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CAPÍTULO III – OS CASOS DA AMI, OPERAÇÃO NARIZ VERMELHO, RE-FOOD

4. A Sapana

A SAPANA.org veio para capacitar, não para ficar. Viemos para disseminar as melhores práticas. Através de uma metodologia, chegamos e pretendemos trabalhar cada pessoa, cada grupo, cada comunidade como se fosse uno. Queremos que a nossa excelência seja pautada com humanismo, até então creio que a SAPANA.org se tem posicionado como uma organização que podemos confiar, acreditar e suportar. (Cruz, 2016)

Pese embora, em 2013, a instituição tenha sido reconhecida como ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento - numa Ted Talk, em 2014 (Cruz, 2014), Carolina Almeida Cruz, Presidente e Fundadora da Sapana, afirmou que a instituição pretendia posicionar-se como uma empresa de missão e que essa missão seria transformar o mundo de forma sustentável, através de um modelo de negócio baseado no movimento B Corp16 e na Economia Convergente17.

Fundada em 2012, a Sapana ou “sonho” em nepalês, alcunha atribuída a Carolina Almeida Cruz pelos órfãos da aldeia nepalesa onde trabalhou, tem como missão a “capacitação de pessoa a pessoa” (Sapana, 2016) com o objetivo de um dia desaparecer, «pois isso será resultado de “missão cumprida”» (Sapana, 2016).

Considerando que “os desperdícios de talento são assustadores” (Cruz, 2016, p. 122), a Sapana atua na área da capacitação, ativando “dois eixos de ação for-profit (Core e Super Solutions), para além da sua Responsabilidade Social – non-profit, alinhando assim a sua visão de Economia Circular18 e de Auto-Sustentabilidade.” (Sapana, 2016)

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“B Corps are for-profit companies certified by the nonprofit B Lab to meet rigorous standards of social and environmental performance, accountability, and transparency”. (bcorporation, 2016)

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“(…) surge a partir do final da década de 70 um novo movimento na sociedade denominado de empreendedorismo social. É o despertar dos cidadãos enquanto agentes empreendedores que atuam focados na resolução de problemas e que trabalham em ligação entre os vários setores. O crescimento deste movimento está a desencadear uma transformação importante no comportamento dos atores de cada um dos três setores, levando-os a um diálogo crescente e iniciativas conjuntas. É esta crescente interligação entre setores a que chamamos de Economia Convergente.” (Santos, 2014)

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Economia circular é a transição do modelo linear de produção de bens e serviços, para um modelo circular. Este modelo defende que os resíduos devem ser transformados, através da inovação, em potenciais subprodutos ou outros materiais, que promovam a reutilização, recuperação e reciclagem. O

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Carolina Almeida Cruz descreve estes eixos de atuação, explicando que:

A Sapana tem aquela área de responsabilidade social (vamos chamar-lhe assim), em que trabalhamos com reclusos, desempregados e comunidade institucional, temos uma segunda área que consiste em trabalhar os recursos humanos das empresas e temos uma terceira área, que é a “super solutions”, que vem muito da cabeça de um dos nossos colaboradores, o João Conceição, que tinha ideias e passamos das ideias aos negócios sociais, porque a Sapana, em 2014, foi reconhecida pelo Grameen Bank como um exemplo de economia social. (Cruz, 2016, p. 122)

Importa acrescentar que existe uma metodologia desenvolvida pela Sapana, intitulada iPath, que sustenta todos os projetos de intervenção da organização, nomeadamente com desempregados, reclusos e etnias. A metodologia, inspirada “nos doze passos do processo de desintoxicação dos grupos dos Alcoólicos Anónimos, ou de qualquer outro tipo de adição que considere esta prática a mais válida” (Cruz & Pinto, 2015, p. 1) procura

a recuperação ou consciência de cada individuo, de modo a que se torne uma melhor pessoa, cidadão e por consequência, melhor profissional - resume-se ao desenvolvimento do Indivíduo.

Nesta escada, imaginemos que para subirmos cada degrau temos que contemplar todo o nosso crescimento, amadurecer e ter a capacidade de resiliência. Este processo poderá demorar anos, dias ou meses. Depende muito da força de vontade, da capacidade que o individuo tem em aceitar o seu lado ”sombra”/ vulnerável. (Cruz & Pinto, 2015, p. 3)

De todas as instituições analisadas, a Sapana é a única que não está dependente de fontes de financiamento externas19, uma vez que gera receitas próprias suficientes para assegurar a sua autossustentabilidade, tendo já sido criada com esse objetivo, confirmando, assim, a pertinência da hipótese 1.

A instituição tem um único foco de atuação, mas o seu âmbito de ação foi sendo alargado, pois, embora seja relativamente recente, a Sapana começou por testar os seus serviços em empresas, passando depois a vendê-los ao sector empresarial. Carolina Almeida Cruz considera fundamental saber exatamente para onde se dirige a organização, de forma a conseguir concretizar a sua missão. (Cruz, 2016, p. 125) E acrescenta que a missão de uma organização pode mudar, mas a organização poderá já não ser a mesma e é necessário saber aceitar isso. (Cruz, 2016, p. 125) Ou seja, à semelhança do que foi possível apurar através das restantes instituições inquiridas, confirma-se a pertinência da hipótese 2: Quanto maior o foco de atuação, menor o risco de desvio da missão.

A Sapana assenta o seu modelo de gestão numa estratégia de hibridação inspirada no modelo americano “B Corporation”, que procura reunir o que há de melhor no mundo “for

modelo circular assume que os produtos e serviços têm origem em fatores da natureza, e que, no final de vida útil, retomam à natureza através de resíduos ou através de outras formas com menor impacte ambiental. (BCSD Portugal, 2016)

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Consideram-se fontes de financiamento externas todas as que são provenientes de entidades exteriores à organização e fontes de financiamento internas, todas as que têm origem em receitas próprias da organização.

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profit” com o que há de melhor no mundo “non profit”. Isto é, a Sapana é uma organização com fins lucrativos, que presta serviços a preços muito baixos a quem não pode pagar e que cobra o valor de mercado aos restantes clientes, para além de que os seus projetos, como já referido anteriormente, dividem-se em 3 áreas, nomeadamente, trabalho com comunidades vulneráveis, trabalho com os recursos humanos das empresas e negócios sociais.

Em virtude deste modelo, a Sapana não sentiu as consequências da crise económica, uma vez que houve, até, uma maior procura dos seus serviços e um maior interesse em investir na organização, por um lado, porque trabalha com uma comunidade extremamente vulnerável perante uma crise económica, que são os desempregados. Por outro lado, é uma organização que se auto-questiona constantemente, de forma a preservar a sua missão, é jovem e oferece uma solução inovadora e que tem vindo a apresentar resultados muito positivos. A estratégia utilizada pela Sapana permite ilustrar, assim, a relevância da hipótese 3.

A Sapana conta com 8 colaboradores assalariados e assume o seu estilo de liderança como sendo participativo, considerando que “todos os colaboradores são líderes de si mesmos” (Sapana, 2016). Este estilo, alinhado com o estilo de liderança democrático apresentado por Daniel Goleman como sendo capaz de “gerar consensos através da participação” (Goleman, 2000) leva-nos a considerar que se todos os colaboradores são líderes de si próprios, maior será a crença na missão da organização e, consequentemente, menor o risco de desvio da mesma. Isto, porque se todos os colaboradores participam na concretização da missão e sentem que contribuem para a tomada de decisão, maior será a sua responsabilização e maiores serão o seu empenho e dedicação.

Ainda nesta linha de pensamento, Goleman preconiza que:

Ao darem tempo de escuta e participação aos seus seguidores, os líderes democráticos permitem que as partes interessadas cheguem elas próprias às conclusões inevitáveis, evitando reações desagradáveis. Apoiam-se “nos sentimentos de confiança e respeito das partes interessadas para obter a adesão e o seu empenho”. (Correia, 2013, p. 54)

Parece, por isso, claro que, na sequência da premissa preconizada pela hipótese 4, também no caso da Sapana, o vínculo institucional dos colaboradores influencia o risco de desvio da missão, quando articulado com algumas particularidades do modelo de gestão, nomeadamente o estilo de liderança. Além disso, o facto de a Sapana ser constituída por uma equipa pequena facilita o conhecimento da missão por todos os seus elementos.

Embora a missão da organização seja sobejamente conhecida pelos membros da equipa, Carolina Almeida Cruz considera que o mesmo não acontece com os investidores e clientes, havendo, no entanto, uma boa perceção da organização pelo público.

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A comunicação com as partes interessadas, concretizada através do site e da página de Facebook, é crucial para dar a conhecer a organização, para atrair investimento e para partilhar conhecimento (Cruz, 2016, p. 126). Uma perspetiva que ilustra a importância da comunicação e da transparência para mitigar o risco de desvio da missão, tal como sugerido pela hipótese 5.

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CAPÍTULO IV - CAMINHOS PARA UMA MAIOR AUTONOMIA DAS OES EM

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