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1. ORIGENS: HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO DO LOUCO E DA LOUCURA

1.3 A instituição psiquiátrica brasileira e a reforma psiquiátrica

1.3.3 A Reforma Psiquiátrica Brasileira

Embora se implemente em 1964 a ditadura militar no Brasil, a tensão por mudanças se mantém em alguns locais e através da ação de algumas instituições e cidadãos durante muitos anos. Entres estas ações está a criação do Hospital Philippe Pinel, em substituição ao Hospital de Neurossífilis. No ano de 1968, Oswaldo Santos e Wilson Simplício transformam a seção Olavo Rocha, do Centro Psiquiátrico Pedro II, em Comunidade Terapêutica, modelo que seria experimentado por Eustáchio Portela, no Instituto Philippe Pinel.

A reforma psiquiátrica brasileira se pautou basicamente nos mesmos pressupostos da reforma europeia e nos questionamentos propostos por Cooper e Laing tendo sido importante a influência do movimento democrático italiano.

Ela se relacionou ao esforço por desinstitucionalizar a loucura e criar uma rede de atenção à saúde que substituísse o modelo hospitalocêntrico. A reforma psiquiátrica brasileira é entendida como

sociais e culturais, tendo como referência a desinstitucionalização que ocorreu em fins da década de 1970 e início da seguinte, paralelamente ao movimento de abertura política e de redemocratização do país (ALVARENGA, 2007).

As discussões frente à desinstitucionalização psiquiátrica no Brasil começou a partir da década de 70, propondo-se a mudança do tratamento psiquiátrico, baseado na internação hospitalar para alternativas de atendimento na comunidade. Porém, o que de fato aconteceu foi uma diminuição mais acelerada dos leitos psiquiátricos públicos em comparação com os privados, não havendo uma correspondente implantação de serviços alternativos na comunidade e nem um aumento significativo de unidades psiquiátricas em hospitais gerais para suprir a demanda. Os pacientes dos hospitais públicos não passaram a ser atendidos nos centros comunitários e sim transferidos para clínicas conveniadas, num processo de transinstitucionalização.

Uma das primeiras iniciativas que demonstravam, no âmbito médico, um descontentamento frente ao sistema hospitalar psiquiátrico, foi a criação em 1978 do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM).

A Reforma Psiquiátrica na década de 70, através do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, embasada na proposta de Basaglia, defendia ‘pressupostos básicos que incluíssem um processo de desconstrução-invenção no âmbito das tecnociências, das ideologias e da função dos técnicos e intelectuais’ (JORGE, 2000:28).

No final da década de 80 no Brasil, inauguram-se iniciativas que instrumentalizaram a reforma psiquiátrica no país. Foi um período no qual se percebeu a ineficiência do atendimento dado aos pacientes psiquiátricos, sendo a grande maioria dos leitos psiquiátricos privados ou filantrópicos.

No âmbito artístico foi retomado o movimento de identificação no interno como um sujeito capaz de interagir, com conteúdos a comunicar. Em 1981 aconteceu a exposição Arte Incomum dentro da XVI° Bienal de São Paulo. Em 1985 houve a fundação do Museu Osório César em 1985, dentro do Complexo Hospitalar do Juquery. Três anos mais tarde foi realizada a exposição dos trabalhos de Ignácio, Os Cavalos de Octávio Ignácio, no XII Congresso Internacional de Psicopatologia da Expressão, no Copacabana Palace, Rio de

Janeiro, acompanhada do curso O Mundo das Imagens em audiovisuais. Neste período é também possível identificar uma mudança em relação aos locais de exposições dos trabalhos plásticos de pacientes psiquiátricos (GONÇALVES, 2004), que passaram de veiculados em congressos de psiquiatria e hospitais psiquiátricos, para museus, galerias de arte e exposições bienais evidenciando um novo reconhecimento destas produções. Por outro lado, os trabalhos passaram a advir de uma gama mais variada de locais75 explicitando a descentralização dos serviços de atendimento.

O apoio da crítica de arte, que de alguma forma teve o papel de legitimar tais produções através de novos critérios de análise, a consolidação de poéticas pessoais dentro do circuito artístico76 e a atenção sobre estas produções por artistas da arte formal; possibilitam a relativização de ideias estereotipadas de loucura como atreladas à patologia e anormalidade. Neste sentido,

[...] as atividades artísticas passam a ser instrumentos de participação, promovem aprendizagem, permitem o crescimento pessoal, criam acontecimentos e favorecem a inclusão sócio-cultural de pessoas atendidas. Estão presentes nos trabalhos atuais que ocorrem no campo da reabilitação e, participam do conjunto de estratégias para recuperar a subjetividade, construir projetos de vida, reconstruir a autonomia e a cidadania de pacientes. Nesse campo encontramos diversas produções artísticas que revelam a potência da arte como instrumento de emancipação dos sujeitos” (CASTRO:4)

Com o final do período ditatorial, novas mobilizações e organizações da sociedade civil se viabilizam e confluíram para a efetiva constituição do movimento da luta antimanicomial em 1987. Este visou consolidar redes de relações — não apenas se constituindo através da incorporação de lideranças do movimento aos sistemas governamentais, mas buscando apoio em outros movimentos sociais populares e o apoio da sociedade civil — e questionar a existência do hospital psiquiátrico como recurso de assistência “[...] adotando a experiência de desinstitucionalização italiana como inspiração” (RODRIGUES, 2007:342).

No ano de 1987 aconteceu a I Conferência Nacional de Saúde Mental, que

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Até 64 eram produzidos em grandes hospitais, a partir de 1986 são advindos de outros programas de saúde mental, como o do Departamento de Medicina Preventiva da USP em São Paulo e do Serviço de saúde Dr. Cândido Ferreira em Campinas

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propôs novas orientações gerais à condução do tratamento psiquiátrico nacional: reversão da tendência hospitalocêntrica e psiquiatrocêntrica, priorização do sistema extra-hospitalar e multiprofissional, não credenciamento de leitos hospitalares em hospitais psiquiátricos tradicionais, redução progressiva dos leitos psiquiátricos existentes, proibição da construção de novos hospitais psiquiátricos, implantação de recursos assistenciais alternativos, recuperação de pacientes crônicos em serviços extra-hospitalares, emergência psiquiátrica funcionando em emergências de hospitais gerais. Nesta conferência foi também proposta a retirada da internação psiquiátrica como ato obrigatório do tratamento psiquiátrico, direito do paciente acessar seu prontuário médico, direito do paciente escolher o tipo de tratamento e terapeuta e garantias legais contra internações involuntárias.

Sobre estas mudanças Jardim comenta que a cidade de São Paulo

[...] tem gradativamente substituído grandes hospitais por redes para atender pacientes em seu retorno à convivência social, em tratamentos alternativos como o hospital dia ou o hospital-noite, nos quais o doente passa parte de sua vida junto à família. Na maior parte dos hospitais estatais, celas fortes, eletrochoques e injeções ‘sossega-leão’ foram substituídos por terapias ocupacionais e alojamentos[...] (JARDIM, 2003:29)

É neste ano que passaram a ser implementados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS). Este movimento estadual é coincidente com um movimento nacional de atenção à população com sofrimento mental.

No Brasil do final dos anos 1980, o processo de redemocratização, as pressões dos movimentos sociais associadas à luta pelos direitos humanos levaram à construção da Reforma Psiquiátrica, que obteve sucesso na consolidação de uma nova Política de Saúde Mental que tem como principais características: a redução de leitos e o maior controle sobre os hospitais psiquiátricos; a criação de rede de serviços substitutivos; a aprovação de nova legislação em saúde mental – a Lei no. 10.216, de 6 de abril de 2001 – e a criação de dispositivos de apoio aos processos de desinstitucionalização, além da introdução da saúde mental na pauta de prioridades da educação permanente para o Sistema Único de Saúde (SUS) (LOUGON, 2006)

Ações de intervenção em hospitais também aconteceram neste período embora a diminuição dos leitos psiquiátricos não tenha sido acompanhada pela construção suficiente de centros alternativos para o tratamento de indivíduos com problemas mentais.

Em 1990 eventos internacionais contribuem para a formalização da reforma brasileira. É neste ano que a OMS (Organização Mundial de Saúde) reúne diversas entidades, juristas e parlamentares da América Latina, USA e Espanha para discutir a atenção à saúde mental. O resultado destas discussões foi a elaboração da Declaração de Caracas que passou a nortear as políticas de Saúde Mental em diversos países.

Considerações

A construção dos primeiros Hospitais Psiquiátricos brasileiros, no decorrer do século XIX, teve por objetivo dar aos doentes mentais melhores condições de tratamento. Antes desta data, eram abandonados, trancafiados em suas casas ou expostos a maus tratos.

Deste seu início, a instituição asilar se apresentou como local de exclusão e de confinamento, com o intuito de segregar do convívio social os sujeitos que de alguma forma eram questionadores de uma ordem. Com as teorias higienistas do começo do século XX o movimento de internação se acelerou em função, inclusive, da constituição das cidades brasileiras que demandaram um policiamento ainda maior da sociedade civil. A categoria da loucura passou a conter todo o tipo de desvio, constituindo-se de forma muito frouxa no tecido social. A caracterização desta loucura se definia em função do desejo de normalidade não questionadora da ordem. O caráter patológico da loucura se misturou com essa necessidade de controle e a fala médica/científica se fez presente no tecido social brasileiro.

Os períodos ditatoriais brasileiros refletiram num esmorecimento das críticas e discussões acerca do tratamento psiquiátrico e da alteridade. É possível identificar que estas movimentações aconteceram em momentos de abertura, como ao redor da década de 50 e depois de 1985. No primeiro destes períodos é possível perceber que embora exista oficialmente uma conduta médica/psiquiátrica convencional na maioria dos hospitais do país, em alguns centros há uma alteração deste olhar, que é auxiliado por discussões no campo da arte e pelas discussões postas no período do pós-guerra. No segundo período, em função da reforma psiquiátrica em franco desenvolvimento em diversos países do mundo, houve a possibilidade de alterações mais profundas em relação à Instituição psiquiátrica.

2. A REPRESENTAÇÃO DO LOUCO E DA LOUCURA NAS IMAGENS DE