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O aprofundamento do estudo proposto nesta dissertação sobre as práticas educacionais para surdos, que se configurem em inovação social, requer

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problematizar o tema do reconhecimento, na medida em que é também pauta deste trabalho o enfrentamento dos estigmas e preconceitos.

O trabalho desenvolvido por Silva (2008) nos mostra que outra grande preocupação da comunidade surda é com o ensino da língua oficial do país, a língua portuguesa, que na Política de Educação de Surdos de Santa Catarina enfatiza seu ensino como uma segunda língua em sua modalidade escrita. Apesar do recente reconhecimento ainda são incipientes as pesquisas sobre como acontece tal processo de ensino-aprendizagem com concepções de ensino de segunda língua que sejam diferenciadas das pesquisas de aquisição de línguas orais-auditivas.

De acordo com Andreis-Witkoski (2011, p. 04), há uma confirmação de que a escola continua produzindo e reproduzindo práticas induzentes à condição de iletrados-funcionais, sendo o que a maioria dos surdos brasileiros alcança, mesmo depois de permanecerem anos nos bancos escolares. Entre os fatores que conduzem a esse resultado, a análise dos dados empíricos, conforme Andreis-Witkoski (2011, p. 07) aponta para o preconceito contra os alunos surdos, que os estigmatiza como deficientes e sem condições efetivas de desenvolvimento semelhante aos ouvintes, bem como a não formação ou formação deficitária dos professores, com as tentativas de normalização do surdo à cultura hegemônica, que repercutem, negativamente, na sua formação identitária e no seu sentimento de pertença, associado ao reconhecimento da legitimidade dos direitos especiais alcançados, recentemente, na sociedade brasileira, tendo em vista a reparação dos obstáculos sociais e estruturais que a sociedade preserva, não obstante a excludência que ela expresse.

Trata-se, portanto, de abordar o tema dos direitos dos surdos do ponto de vista democrático, pois se os sujeitos não se constituírem como atores políticos protagonistas, certamente não serão considerados na elaboração dos princípios e ações, salvo de maneira derivada ou em estágio posterior. Se a garantia dos direitos especiais alcançou a legitimidade política e filosófica como expressão da própria justiça, igualdade e liberdade, vale ressaltar que este estágio se modifica hoje, ao se expandir para além do reconhecimento legal da condição de sujeito de direitos, para o que Honneth (2003, p. 47) chama de reconhecimento intersubjetivo.

Retornando a Barros (2015, p. 85) e de posse do conhecimento de que há um contexto de confronto político relacionado à elaboração de argumentos legais para a realização de uma política pública, fazendo-se necessário observar como os conceitos

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nativos de cultura surda e identidade surda inserem-se na construção das ideias a fim de justificar a necessidade das escolas bilíngues para surdos, observa-se que os movimentos sociais e o processo de construção legislativa são exemplares. Sabe-se, ao mesmo tempo, que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015) culminou em uma série de ações e esforços normativos e regulatórios, com o objetivo de definir de forma inédita os direitos, mas, por outro lado, esse processo não alcançou a amplificação das próprias vozes dos protagonistas diretamente afetadas pela nova legislação.

Com o surgimento de debates políticos e movimentos sociais, o conceito de reconhecimento começou a ganhar notoriedade em várias vertentes teóricas. Martins (2019, p. 02), por exemplo, equaliza a concepção de que a educação e suas instituições deixam-se orientar pelo consumo e pelo utilitarismo, no sentido que, para o consumo, o reconhecimento está associado à capacidade de acumulação, e, no utilitarismo, o indivíduo é reconhecido pelo que ele faz profissionalmente. Todavia, consumismo e utilitarismo não são os únicos aspectos da cultura contemporânea responsáveis pela atual situação da educação, destaca Martins (2019), exemplificando o caso do multiculturalismo e dos estudos feministas, em que tal ideal de respeito às diferenças dos indivíduos e grupos sociais é compartilhada, considerando que “a qualidade moral das relações sociais não pode ser mensurada exclusivamente em termos de uma distribuição justa ou equitativa de bens materiais” (HONNETH, 2007, p. 81), afirmando que, através do reconhecimento intersubjetivo, os sujeitos podem assegurar a garantia plena de suas capacidades e uma autorrelação marcada pela integridade.

Para Lins, Nascimento e Souza (2017, p. 11), Honneth (2003, p. 267) dá subsídio para que se proponha um quadro explicativo para o caso da história dos surdos:

O húmus dessas formas coletivas de resistência é preparado por semânticas subculturais em que se encontra para os sentimentos de injustiça uma linguagem comum, remetendo, por mais indiretamente que seja, às possibilidades de uma ampliação das relações de reconhecimento.

Estabelecendo que o pilar das lutas por reconhecimento está firmado, essencialmente, na ressignificação da ideia de que a ausência da audição impossibilita o indivíduo de ter uma vida semelhante àquela dos que ouvem. Assim, a

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existência das línguas de sinais é utilizada como principal argumento de que, aos que não ouvem, não lhes falta meio de comunicação, ou seja, não lhes faltam pensamentos, argumentações, modos de perceber o mundo

Com essa ideia em vista lê-se, em Possidente (2014, p. 44), na percepção do relatório sobre a Política Linguística da Educação Bilíngue, elaborado pela comunidade surda (BRASIL, 2014), que o Português é considerado uma língua importante para o aprendizado escolar, todavia não é a única importante. Tal concepção, apresentada em relação à educação bilíngue, impõe que as duas línguas – Português e LIBRAS – devem coexistir, sem desvalorizar uma cultura em detrimento da outra, ou seja, sem que uma cultura - ouvinte ou surda - seja dominada por outra. Esses sujeitos buscam demonstrar como tal forma de vida é plausível e até preferível para alguns surdos, superando o desrespeito, as experiências de maus-tratos corporais, o abalo da autoconfiança.

As humilhações físicas privam o direito básico do ser humano à liberdade sobre o próprio corpo, em relação a si mesmo “e de uma parte de sua confiança elementar no seu mundo” (HONNETH, 2007, p. 85). Dessa forma, as atitudes positivas que os sujeitos tomam uns para com os outros fomentam o autorrespeito, compartilhando, em comunidade, atributos considerados apropriados de um ator moralmente competente.

No caso da extensão social dos direitos, “as relações legais são universalizadas” (HONNETH, 2007, p. 86), e o processo de ampliação dos direitos incorpora cada vez mais grupos que até então estavam “fora e excluídos” de uma comunidade. Assim, a partir dessa universalização, são concedidos a esses grupos direitos, como a todos os outros membros da sociedade. Compreende-se, então, o caminho condensado por Correia Sobrinho (2016, p.103), que encontrou na pesquisa, a conclusão que, quando acionado para a defesa da comunidade surda no que toca à contratação de profissionais de LIBRAS, seja para a iniciativa pública ou privada, em nível básico, médio ou superior, o judiciário tem efetivado as normas internacionais e internas, evitando as normas álibi e de promessa de futuro, reafirmando o dever no cumprimento dos direitos fundamentais das pessoas surdas. Portanto, resta claro que esse tipo de reconhecimento tem como cerne um processo de universalização que se amplia na medida em que as lutas sociais avançam na história.

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Dentro de uma perspectiva pluralista retomam Peruzzo e Lopes (2019, p. 10) destacando que afirmar a urgência da substituição do viés integracionista pelo inclusivo implica reconhecer que o ambiente social discriminatório não afeta somente a pessoa com deficiência, mas todo ser humano que, ao ser impedido de reconhecer a pluralidade que marca a humanidade que lhe dignifica, torna-se meio para a reprodução das mais diversas formas de opressão. Uma simples previsão legal que afirme a igualdade de direitos de todos pode traduzir a vitalidade do contrato social vigente, independente das condições objetivas e das contradições estruturais que obstam tal igualdade.

O reconhecimento das pessoas surdas, tanto no processo de formulação, quanto no de interpretação, e no desenho das ações e serviços de aplicação, capazes de traduzir os direitos no cotidiano, exige inserir um patamar mais amplo, como o que Honneth (2003) fornece. Ao articular as dimensões intersubjetivas do afeto e da ética, como da solidariedade, ao complexo racional do direito, como a estrutura que consagra - sempre, como foi visto, contraditoriamente - as conquistas e consensos políticos alcançados, como mostram Garcêz e Maia (2009, p. 92) descrevendo que a língua de sinais, pelo fato de garantir a autorrealização das pessoas surdas, é também um direito garantido juridicamente e que deve, portanto, ser devidamente considerado nas políticas públicas, mais e as demais demarcações sociais que afirmem as medidas de inclusão.

Salvadori (2011, p. 189), apoiando-se em Honneth (2003), discorre que a inserção dos indivíduos e grupos sociais se deu através da luta por reconhecimento intersubjetivo e não apenas por autoconservação, linha de pensamento destacada por alguns pensadores, como Maquiavel e Hobbes. Em Honneth (2003), fiel à filosofia de Hegel, o reconhecimento mútuo entre seres humanos dá-se em todas as três dimensões que formula e constitui o fator irredutível que nos torna humanos. Diz-nos Wind, 1998, Apud Kermit (2019, p. 121):

O reconhecimento mútuo entre sujeitos humanos é o primeiro e mais importante pré-requisito para qualquer formação de uma identidade humana e, como tal, o reconhecimento é algo que os humanos desejam ter e desejam dar, da mesma maneira que desejamos o sustento básico. Em palavras simples, o reconhecimento é tão vital para nós quanto a comida; o reconhecimento nos permite defender a nós mesmos, assim como a comida sustenta nosso corpo.

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O amor, o direito e a solidariedade são faces de reconhecimento que começam na vivência do descaso a estes conceitos, e o ato ou efeito de realizar a si próprio se alcança na experiência de amor, na possibilidade de autoconfiança, decorrente do direito, do respeito próprio na práxis solidária, como a autoestima. Os grupos sociais, bem como a individualidade, formam identidade se forem reconhecidos intersubjetivamente.

Hegel, e através de Honneth (2003), conceitualmente inspirado no reconhecimento, baseia a sua própria versão da “Teoria Crítica”, visando explicar as mudanças sociais pela via da luta por reconhecimento, conferindo concepção normativa de eticidade, vinda de dimensões de reconhecimento. Como já apontado, Honneth (2003) distingue, na interação social e, portanto, política, em certo grau, três formas de reconhecimento intersubjetivo: autoconfiança, autorrespeito e autoestima. Além de estabelecer essa distinção, escreve os três níveis de desenvolvimento da identidade individual (amor, lei e estima social) e as três formas de não respeito: violação da integridade física, privação de direitos e degradação e ofensa aos modos de vida.

Desse modo, pode-se afirmar que toda luta por reconhecimento se inicia por meio da experiência de desrespeito, cujo contraponto só pode ser alcançado pela mobilização da solidariedade (ou eticidade, em Hegel (1974)), que permite o que Honneth (2003, p. 31) chama de reconhecimento, e que requer reciprocidade em termos da validade de todas e de cada uma das qualidades individuais, avalizadas pela base comum valorativa da comunidade. Dessa solidariedade - que Durkheim (1999) chamaria de solidariedade social - nasce o sentimento de pertencimento, que permite ao indivíduo desfrutar autonomamente de sua subjetividade.

Nesse contexto, segundo afirma Nasser (2019, p. 169), também a comunicação representa a aspiração de essas qualidades serem reconhecidas socialmente, ou seja, o desejo de que suas lutas moralmente motivadas para serem reconhecidos ideológica e legitimamente como cidadãos dignos de direitos e valores, mostrando que, como reflete Honneth (2003), é isso que levaria a gerar uma transformação social consensual e contribuiria para gerar autorrespeito, autoestima e autoconfiança da PcD (reconhecimento intersubjetivo). Enfim, é o reconhecimento intersubjetivo compartilhado, o constituinte das identidades humanas, cuja noção corrente conhece

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por autoestima, por exemplo, uma confiança nas realizações pessoais e na posse de capacidades reconhecidas pelos membros da comunidade.

Ao interpretar a teoria do reconhecimento, Garcêz e Maia (2009) alertam para o pressuposto de que os sujeitos em situação de desvantagem necessitam construir, publicamente, um entendimento intersubjetivo de justiça, por meio do desenvolvimento de uma linguagem normativa que nomeia essa injustiça, conecta-a a outras experiências de sofrimento, para, então, estabelecer padrões generalizáveis de demanda e busca por soluções coletivas. Referem-se eles que o desenvolver-se da luta por reconhecimento, em diferentes âmbitos da vida social, tende a repetir negações e desvalorizações, podendo, contudo, alçar êxito, quando se dimensiona o horizonte de sentidos compartilhados em comunidade, ainda que vindos do conflito.

Como propõe Honneth (2003, p. 155), “a reprodução da vida social se efetua sob o imperativo de um reconhecimento recíproco porque os sujeitos só podem chegar a uma autorrelação prática quando aprendem a se conceber, da perspectiva normativa de seus parceiros de interação, como seus destinatários sociais”.

Neste sentido também, Garcêz e Maia (2009, p. 90) afirmam que:

Segundo Honneth (2003), a busca por estima social desenvolve-se a partir da consonância entre as características e as realizações individuais e o referencial valorativo compartilhado por uma determinada comunidade de valores: são estimados aqueles que podem contribuir, de alguma maneira, com os objetivos comuns a esse grupo de pessoas. Ressaltam ainda [...] que a luta por reconhecimento expressa no sítio tem como alvo o ‘outro presumido’, que concebe o surdo como incapaz, com atrasos cognitivos e impossibilitados de avançar em uma profissão que exige maior estudo, ao alcançarem a estima social, engendrarão o entendimento de que a surdez não os impede de exercer as mais diversas tarefas, contribuindo com os objetivos sociais. Ao evidenciar a premissa de que os surdos podem exercer quaisquer atividades assim como os ouvintes, uma instituição rebate a crença de que surdos são capazes apenas de executarem atividades braçais e de estudarem apenas o suficiente para exercerem esse tipo de trabalho.

Se o grupo social ou indivíduo sofrer desrespeito e, diante disso, alcançar revelação do porquê deve ser valorizado, ele aumenta possibilidade de reconstrução de uma nova ótica e a negociação de um novo sentido. Como bem se sabe, não bastou o reconhecimento legal do ensino de Libras (BRASIL, 2002); resta muito o que fazer na sociedade. Ou seja, as histórias de vida politizam as situações, revelando a necessidade de determinadas medidas coletivas, com o fim eliminatório do que pode

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obliterar, impedindo a inclusão social desses sujeitos como membros integrais da sociedade.

Honneth (2003), trilhando conceitos de Hegel, aborda a eticidade como agrupamento circunstancial de intersubjetividades, passando a trabalhá-la como momentos normativos indispensáveis, rumando para a autodeterminação e a autorrealização. Sendo também elucidativa, a teoria de Honneth (2003, p.17) esclarece que o protocolo dos conflitos, com a lógica das mudanças sociais tem a finalidade de compreender a evolução moral da sociedade, constituindo-se como crítico-normativo, visto fornecer um padrão – a eticidade – para caracterizar patologias sociais e aferir movimentos sociais. Nesse sentido, a eticidade é vista como o conjunto de valores e práticas vinculado, eticamente, a instituições, e parindo a estrutura intersubjetiva para o recíproco reconhecimento.

Havendo uma conciliação entre a liberdade pessoal e os valores comunitários, que ocorre por meio da vida boa, a individualidade é formada pela socialização, produzida na eticidade, posta em juízos e em empregos intersubjetivos. Rejeita-se, aqui, o pensamento da existência de um contrato para o aparecimento da sociedade, estas ocorrem a partir de transformações das relações de reconhecimento.

A concepção formal de eticidade composta por Honneth (2003) quer estender- se à moralidade, compondo tanto a universalidade do reconhecimento jurídico e moral da autonomia do indivíduo, como a especificidade do reconhecimento ético do ato ou efeito de realizar a si próprio. Esse conceito tem como propósito a conquista de todos os prismas necessários para o reconhecimento.

Na contemporaneidade, o ser carece de encontrar reconhecimento tanto como indivíduo autônomo, livre, quanto como indivíduo propriamente, membro de específicas formas de vida e culturas. Concebendo formalmente, a eticidade limita-se a situações históricas concretas. Portanto, ela não cai numa utopia e tampouco no etnocentrismo, pois ela é uma estrutura que se encontra inserida nas práticas e nos institutos da sociedade hodierna.

A afirmação promovida por Fernandes (2018, p. 1847) define que “a filosofia do Direito provoca discussões acerca da (in)visibilidade das pessoas com deficiência, admitindo testar os mecanismos de tutela de interesses com reconhecimento, apresentando questões de reconhecimento e representatividade, e permite uma maior reflexão sobre como assegurar a efetiva participação das pessoas com deficiência na

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sociedade, para que os operadores busquem, através de normas de efeito prático, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência - EPD, Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015 e todas as modificações que ela proporcionou (por exemplo, na capacidade jurídica das pessoas com deficiência), atender da melhor forma as demandas crescentes por maior autonomia e inclusão, no caso aqui tratado, da comunidade surda.”

Questiona-se, então: Como assegurar que os interesses das pessoas com dificuldades de reconhecimento sejam tutelados pelas normas jurídicas, garantindo- lhes efetivo exercício de direitos?

Na busca por respostas a esse e outros questionamentos no mesmo sentido, molda-se a questão das pessoas com deficiência à luz do pensamento de referência no campo filosófico-jurídico. Honneth (2003, p. 103), entendendo que "Hegel não conseguiu definir quais formas de desrespeito consistem na experiência dos atores sociais como forma de reconhecimento denegado, formula a pergunta sobre quais seriam as experiências de desrespeito, capazes de denegar o reconhecimento, e procura respondê-la, a partir do reconhecimento com base nos três modos: o amor (a dedicação emotiva, capaz de gerar a autoconfiança individual), o Direito (o respeito cognitivo, capaz de gerar o sentimento de autorrespeito), e a solidariedade (a estima social, responsável pela autoestima individual). A cada uma dessas formas de reconhecimento nas relações sociais, corresponderia, na teoria de Honneth (2003), uma forma específica de não reconhecimento, em que tanto as experiências de reconhecimento quanto as de falta de reconhecimento podem abranger diferentes graus.

O desrespeito ao indivíduo nas diferentes instâncias de reconhecimento importa em um comportamento lesivo, pelo qual cada pessoa é ferida na própria possibilidade de se compreender de maneira positiva. Com relação à esfera do amor, o não reconhecimento se daria através de experiências de maus-tratos e degradação física, que atingem a capacidade de outra pessoa dispor livremente do seu corpo, como a agressão física, a violação e a tortura.

No quadro a seguir, relacionam-se as dimensões de reconhecimento com seus devidos descritores.

44 Quadro 4 - Reconhecimento Formas de reconhecimento Descritores Relações primárias

Maus-tratos físicos e violação, que ameaçam a integridade física de um sujeito e afetam a sua confiança, resultando em “[...] uma perda de confiança em si e no mundo, que se estende até as camadas corporais do relacionamento prático com outros sujeitos, emparelhada com uma espécie de vergonha social” (HONNETH, 2003, pp. 215-217, Apud: RAMOS, 2017, p.53).

Relações jurídicas

Privação de direitos e exclusão social, que ameaçam a integridade social de um sujeito e afetam seu autorrespeito moral; o sujeito permanece “[...] excluído da posse de determinados direitos no interior de uma sociedade”, [...] para o indivíduo, a denegação de pretensões jurídicas socialmente vigentes significa ser lesado na expectativa intersubjetiva de ser reconhecido como sujeito capaz de formar juízo moral” (HONNETH, 2003, pp. 215-217, Apud: RAMOS, 2017, p. 53 ).

Comunidade de valores

Degradação e ofensa, que ameaçam a honra e a dignidade de um sujeito e afetam, negativamente, o valor social de indivíduos ou grupos, isto é, a experiência de uma desvalorização social resulta em “[...] uma perda de possibilidade de se entender a si próprio como um ser estimado por suas propriedades e capacidades características.” (HONNETH, 2003, pp. 215-217, Apud: RAMOS, 2017, p. 53) Fonte: Elaborado pelo autor.

As experiências sociais – e, portanto, com impacto intersubjetivo - de desrespeito suscitam reações emocionais negativas, uma vez que os sujeitos reconhecem o que lhe é negado. Assim, as experiências individuais de desrespeito só podem ser concebidas como base motivacional de uma luta coletiva quando interpretadas como experiências típicas de um grupo. Por essa razão, conforme afirma Honneth (2003, p. 258), a primeira dimensão de reconhecimento - as relações primárias, como o amor e a amizade - não contém “[...] experiências morais que possam levar por si só a formação de conflitos sociais”. Por outro lado, as experiências pessoais de desrespeito nas relações jurídicas e na comunidade de valores “[...] podem ser interpretadas como algo capaz de afetar potencialmente também outros sujeitos” (HONNETH, 2003, p. 256, Apud: RAMOS, 2017, p. 53), representando, desse modo, um quadro moral para as lutas sociais.

Ramos (2017, p. 54) entende, com base nas premissas de Honneth (2003), que a luta social do movimento surdo corresponde - nos moldes da luta por

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reconhecimento - à uma exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento, impulsionada por experiências de desrespeito, compartilhadas entre os sujeitos surdos, exemplificando e destacando, historicamente, os sentimentos de desrespeito e/ou de injustiça social experimentados pelos sujeitos surdos. Esse fato se confirma, observando-se as atuais propostas de educação inclusiva que, contrariamente ao que deveria ser sua função, os privam de uma educação verdadeiramente bilíngue, visto que tais propostas se apresentam na contramão das

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