade, mas palavras de Hunter Halder), e com um modelo de gestão “micro-local”, ou seja, cada núcleo é autónomo e o objetivo é colmatar problemas da comunidade local.

Com a crise económica, depararam-se com um aumento de pedidos de ajuda e viram- se obrigados a reforçar a sua atuação, mas não diminuíram os apoios, pelo contrário, passaram a receber uma quantidade mais elevada de ofertas por parte dos seus parceiros, o que constituiu um maior desafio, uma vez que requer “a logística e os recursos humanos necessários” (Halder, 2016, p. 117).

Porém, o fundador da organização considera que isso não colocou em causa a missão da mesma e justifica o facto de não ter sido afetada pela crise por receber doações de produtos excedentários, por ter um custo muito reduzido com a sua atuação, por evitar o desperdício de comida e por envolver a comunidade. Uma estratégia que distingue o modelo de gestão da organização e que reforça a pertinência da terceira hipótese formulada neste estudo: Um modelo de gestão assente numa estratégia inovadora enfrenta um menor risco de desvio da missão.

Ao contrário das restantes organizações analisadas neste estudo, a Re-food é a única que conta apenas com voluntários, mais concretamente, 5000 espalhados por 32 núcleos em várias zonas do país.

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Ora, se é verdade que o voluntariado pode ser volátil, uma vez que não existe uma obrigação legal perante a organização, é igualmente verdade que o voluntariado está normalmente associado a uma maior dedicação, uma vez que existe uma obrigação moral que vincula os voluntários à organização.

Segundo o fundador da Re-food, a instituição tem por base uma “economia de boa vontade”, pelo que todos os que colaboram com a mesma, fazem-no com uma vontade genuína de ajudar e não por uma qualquer “obrigação monetária, governamental ou legal”. (Halder, 2016, p. 114)

Além disso, a estrutura organizacional da Re-food é horizontal, o que significa que todos os núcleos participam na tomada de decisão.

Assim, considera-se que, embora haja um risco subjacente no facto de uma organização subsistir apenas com o trabalho de voluntários, face à iminência de os mesmos falharem, o valor acrescentado desse vínculo compensa o risco.

Isto, porque se todos os colaboradores são voluntários, só continuarão a colaborar com a organização se acreditarem na sua missão, visto que não existe qualquer obrigação legal nem qualquer compensação monetária que incentive a sua permanência.

Acrescente-se, ainda, que se todos os núcleos participam na tomada de decisão, os seus responsáveis, eleitos pelas respetivas equipas (Halder, 2016, p. 114), serão mais empenhados e dedicados na prossecução da missão da organização e serão mais capazes de motivar e fidelizar os voluntários.

Porém, considera-se que, ao contrário do que preconiza a hipótese 4, não é apenas o vínculo dos colaboradores que influencia o risco de desvio da missão, mas sim o facto de a Re-food ter um único foco de atuação e uma estrutura de gestão horizontal, para além de contar apenas com voluntários.

A Re-food enfatiza, igualmente, a importância da transparência das organizações, considerando que todas as organizações devem disponibilizar, em linguagem acessível, informação sobre a sua atividade.

Por essa razão, publica, anualmente, relatórios de atividades e contas, mas Hunter Halder gostava de ir mais longe, publicando a conta bancária da instituição em tempo real, apesar de o terem desaconselhado a fazê-lo. (Halder, 2016, p. 120)

Hunter Halder preconiza, ainda, que a transparência permite o aperfeiçoamento das organizações e a partilha de conhecimento.

O responsável da Re-food admite que a comunicação da organização é, ainda, pouco organizada, e considera que a missão é pouco conhecida pelas partes interessadas, mas

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reconhece que os media contribuíram para divulgar a imagem e missão da Re-food, para além do esforço de comunicação que é feito através do site, do blogue, da página de Facebook, das newsletters produzidas pelos núcleos, e do boletim nacional publicado pela instituição.

Verifica-se, por isso, que a experiência da Re-food não nega a relevância da quinta hipótese: Quanto mais transparente a instituição, menor o risco de desvio da missão. Quanto mais eficaz a comunicação com as partes interessadas, menor o risco de desvio da missão.

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