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2. CORPO HUMANO: ESTRUTURA ORGÂNICA PROPOSITORA DE AÇÕES

2.3 O RECONHECIMENTO DO CORPO QUE SE MOVE: COMO O CORPO SE

O ator e professor Jean Benedetti (1998, p.2), referindo-se ao Método das Ações Físicas, cita o encenador russo Constantin Stanislávski, ao dizer que “na vida agimos por

necessidade humana”, indicando que os atores têm necessidades e intenções, as quais desempenham por meio de ações. Portanto, deverá haver justificativas para cada ação, gesto ou movimento a ser realizado por um corpo. E o ato de congregar estruturas para gerar o movimento dependerá da motivação, do desejo, da real necessidade que leva um organismo a empreender ações.

Em um corpo humano que se movimenta, as estruturas corporais são conectadas pelos neurônios, células base no funcionamento do sistema nervoso, que operam interligando a base central de controle, o encéfalo, no crânio, com os demais órgãos como os músculos, ao coordenar as ações destes sobre os ossos, compreendendo o complexo sistema motor que realiza o movimento.

O sistema nervoso é parte do sistema motor, sendo anatomicamente dividido em sistema nervoso central compreendido pela medula espinhal, dentro da coluna vertebral e pelo encéfalo, alocado dentro do crânio; e em sistema nervoso periférico que contém nervos com a função de levar informações do central para as extremidades e vice-versa (MACHADO, 2005).

Figura 10: Estruturas do Encéfalo (Visão Medial)

Fonte: Kolb (2002, p.42)

O encéfalo é composto por cérebro, cerebelo e tronco encefálico. O cérebro, por sua vez, é formado por duas outras regiões conhecidas como telencéfalo e diencéfalo. Este último contém o tálamo, o hipotálamo, o epitálamo e o subtálamo. Já o telencéfalo em áreas

conhecidas como lobos. Assim, tem-se o lobo frontal, na região anterior do crânio, responsável por controlar o movimento e o comportamento, o lobo temporal, próximo ao pavilhão auditivo, responsável pela audição e pela memória, o lobo parietal, no topo do crânio, que controla a sensibilidade geral do corpo (tato, vibração, dor, temperatura, propriocepção) e o lobo occipital, na parte posterior, que coordena a visão. Além destes, existe ainda um grupo de estruturas entre o telencéfalo e o diencéfalo com capacidade de gerenciar as emoções, o lobo límbico, atualmente considerado como sistema límbico (Figuras 10 e 11).

Figura 11: Estruturas do Sistema Límbico

Fonte: Kolb (2002, p58)

Dentro do percurso desta pesquisa, há de se supor que o lobo frontal terá suma importância por ser responsável direto pelo controle do movimento e do comportamento humano além da motivação e da concentração, bem como as regiões límbicas que controlam as emoções. No entanto, todos os lobos estabelecem conexões no sistema nervoso central e, por meio dos neurônios, encaminham informações que comandam os movimentos e o funcionamento geral do corpo humano, uma vez que a integração funcional dos lobos permite acionar as funções mentais superiores como atenção, cognição e percepção, necessárias a realização das atividades corporais.

Assim, ao realizar uma atividade, por mais simples que seja como virar a página de um livro, uma intensa ordenação de informações será gerada até a ação ser completamente

realizada, desde a inicial vontade até a execução final da ação. O movimento é gerido pela atuação coordenada e conjugada das regiões periféricas do corpo, ossos, músculos e órgãos dos sentidos em associação com a medula espinhal, o cérebro, o tronco encefálico e o cerebelo. No entanto, a vontade, o desejo, a necessidade de se mover é o que justifica realizar uma atividade.

Assim, a motivação surge como um importante elemento disparador dos movimentos. O ser humano, por um processo de tomada de decisão, inicia a seqüência da ativação neural na parte anterior do lobo frontal, onde regiões de controle motor formulam o plano que comandará os movimentos necessários para pegar o objeto. Os neurônios motores, por meio da medula espinal, levam a mensagem até os músculos das extremidades como mãos e pés, finalizam a execução do ato de mover; ou seja, o controle é pensado e mediado pelo próprio indivíduo e poderia ser reconhecido antes de ser realizado.

Nesta perspectiva, o lobo límbico, como controlador das emoções, talvez até se antecipe a todo este campo estratégico por ativar a percepção e integrar sensações reconhecidas pelo indivíduo, pois, como dito anteriormente, a necessidade e/ou vontade de realizar o movimento, a motivação, é que leva o ser a desempenhar toda esta cascata de informações acionando diversas estruturas pelo corpo simultaneamente (KOLB, 2002).

Não se argúi que seja necessário ao ator a compreensão científica de todo esse complexo sistema; apenas considera-se que isto possa ajudar no desenvolvimento das ações físicas, especialmente no método a que estamos nos referindo. Note-se que as circunstâncias propostas suscitam ao ator a possibilidade de pensar em diversos mecanismos e porções corporais que devem ser acionados para promover ações físicas. A proposta ora abordada tem o intuito de aguçar a consciência corporal do ator quanto ao conhecimento da estrutura orgânica, estimulando-o a perceber, analisar e responder corporalmente. A ideia é que o ator possa desenvolver estratégias de maneira sequenciada, ao menos em seu processo de preparação, com qual ou quais partes do corpo deveriam realmente ser utilizadas nas ações.

Esta conexão entre corpo e movimento é mediada por estruturas do sistema nervoso como o chamado sistema límbico, que interpreta os sinais sensoriais que chegam ao encéfalo, e transforma-os em emoções; estas são reproduzidas no organismo sob a forma de movimentos corporais, ações musculares, ações físicas no âmbito teatral, que expressam o discurso da encenação por meio da comunicação não verbal (LENT, 2004).

Dentro do pressuposto de que o comportamento modula os movimentos corporais, Benedetti (2008, p.36) sugere que o grande mestre do Teatro, Constantin Stanislávski, teve importantes colaborações no processo de construção do Método das Ações Físicas,

destacando as do psicólogo francês Théodule Ribot que trouxe conceitos como o papel da vontade, levando a crer que a vontade, a razão sobre o que se deseja realizar, determina a ação a ser executada. O encenador russo sempre aponta que não é possível representar sentimentos e emoções, mas sim demonstrá-los por meio das ações físicas. Assim, é possível pressupor que a motivação funciona como propositora ou ao menos justificativa para realizar a ação física.

Além disso, o autor ainda faz referência a Emoções e Memória Afetiva, ao dizer que o sistema nervoso carrega traços de antigas experiências que podem ser rememoradas a qualquer momento mediante um estímulo, como um toque, um cheiro, um som, podendo desencadear a memória e, deste modo, recriar eventos passados. A memória também pode surgir como efeito motivacional que leve o corpo a se movimentar de acordo com a circunstância em que o indivíduo estiver envolvido (BENEDETTI, 2008).

Nesta perspectiva, acredita-se ser possível sugerir ao ator construir o espectro de ações físicas a serem desempenhadas em cena ao se antecipar aos acontecimentos que se sucedem nas circunstâncias propostas e, baseadas nesta motivação e no conhecimento dos estados de corpo nestas emoções, adaptar movimentos, e ajustar a estrutura humana e o seu comportamento, diante da situação vigente, para exprimir as sensações e emoções.

Ao compreender quais partes corporais precisam ser utilizadas para a realização de um movimento, o ator pode minimizar os excessos ou sobrecargas sofridas por uma ou outra estrutura que muitas vezes limita a expressão real do que se quer dizer.

Devido à constante necessidade de ser e estar, sentir e perceber, atentar e atuar, normalmente exigida aos atores, é importante neste momento, estabelecer contato com o termo sensopercepção que provém da relação entre todas as estruturas que permitem ao indivíduo analisar o mundo ao seu redor, como os órgãos dos sentidos (tato, visão, audição, olfato, paladar) intimamente ligados às estruturas do sistema nervoso. Ao mesmo tempo, pode-se relacionar com esse mundo, receber informações exteriores, estabelecer pensamentos sobre o que chegou a ele, e então retransmitir as informações processadas pelo cérebro como respostas, que serão expressas através do corpo.

A sensopercepção é entendida como o processo que integra as funções sensoriais e perceptivas. A sensação é o elemento primário da sensopercepção sendo definida como uma reação física imediata a um estímulo externo captada pelos órgãos dos sentidos. A percepção, por sua vez, é caracterizada como o processo pelo qual os indivíduos organizam, interpretam e dão significado as suas impressões sensoriais, com a finalidade de dar sentido ao seu

ambiente; esse processo psicológico integra as sensações, o que propicia a composição e possível emissão de um discurso corporal (EYSENCK, 2007).

Acredita-se que o ator, ao conceber, perceber e analisar suas ações pode verificar que elas se estruturam por meio de impressões que capta do meio, e do modo como estas se organizam em seu próprio organismo e como são modificadas pela percepção de si mesmo e das exigências do meio; isso permite reorganizar estas ações e adequá-las ao ambiente.

Esse fluxo informacional que ocorre no corpo poderia ser chamado de ação e reação, de entrar e sair, de ir e vir de informações, ao que hoje em dia a neurociência visa chamar de Inputs ao grupo de informações que chega até o sistema nervoso do ser humano; nele estas informações serão processadas e sairão sob a forma de Outputs gerados e colocados ao meio externo ou transformados em novas informações (DAMÁSIO, 2000).

Os próximos capítulos apresentam uma breve perspectiva histórica de autores, atores e encenadores que discutem noções de corpo por meio dos seus métodos e técnicas em direção ao método de composição das ações físicas. Ao final da pesquisa, a discussão será norteada pela reflexão sobre um trabalho prático, em que a abordagem destes conteúdos, por meio de técnicas corporais e discussões temáticas, oportunizou aos atores envolvidos inserirem-se nos questionamentos e direcionamentos aqui desenvolvidos.