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2 REVISÃO DE LITERATURA

4.2 Realismo Crítico

O realismo crítico tem se constituído como referência na produção de conhecimentos de diversas áreas, com forte presença no campo das ciências econômicas, avaliação de políticas, educação e saúde(92, 98, 99,100,101,102), sendo Rom Harré e Roy Bhaskar mencionados como dois dos autores mais influentes(103, 104).

O realismo crítico surge a partir da perspectiva teórica do realismo, buscando dar respostas às questões ontológicas e epistemológicas, capazes de superar as limitações do realismo tradicional e criticar posturas do relativismo do pensamento pós-moderno. Assume como princípio central a ideia de que o mundo existe independente do pensamento ou vontade do pesquisador, negando a noção de mundo ou do conhecimento, como produto social, criticando, de forma enfática, o relativismo e buscando a separação do mundo e do discurso científico(104).

Apresenta-se, também, como uma boa alternativa, articulado ao Construcionismo Social crítico, como epistemologia, por criticar as perspectivas extremas, tanto do realismo quanto do relativismo. Considera a existência do mundo real, com dimensões que são independentes da vontade da ação humana, mas também reconhece a construção histórica, defendida pelo construcionismo social, como parte dessa realidade e importantes para a pesquisa e construção do conhecimento. O realismo crítico não nega que a prática social e suas inter-relações são importantes para entender as dimensões do mundo real em que os fenômenos são construídos, justificando, assim, a articulação entre realismo crítico e construcionismo social(100, 101).

A obra de Bhaskar traz que a realidade é composta de três dimensões: a empírica, atual e real. A empírica seria o mundo que é visto através dos sentidos e as impressões sobre este. A atual seria o que ocorre em outras dimensões, podendo ser fenômenos percebidos, não percebidos, mas perceptíveis e não perceptíveis. O mundo real seria as estruturas, poderes, mecanismos e tendências(105), entendendo

a realidade como um sistema complexo e seus fenômenos como o resultado das articulações entre os níveis desta realidade, sendo importante considerar como um sistema aberto(99, 106).

Assim, o objeto de investigação científica é algo real e o conhecimento, pensamento e reflexão sobre a realidade são partes da totalidade desenvolvidas no processo histórico. Os realistas críticos argumentam a favor da separação do pensamento e do objeto, bem como a prática e estrutura, e que a compreensão do processo de conhecimento é entendida como uma prática social. Na realidade, que é multidimensional, sua estrutura tem propriedades únicas que são independentes dos pontos de vista sobre o mesmo, sendo a abordagem científica um exercício para a compreensão destas estruturas, suas propriedades e suas inter-relações(107)

Neste sentido, e com o objetivo de estabelecer diferenças entre a discussão ontológica e epistemológica, o realismo crítico na figura de Bhaskar, desenvolveu a ideia de mundo transitivo e intransitivo.

Os objetos intransitivos do conhecimento são em geral invariantes ao nosso conhecimento sobre deles, pois eles são as coisas reais e as estruturas, mecanismos e processos, eventos e possibilidades do mundo, e na maioria das vezes eles são independente de nós... Eles são os intransitivos, independente de ciência, objetos da descoberta científica e da investigação(107).

Tal entendimento evidencia a ideia de estratificação do mundo, em um sistema que é aberto e com fortes inter-relações, o que implica em uma discussão sobre a inferência. Assim, a partir da perspectiva do realismo crítico, não é adequado apenas buscar a dedução ou a realização de testes sobre os acontecimentos, mas também procurar explicar os mecanismos e estruturas que determinam a existência do evento. Pensar sobre a realidade com base em uma perspectiva estratificada envolve a compreensão de que a mera relação de causa e efeito não pode explicar os acontecimentos. Alguns eventos ocorrem como resultado da articulação dos outros, que podem ser de outras dimensões. Dessa forma, a ciência deve tentar explicar os elementos de um evento, em suas múltiplas dimensões(105, 107).

Sobre a inferência, a dedução, que elabora conclusões sobre um fenômeno individual a partir de leis gerais, permitindo testar hipóteses numa perspectiva hipotético-dedutiva, é criticada por desconsiderar o contexto no qual os fenômenos são produzidos. A indução, por sua vez, que a partir de estudo de pequenos grupos, projetam os resultados para uma população maior, fazendo comparações por meio de análise estatística, recebe críticas pela possibilidade de estabelecer conclusões enganosas e pelo fato da impossibilidade de obtenção de algum conhecimento pela perspectiva indutiva(108, 109)

Assim, a retrodução é defendida pelo realismo crítico, pelo interesse em saber como determinado fenômeno permite o aparecimento de outros, ao invés de apenas compreender as relações entre os mesmos. Na defesa de Bhaskar, a retrodução vai além da mera descrição e avança para a reconstrução das condições exigidas para este fenômeno, para ser configurado como tal(108).

A teoria do realismo crítico de Bhaskar também traz a discussão de mecanismos gerativos, como uma forma de superar o olhar sobre os acontecimentos ou fenômenos isolados. Esses mecanismos podem ou não gerar outros eventos ou fenômenos, sendo classificados de geradora ou latente, e estariam no domínio do real, podendo ou não ser observadas pelo domínio empírico(100).

A partir da compreensão dos mecanismos generativos, a retrodução está centrada em torno dos mecanismos de todos os domínios que estão envolvidos no aparecimento de um fenómeno, abandonando a tendência de medição isolada ou de observação e descrição das experiências, para uma perspectiva de compreensão mais completa, porém inacabado e passível à mudança(103). Portanto, é mais apropriado pensar em termos de tendências que são produzidos por mecanismos causais subjacentes, do que em termos de generalizações empíricas(103, 110).

Nessa perspectiva, o realismo crítico opta por rejeitar a polarização entre as ideias radicais do positivismo e do relativismo, entre a estrutura social quantitativa e qualitativa da ação humana, preferindo entender que num mundo que é real, é mais coerente o olhar multidimensional, permitindo a articulação de todos estes aspectos, para permitir o seu conhecimento(111).

Nessa perspectiva, apoiar-se no realismo crítico, para o desenvolvimento da pesquisa, justifica-se pela necessidade de compreender a realidade para além das explicações das relações causais, a partir do exercício da crítica, reconhecendo os aspectos objetivos e subjetivos da realidade, nas diversas dimensões de um sistema aberto.