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2. A REPRESENTAÇÃO DO LOUCO E DA LOUCURA NAS IMAGENS DE QUATRO FOTÓGRAFOS BRASILEIROS DO SÉCULO

2.1 Alice Brill Alice Brill fotografou o Hospital do Juquery no ano de 1950.

2.1.1. A realização e a história das imagens

No ano de 1950, Alice Brill, fotógrafa e artista plástica alemã naturalizada brasileira, residente então em São Paulo, foi convidada pela amiga Maria Leontina Franco 1917-1984) a fotografar o Ateliê Livre de Artes do Hospital Psiquiátrico do Juquery. Maria Leontina era então uma artista, próxima a Alice Brill por frequentarem juntas o grupo Santa Helena, com intensa circulação entre o grupo modernista. Havia frenquentado a ateliê de Waldemar da Costa na década de 40 e desenvolvido uma produção em dialogo com os trabalhos de Flávio de Carvalho e Iberê Camargo.

Maria Leontina era colaboradora no Ateliê Livre de Artes Plásticas como monitora voluntária e havia solicitado a Mário Yahn, médico psiquiatra que participou da implementação do Ateliê, permissão para a realização das imagens. Segundo Juljan Czapski (Cf. CZAPSKI. Entrevista, 2008) o convite a Alice Brill adveio também do fato desta ter realizado, na época, fotografias para a revista Habitat, na qual foram publicados dois foto-ensaios seus. A idéia era publicar também ali, se possivel, o material sobre o Juquery.

A publicação da Revista Habitat teve início em 1950, coordenada então por Lina Bo Bardi e editada pelo Museu de Arte de São Paulo. Embora a reportagem solicitada por Maria Leontina, e assinada por Alice, não tenha ido a público, muitas outras dedicadas ao Hospital do Juquery foram ali impressas, como Pintores sem saber do Dr. Mario Yahn; Psiquiatria e pintura do Dr. Edu Machado Gomes; Arte ingênua de José Geraldo Vieira; A escola de Juquery e Escola livre de artes plásticas do Juquery sem autores identificados. Estas reportagens abordam temas como: descrições médicas dos sujeitos (por Mario Yahn); identificação de elementos plásticos tidos como ingênuos, fauves ou mesmo barrocos; comparação explícita entre os aspectos “loucos” e “normais” das composições; soluções compositivas das obras dos internos comparadas às de artistas modernos da época. Além destes, carregam também inúmeras caracterizações sociais atribuídas aos internos no período. No artigo Escola livre de artes Plásticas do Juquerí, de autoria desconhecida, encontra-se a adjetivação dos “loucos” como possuidores de tiques, fugas, manias e delírios, possuidores de percepções do mundo plenas de devaneios, com temperamentos a

serem submetidos a um lenitivo ou a uma harmonização.

De qualquer forma, Alice foi convidada por uma amiga modernista, com a qual possuía uma relação mais ampla do que a de um fotógrafo com alguém que simplesmente lhe encomenda uma obra. Por outro lado, não podemos esquecer que Maria Leontina aparentemente também pensava em fazer circular essas imagens através da Habitat. E que Alice Brill aceitou o convite, de certa forma, como uma encomenda, uma reportagem que provavelmente não teria realizado por iniciativa própria.

O trabalho de Alice é considerado hoje uma reportagem, uma fotorreportagem. Antonio Fernando de Franceschi comenta o fato dizendo que aquela “[...] foi uma das primeiras fotorreportagens da carreira da alemã Alice Brill [...]. Foi também a primeira cobertura fotográfica das atividades da escola Livre de Artes Plásticas do Juquery” (FREUD 150 ANOS, 2006:08). Juljan, por sua vez, afirma que a motivação das imagens se deu sem maiores envolvimentos, que foi “[...] um trabalho profissional, uma reportagem fotográfica. Era este o mote, foi feita de uma maneira independente das pessoas [...] mas não foi um envolvimento emocional nem nada” (Cf. CZAPSKI. Entrevista, 2008), embora houvesse no decorrer do processo o desencadear de algumas dinâmicas, como interesse e curiosidade. Segundo Juljan, Alice “[...] achava interessante como o pessoal desenhava e como pintava, os trabalhos em exposição nas paredes do Ateliê. Alguns dos doentes chegavam e explicavam os quadros. Estas coisas ela achava interessante [...]” e num outro momento ele reforça a descrição desse interesse dizendo que as “[...] fotos foram feitas como curiosidade, a Alice achou curioso – tem mais umas duas ou três daquele pessoal que ficava catatônico numa posição qualquer estranha durante horas, então ela achou isto curioso e fotografou” (Cf. CZAPSKI. Entrevista, 2008).

Foi assim que, no ano de 1950, Alice realizou as imagens com autorização dos médicos psiquiatras que trabalhavam no Juquery, Mario Yahn e Osório César. Ela ficou no Hospital por cerca de três dias, segundo declaração de Juljan Czapski, seu esposo, que na época acompanhou-a na função de auxiliar de fotografia, como ele mesmo se caracterizou em entrevista. A movimentação de Alice pelo Hospital foi irrestrita.

Alice estava grávida de sua primeira filha e, neste sentido, Czapski recorda de diversos conselhos contrários à ida dela a um Hospital de pacientes psiquiátricos. Ele conta

que “[...] tinha gente que dizia não, não pode entrar, não pode fazer fotografia, porque eles podem influenciar o neném [...]” (Cf. CZAPSKI. Entrevista, 2008), com a ideia de que os internos, de alguma forma, poderiam representar uma ameaça ou constituir um sério risco.

Alice Brill realizou ao todo 40 imagens no Hospital Psiquiátrico do Juquery. Destas, 11 retratam os trabalhos plásticos realizados pelos internos e 29 se referem aos ambientes de convívio e/ou aos internos, propriamente. Destas, estão aqui reproduzidas todas aquelas nas quais aparece a figura humana, um conjunto de 18 imagens. Assim, praticamente metade do material captado pela artista foi dedicado à representação dos internos e 62% do total de imagens não dedicadas aos seus trabalhos plásticos, o que evidencia interesse evidente da fotógrafa pelo tema.

As imagens não foram publicadas logo após o término do trabalho, nem mesmo, como já dissemos, na revista Habitat na qual Alice trabalhava e onde já havia publicado dois de seus ensaios. As imagens do Juquery, bem como todo o acervo fotográfico de Alice Brill, foram posteriormente negociadas junto ao Instituto Moreira Sales (IMS), que hoje detém e controla o direito de uso desse material, no ano de 2000.

Dentre as 40 imagens, 21 foram exibidas na exposição Arte e Inconsciente: Três Visões sobre o Juquery, resultado de uma parceria entre o IMS e a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, sendo três delas veiculadas no catálogo1. Primeiramente, a exposição foi montada no IMS/SP, de 28 de Agosto a 18 de Dezembro de 2002 e, concomitantemente, na Galeria IMS/ Unibanco Arteplex, de 30 de Agosto a 19 de Novembro de 2002. Posteriormente, a mostra foi levada para Minas Gerais, no IMS/BH, de 7 de Agosto a 5 de outubro de 2003. No mês seguinte, seguiu para o Rio de Janeiro, no IMS/RJ, onde permaneceu de 11 de Novembro de 2003 a 29 de Fevereiro de 2004.

No acervo da mostra constaram fotografias de Alice Brill, desenhos de Lasar Segall e trabalhos realizados pelos internos do Juquery na ocasião da reportagem fotográfica de Brill, em 1950, cedidos pelo Museu Osório César. O catálogo da exposição, com textos de Antonio Fernando De Franceschi e Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz, traz a seguinte declaração de De Franceschi:

Na seleção dos trabalhos dos internos (pinturas, gravuras e desenhos)

1

procurou-se, tanto quanto possível, reunir a produção daquele momento dos pacientes retratados por Alice Brill e de outros alunos que - mesmo ausentes dos registros da fotógrafa – freqüentaram o Atelier na mesma ocasião [...] (FREUD 150 ANOS, 2006:09)