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Durante a história diplomática do Brasil o tema da autonomia esteve sempre presente, no entanto, esta autonomia podia ser buscada de diferentes formas: seja pela dependência do país hegemônico, os Estados Unidos, seja pela distância ou pela participação. Diversos autores trabalharam com a temática da autonomia. Mesmo o americanismo ideologia conjugava com o alinhamento automático um desejo de autonomia. Assim, o americanismo caracterizava-se pela busca da autonomia através da dependência, já no globalismo de natureza hobbesiana essa busca se dava pelo distanciamento, ou seja, durante a Guerra Fria o Brasil reservava-se a uma distância qualificada do debate internacional e, portanto não se alinhava automaticamente com nenhum dos pólos apesar de conservar os valores ocidentais. A vertente grotiana, busca a autonomia através do multilateralismo, ou seja, da participação no sistema internacional.

Nos anos 90, uma série de fatores faz com que o Itamaraty reformule certos conceitos e busque novas formas de atuação internacional.

“Em que pese o fato de esta redefinição ter se produzido em função da chamada crise de paradigmas, quando um retorno ao americanismo não encontrou mais consenso e as novas condições internacionais não mais permitiram a volta ao

globalismo, manteve-se relativamente intacto o ‘desejo de autonomia’. Sua

satisfação, entretanto, deveria agora estar associada ao projeto de ajuste da economia à proposta neoliberal, que se traduziria nos objetivos do país de negociar sua adesão aos regimes internacionais em vigor com vistas a aumentar sua capacidade de acesso a recursos financeiros e tecnológicos em direção a um maior desenvolvimento. Nesse sentido, a estratégia para satisfazer o desejo de autonomia percebida como condição de acesso ao desenvolvimento não poderia mais ser pela distância, mas, conforme seus proponentes, pela participação, fazendo com que fosse resgatada do passado a concepção de Araújo Castro sobre a existência de normas no sistema internacional” (Pinheiro, 200 p. 314).

No entanto, mesmo que o componente realista das relações internacionais tenha sofrido abalos com o fim da Guerra Fria ele não foi totalmente extinto como concepção das relações internacionais. Desta forma, diferentes tipos de realismo vão se revezando no tempo para que este se adapte a realidade das relações vigentes entre as nações. Assim, à política externa brasileira, ao longo do tempo, pode ser atribuída uma forte conotação realista. Temos, portanto uma espécie de realismo liberal, este abriga tanto a visão

hobbesiana quanto grotiana das relações internacionais.

Letícia Pinheiro acredita que a melhor abordagem para explicar a política externa brasileira da atualidade é uma visão que encontra um meio termo entre o realismo

hobbesiano e o realismo grotiano, esta abordagem é chamada de institucionalismo

neoliberal. O “institucionalismo neoliberal busca explicar e, por vezes, instituir arranjos institucionais de cooperação entre os Estados que visam justamente reduzir os efeitos dessa anarquia” (Pinheiro, 2000 p. 317).

“Vemos assim que, sem chegar a negar algumas premissas básicas do realismo, como a visão do sistema internacional como anárquico, o princípio da auto-ajuda e a centralidade – embora não a exclusividade – do Estado nas relações internacionais, a atual política externa do Brasil reveste-se de uma visão que justifica e estimula a adesão aos regimes internacionais e às instituições que os incorporam como solução para os problemas de ação coletiva. E não são poucos os exemplos que ilustram essa tendência: adesão aos regimes de proteção aos direitos humanos e meio ambiente, não-proliferação nuclear, comércio, direitos das mulheres etc.” (Pinheiro, 2000 p. 321).

Com a mudança das condições do sistema internacional, tendo em vista a crescente interdependência entre as nações trazida principalmente pelo fim da Guerra Frio e da conseqüente polarização leste/oeste, foi necessário que o Brasil também modificasse sua forma de encarar o jogo político internacional. Assim o realismo de base hobbesiana não é mais suficiente para explicar os fenômenos internacionais, porém não completamente invalidado. Desta forma, as visões hobbesiana e grotiana se complementam e o Brasil pode

tender mais firmemente a uma ou a outra em diferentes situações. Como esses paradigmas isolados se tornaram, com o fim da Guerra Fria, insuficientes para resolver os problemas do mundo multipolar o Brasil busca resolver estes problemas conjugando-os. São estratégias distintas que são aplicadas a momentos diferentes, mas que também podem ser somadas constituindo assim uma espécie de terceiro viés.

A cooperação intra-regional é um exemplo disto, a visão grotiana traz em si uma idéia de cooperação pela justiça, no entanto, esta associação de países em desenvolvimento traz ganhos absolutos nos fóruns globais mesmo que regionalmente os ganhos sejam relativos. Portanto, o institucionalismo neoliberal pode mover-se do pólo hobbesiano ao pólo grotiano dependendo das circunstâncias.

A diplomacia brasileira apresenta-se tanto no âmbito regional quanto internacional baseada no discurso da cooperação, no entanto pode fazer-se valer de elementos do realismo hobbesiano para obter certas vantagens no jogo internacional, desta forma, o equilíbrio da balança de poder passa a ter preponderância. Assim, regionalmente, a lógica das ações é a busca de ganhos relativos.

No plano regional, a presença da vertente hobbesiana reflete-se na baixa institucionalidade e pouca durabilidade das instituições. Para Krasner, uma instituição é durável na medida em que suas normas e princípios resistem às mudanças das circunstâncias.

Pinheiro afirma que, ao mesmo tempo em que regionalmente há uma presença maior da vertente hobbesiana na atuação internacional brasileira, há uma resistência em se assumir o papel de hegemon, pois este implica custos. A cooperação entre nações muitas vezes é capitaneada por um líder e este deve estar disposto a absorver os custos inerentes à cooperação. Para a autora, a diplomacia brasileira tem evitado assumir este papel, mantendo seus interesses de curto prazo em primeiro plano, como conseqüência, a cooperação institucionalizada entre o Brasil e seus pares ficava prejudicada. A autora acredita que esta

seja a postura tomada pela diplomacia brasileira durante os anos noventa, como se sabe, em boa parte desta década o Brasil esteve sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Desta forma, podemos dizer que durante os governos Cardoso, apesar do Brasil não adotar uma postura de carona, beneficiando-se da cooperação sem arcar com os custos desta, o país também não assume a postura de hegemon. Age, portanto, tomando parte de arranjos regionais, porém sem maior aprofundamento da institucional para que uma maior liberdade de ação seja garantida. Para a autora, a política externa brasileira dos anos noventa baseia suas ações no institucionalismo pragmático, ou seja, acredita que o adensamento da presença internacional do Brasil trará desenvolvimento e autonomia.

Dito isso, nossa hipótese centra-se na idéia de que o governo Lula, diferente do que pôde ser verificado no governo FHC, está disposto a assumir seu papel de hegemon, não só regionalmente, mas também em foros maiores onde o país assume uma postura de liderança frente aos países em desenvolvimento. Acredita-se, no entanto, que existem muitas continuidades entre a política externa dos anos de Fernando Henrique Cardoso e do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Capítulo III