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Reabilitação Urbana: Evolução

2. Enquadramento Conceptual

2.2. Reabilitação Urbana: Evolução

É no século XIX que a Europa começa a tomar consciência da necessidade de dar respostas à acelerada mutação das cidades “A reabilitação urbana nasce do paradigma da conservação do património no século XIX, com a tomada de consciência do interesse de certos monumentos como património arquitetónico, sendo que até essa altura se privilegiava a figura do “monumento histórico” (Choay, 1999 segundo Lemos, 2014: 26). Preocupação que nasce na intenção de conservar o tecido histórico das cidades, que posteriormente se alarga à totalidade dos perímetros urbanos. Desde então as inúmeras mutações têm tido reflexo nas diversas dimensões urbanas, “Estas metamorfoses urbanas são, simultaneamente, reflexo e refletoras de transformações de ordem social, política, económica e até cultural.” (Barata Salgueiro, 2012: 3).

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Dinâmicas que ao longo dos anos têm sujeitado a cidade a evoluir sob o desígnio de inúmeros processos de crescimento e adaptação às rápidas mudanças de necessidades dos habitantes ou da organização funcional das cidades, como aconteceu com o processo de industrialização. Facto reiterado por Teresa Barata Salgueiro (2012: 4): “Se, por um lado, a industrialização veio contribuir para um forte êxodo rural, tornando as cidades o principal foco de atração e concentração da população, a evolução dos transportes e os combustíveis fósseis vieram permitir um crescimento em extensão, que se vê hoje expresso em inúmeras nomenclaturas: dispersão urbana, crescimento em mancha de óleo, urbanização difusa, ou o internacional urban sprawl.” Processo de extensão que espraiou os perímetros da cidade e confundiu os limites urbanos antes tão bem definidos. O que trouxe consequências ao nível da ocupação urbana e provocou grandes assimetrias, principalmente nas áreas centrais com a decadência infraestrutural destas áreas assim como graves problemas culturais e sociais.

Perante o agudizar deste quadro da debilidade citadina que englobou défices habitacionais perante a procura, problemas sanitários e de salubridade, falta de transportes ou de infraestruturas públicas de resposta a uma tão grande concentração populacional, começa-se a ponderar a necessidade de direcionar medidas mitigadoras destes problemas. Em 1931 na Conferência Internacional de Atenas “O teórico italiano Gustavo Giovannoni foi o responsável pelas primeiras teorias integradoras de reabilitação, defendendo a preservação do tecido antigo de um ponto de vista integrado, pela sua morfologia e escala e valor artístico e histórico.” (Lemos, 2014: 26). Ora este constitui um novo paradigma no pensamento de transformação urbana, que viu na Carta de Atenas o reconhecimento da RU assim como de outras operações urbanísticas cada vez mais integradas nas diferentes dimensões que compõem a estrutura urbana. A II Guerra Mundial nas consequências que trouxe às cidades, que em muitos casos significou a sua destruição completa ou parcial, constituiu uma forma de evidenciar a necessidade de encontrar formas de valorizar o tecido urbano. Assim desde dessa altura a RU passou por algumas transformações conceptuais e modos de aplicação no território.

Nesse sentido é importante que se clarifique o conceito de Reabilitação Urbana (RU) e as caraterísticas que lhe estão subjacentes, tornando-se importante fazer a distinção com os demais processos urbanos: renovação, reestruturação, requalificação e regeneração. Uma vez que todos eles são modos de intervenção no espaço urbano no sentido da sua qualificação, importa destacar que a RU implica a reutilização dos

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elementos urbanos preexistentes. Enquanto renovação implica que o “(…) património urbanístico e/ou imobiliário é substituído, no seu todo ou em parte muito substancial” (DGOTDU, 2008: 65). A reestruturaçãotem objetivo de introduzir “(…) novos elementos estruturantes do aglomerado urbano” (DGOTDU, 2008: 62). A requalificação torna-se mais complexa uma vez que abrange, segundo a DGOTDU (2008: 67), operações de renovação, reestruturação ou reabilitação urbana de forma a recuperar espaços desqualificados, através de uma intervenção mais integrada “(...) em que a valorização ambiental e a melhoria do desempenho funcional do tecido urbano constituem objetivos primordiais da intervenção” (DGOTDU, 2008: 67). Por fim, o processo de regeneração urbana é tido como uma operação de renovação, reestruturação ou reabilitação urbana. Ou seja, sendo o processo “chapéu” de todos os outros, uma vez que na sua conceção teórica abrange um conjunto integrado de ações que procuram resolver problemas urbanos numa abordagem multidisciplinar no contexto local no âmbito económico, físico, social, ambiental e muitas vezes também cultural.

Assim, a Direção Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU) elabora em 2008 o documento «Proposta de projeto de decreto regulamentar que estabelece conceitos técnicos a utilizar nos instrumentos de gestão territorial» onde define RU como sendo:“(...)Uma intervenção sobre o tecido urbano existente em que o património urbanístico e imobiliário é mantido e modernizado, através de obras de beneficiação das infra-estruturas urbanas e de obras de reconstrução, alteração, conservação, construção ou ampliação de edifícios.” (DGOTDU, 2008: 60).

Porém, tratando-se este de um trabalho bastante alicerçado na legislação institucional referente a estas temáticas é relevante que se esclareça o parecer que o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU - DL 307/2009) define como sendo uma operação de RU: “A forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”

Legislação esta atualizada pelo DL n.º 32/2012, que atribui competência aos municípios no desenvolvimento de estratégias de RU. Assumindo-as “Como uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida

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em que nela convergem os objetivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna.” Ora, o quadro legislativo da temática assume a importância da RU na resposta á ausência de vitalidade do espaço físico edificado e nas vivências próprias da sociedade. Entendendo que são os municípios, o órgão de poder mais próximo da população e das problemáticas territoriais, a ter a responsabilidade de definição destas operações.

Esta definição estratégica pressupõe que o município delimite Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), podendo optar por dois tipos de operação de RU. A operação de reabilitação simples que apenas se dirige a reabilitar o edificado por parte dos privados, com o apoio coordenativo do município. Enquanto a operação de reabilitação sistemática além de pretender a reabilitação do edificado, entende que deve ter uma atuação mais integrada no território. E por isso deve pressupor a qualificação infraestrutural, de equipamentos e dos espaços verdes ou urbanos de utilização coletiva da ARU, tendo adjacente a intenção de revitalizar e qualificar o tecido urbano nas suas múltiplas dimensões sendo necessário um investimento público a direcionar a programas de investimento.

Por conseguinte, parece ser a operação sistemática de abordagem multidisciplinar no contexto local no âmbito físico, social, ambiental e até económico aquela que é mais desejável. Porém sabe-se que nem sempre estas as intenções de integração interventiva acontecem. Havendo inclusive em alguns casos uma maior desintegração territorial ou social, devido aos interesses economicistas de reabilitar para rentabilizar economicamente o investimento e tornar a urbe competitiva, sobrepondo-se este objetivo aos restantes pressupostos de desenvolvimento urbano. Ideia partilhada pelos teóricos Katz & Altman (2005) segundo Krueger & Buckingham (2012: 489) “(…) a recuperação de algumas cidades pode ser ligada a ideais de economia, o que vai tornar as cidades competitiva na nova "idade urbana" do século XXI é a sua competitividade, inclusão e sustentabilidade.”Continuando a ser notória a formulação do urbanismo sustentado na economia e nos mercados de investimento imobiliário que têm um papel central, baseado em “Visões e políticas de crescimento inteligente que refletem uma política ideológica baseada no mercado (Krueger & Gibbs, 2008) numa dependência do mercado para apoiar metas de sustentabilidade.” (Krueger & Buckingham, 2012: 489). Enquanto o

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desenvolvimento local e a justiça social são reportados para segundo plano, muitas vezes entendidos como subjacentes ao mercado e a todo o aproveitamento económico que se gera em torno destas intervenções, em vez de se interligar todas as preocupações urbanas num mesmo objetivo comum. Controvérsia muito fomentada pelo processo de globalização, que tem constituindo uma das “(…) causas da concentração urbana e do crescimento desigual urbano-rural, remetendo certamente para o estudo das preferências e estratégias dos diversos agentes económicos – em vez de assumir que elas resultam de forças estruturantes invisíveis (Harding, 2007) – e para a análise do impacto das politicas públicas em todo este processo nas dimensões económica e territorial.” (Vale, 2007: 6).

A maioria das intervenções deste género tem a tendência de incidir em bairros degradados e socialmente pobres numa tentativa de ajustar a política às preocupações da população. Já que o papel do município passa pela “(…) proximidade e impacto notável na vida diária da população residente para justificar essas ações, necessariamente, tendo em especial consideração a comunidade local nos processos de tomada de decisão.” (Gutiérrez, 2014: 2). Porém estas intervenções tidas como positivas, para muitos também podem constituir problemas, pois “ (…) com o aumento dos valores da terra, que pode ser positivo para os proprietários, porque as suas propriedades são valorizados, é um problema para os inquilinos que veem aumentar os preços de aluguer, o que induz processos de gentrificação.” (Neto et al, 2014: 105). Assim estes processos significam muitas vezes o aumento do valor das habitações, incomportável para as populações residentes, normalmente idosos com poucos recursos. Problema que Malheiros et al (2012: 101) destaca pela interpretação a Pacione (2001) como um processo de mudança sócio-espacial, onde a reabilitação de imóveis residenciais situados em bairros da classe trabalhadora ou de génese popular/tradicional, atrai a fixação de novos moradores relativamente endinheirados, levando ao desalojamento de ex-residentes que não podem mais pagar o aumento dos custos da habitação. Torna-se assim imperioso que as políticas públicas, no caso da definição estratégica da RU, a elaborar pelos municípios salvaguardem os interesses daqueles que residem nestas áreas, sem que para isso signifique a não execução destas intervenções.

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