• Nenhum resultado encontrado

Práticas de reconhecimento da pessoa surda como inovação social: o caso do IFSC campus Palhoça bilíngue

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Práticas de reconhecimento da pessoa surda como inovação social: o caso do IFSC campus Palhoça bilíngue"

Copied!
155
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCOS PACHECO

PRÁTICASDERECONHECIMENTODAPESSOASURDACOMOINOVAÇÃO SOCIAL:OCASODOIFSCCAMPUSPALHOÇA BILÍNGUE

Florianópolis 2020

(2)

MARCOS PACHECO

PRÁTICAS DE RECONHECIMENTO DA PESSOA SURDA COMO INOVAÇÃO SOCIAL: O CASO DO IFSC CAMPUS PALHOÇA BILÍNGUE

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Administração da

Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Administração.

Orientador: Prof. Nei Antonio Nunes, Dr.

Florianópolis 2020

(3)
(4)

MARCOS PACHECO

PRÁTICAS DE RECONHECIMENTO DA PESSOA SURDA COMO INOVAÇÃO SOCIAL:

O CASO DO IFSC CAMPUS PALHOÇA BILÍNGUE

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Administração e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Sul de Santa Catarina

Florianópolis, 03 de agosto de 2020.

____________________________________________________ Orientador: Prof. Nei Antonio Nunes, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Jacir Leonir Casagrande, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Profª. Dilceane Carraro, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina

_____________________________________________________ Prof. Jesué Graciliano Silva, Dr.

(5)

Dedico a todos e todas pessoas que de forma camarada, de um jeito ou de outro, me acompanharam até o final desta pesquisa sobre a luta pelo reconhecimento dos sujeitos surdos, em especial aos meus pais Otávio Pacheco e Dona Eloide Borges Pacheco, aos meus irmãos Sonia, Airton, Zaneide, Lucas, Marcio, Beatriz, Djair, Luciane e Edegar e à minha companheira Beatriz Augusto de Paiva, pela capacidade de escutar as ideias levantadas e refleti-las à luz do interesse do povo trabalhador brasileiro.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais Otávio Pacheco e Eloide Borges Pacheco pela inspiração para toda a vida.

Agradeço a minha companheira Beatriz Augusto de Paiva pela capacidade de escutar as ideias levantadas e refleti-las brilhantemente à luz do interesse e amor pelo povo trabalhador brasileiro.

Agradeço meu orientador Dr. Nei Antonio Nunes pela incansável disposição de aumentar a qualidade deste trabalho, demarcando compromisso fundamental com esta dissertação.

Agradeço ao IFSC pela oportunidade de formação aberta aos professores e técnicos administrativos da instituição.

Agradeço os demais componentes da banca Dr. Jacir Leonir Casagrande, Dra. Dilceane Carraro e Dr. Jesué Graciliano da Silva pelas contribuições a este trabalho acadêmico.

Entre os “MIAUS”, colegas de turma e trajeto, destaco Roberta Elpídio Cardoso e o Diego Pacheco, camaradas de jornada.

Por fim, à nossa doguinha Frida Khalo, que iniciou sua partida na semana de apresentação desta pesquisa, um amor que cumpre missão espiritual.

(7)

“A crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto” (DARCY RIBEIRO, 1977).

(8)

RESUMO

A pesquisa ora apresentada tem como propósito analisar como as práticas de reconhecimento desenvolvidas na unidade IFSC Campus Palhoça Bilíngue configuram-se como inovação social. A fim de viabilizar tal investigação, optou-se por elaborar um estudo de caso a partir da unidade do IFSC referida, como observatório para esta condição, dialogando assim com especialistas, protagonistas do processo de implantação da proposta pedagógica e institucional desta singular unidade acadêmica do IFSC, integrada por pessoas surdas; estudantes, TAES ou professores. A pergunta orientadora da pesquisa pretendeu conduzir o conhecimento desta realidade, a partir de dois conceitos centrais e complementares, capazes de traduzir as ricas e relevantes experiências narradas pelos sujeitos da pesquisa: as práticas de reconhecimento e a inovação social, no âmbito da garantia do direito à educação da pessoa surda, visando contribuir com os esforços dos estudos organizacionais, território de investigação no âmbito da inovação social, e propagando a surdez na perspectiva da luta pelo reconhecimento, verificando-se efeitos complexos em que as pessoas, através de estratégias de resistência e práticas de liberdade, conseguem definir formas de reconhecimento e existência mais satisfatórias.

(9)

ABSTRACT

The research here presented has the purpose of analyzing how the recognition practices developed in the IFSC Campus Palhoça Bilíngue configure themselves as social innovation. In order to make such an investigation viable, we decided to prepare a case study based on an IFSC unit elected as an observatory for this condition, thus dialoguing with specialists, protagonists in the process of implementing the pedagogical and institutional proposal of this singular IFSC academic unit, made up of deaf people, be students, TAES or teachers. The guiding question of the research intended to lead the knowledge of this reality from two central and complementary concepts, capable of translating the rich and relevant experiences narrated by the research subjects, namely: the practices of recognition and social innovation, within the scope of guarantee of the right to education of deaf people, aiming to contribute with the efforts of organizational studies, composing a valuable research territory in the scope of social innovation and propagating the deafness in the perspective of the struggle for recognition, verifying quite complex effects, in which people through resistence strategies and freedom practices manage to define more satisfactory ways of recognition and existence.

Keywords: Innovation. Fight for recognition. Deaf.

(10)

LISTADEQUADROSEFIGURAS

Quadro 1 - Diagrama do roteiro da pesquisa ... 17 Quadro 2 - Mapa semântico ... 17 Quadro 3 - Cartografia dos Estudos sobre Surdez, a partir das reflexões de Axel Honneth - Levantamento bibliográfico ... 22 Quadro 4 - Reconhecimento ... 44 Quadro 5 - Cartografia de autores e conceitos, com definições sobre inovação social ... 51 Quadro 6 - Premissas do Estudo para o conceito unificado de inovação social ... 59 Quadro 7 - Cartografia de autores e conceitos, com definições sobre inovação social ... 61 Quadro 8 - Triangulação entre a Teoria do reconhecimento de Axel Honneth, o Modelo socioantropológico e as perguntas do roteiro de entrevistas ... 79 Quadro 9 - Da validação metodológica ... 84 Quadro 10 - Síntese da metodologia da pesquisa ... 84

Figura 1 - Primeira turma de formandos surdos do ensino fundamental CEFET – São José ... 95 Figura 2 - Placa de homenagem ... 96

(11)

LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

AAMD Associação Americana de Deficiência Mental

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFET/SC Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina CEFETs Centros Federais de Educação Tecnológica

CERFEAD Centro de Referência em Formação e Educação a Distância CST Cursos Superiores de Tecnologia

EJA Educação de Jovens e Adultos EPD Estatuto da Pessoa com Deficiência ETFSC Escola Técnica Federal de Santa Catarina

FIC Cursos de Qualificação - Formação Inicial Continuada

IFC Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense IFSC Instituto Federal de Santa Catarina

INES Instituto de Educação de Surdos LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MEC Ministério da Educação

NAPNE Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas NEPES Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos

NPB Núcleo de Produção Bilíngue ONU Organização das Nações Unidas PcD Pessoa com Deficiência

PROEJA Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação Jovens e Adultos

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina

(12)

SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO ... 13 1.1 OBJETIVO GERAL ... 16 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 16 1.3 CONTEXTUALIZAÇÃO ... 18 1.4 JUSTIFICATIVA ... 21 2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 27

2.1 CONTEXTO DA QUESTÃO DA SURDEZ ... 27

2.2 O RECONHECIMENTO ... 35

2.3 EDUCAÇÃO COMO ALTERNATIVA DE CONSTRUÇÃO DO RECONHECIMENTO ... 52

2.4 INOVAÇÃO SOCIAL ... 59

3 METODOLOGIA ... 72

3.1 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ... 78

3.2 VALIDAÇÃO DA METODOLOGIA ... 83

3.3 SOBRE ANÁLISE DAS ENTREVISTAS... 85

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ... 88

4.1 O CASO DO IFSC CAMPUS PALHOÇA BILÍNGUE ... 88

4.1.1 Aspectos históricos da instituição ... 92

4.2 ANÁLISE DOS DADOS ... 98

4.2.1 Sobre a inovação social ... 99

4.2.2 Sobre o reconhecimento ... 117

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 133

REFERÊNCIAS ... 139

APÊNDICES ... 152

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ... 153

(13)

13

1APRESENTAÇÃO

A pesquisa ora apresentada estudou as práticas que o IFSC desenvolve junto aos surdos, num Campus que prioriza a inclusão dos estudantes com deficiência, e desenvolve um projeto político-pedagógico de notória excelência, registrando que o IFSC Campus Palhoça Bilíngue é a primeira unidade da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica na modalidade bilíngue – Libras/Português – e traz, para o cenário brasileiro, uma política de ensino, pesquisa e extensão, visando viabilizar uma efetiva interação entre surdos e ouvintes no campo educacional e profissional.

A metodologia adotada nesta pesquisa para dissertação de mestrado inseriu-se na perspectiva da abordagem qualitativa, por meio do estudo de caso, onde a perspectiva do reconhecimento assume um instrumental analítico para apontarmos em que medida a educação bilíngue do Campus Palhoça Bilíngue do IFSC constitui-se experiência institucional tendente à inovação social, buscando na coleta de dados a transparência e a clareza nos relatórios de pesquisa, que são parâmetros fundamentais para avaliação do rigor científico, pois maior qualidade pode ser dada ao estudo, ao demonstrarmos quanto mais explicitados são os procedimentos de coleta e análise.

Nas trilhas de Hegel, Axel Honneth (2003) fornece importante contribuição à práxis dos sujeitos que, sob as difíceis condições de vida das sociedades capitalistas modernas, requerem não apenas o apelo à razão, mas também substâncias imateriais e subjetivas, que possam dotar de transformações efetivas, os processos sociais e as pessoas que, afinal, são as protagonistas de cada ação de transformação social. Neste sentido, essa pesquisa postulou a distinção do reconhecimento em três níveis: um reconhecimento, base da construção da identidade, na forma do amor incondicional tipicamente exibido na família; um reconhecimento condicional, na forma de direitos democráticos; e um reconhecimento condicional de solidariedade e apreciação demonstrado entre iguais.

Tal perspectiva buscou inaugurar um campo de análise, que permite iluminar aspectos no plano ético, subjetivo e político-pedagógico, capazes de evidenciar, na experiência de educação bilíngue desenvolvidas no IFSC Campus Palhoça Bilíngue, aspectos singulares dotados de inovação social.

(14)

14

Sendo assim, nessa dissertação refletimos a noção de reconhecimento extraída, sobretudo, das análises de Honneth (1991; 1999; 2003; 2007a; 2013), em diálogo - alinhado pelos temas que serão tratados nas entrevistas - com as perspectivas socioantropológicas da surdez, especialmente com base em Carlos Bernardo Skliar (1998; 1999; 2001a; 2005), já que o processo de desenvolvimento e manutenção da identidade do sujeito deve ser caracterizado como uma luta pelo reconhecimento em níveis diferentes, mas entrelaçados, conforme formulado por HEGE (1974) e incorporado por Honeth (2003).

Considera-se esse diálogo fundamental, uma vez que tanto Honneth quanto Skliar tematizam aspectos decisivos ao debate sobre questão das práticas de reconhecimento social e político das pessoas surdas, dotando de novo significado o tema da inclusão social na educação.

Ademais, com base no referencial teórico sobre a inovação social, que enfatiza o caráter inclusivo das ações inovadoras, o estudo ora apresentado propôs a seguinte pergunta de pesquisa: como as práticas de reconhecimento da pessoa surda

desenvolvidas no IFSC Campus Palhoça Bilíngue se configuram como inovação social?

Tendo uma unidade do IFSC como observatório na condição de estudo de caso, foram prospectadas as informações institucionais acerca da inclusão dos surdos, desenvolvida no IFSC Campus Palhoça Bilíngue, a exemplo dos cursos ofertados, buscando garantir o direito e assegurar a permanência e o êxito dos estudantes público-alvo da Educação Especial.

Os Campus do IFSC contam também com o Núcleo de Atendimento à Pessoa com Necessidade Específica (NAPNE), um setor que agrega profissionais capacitados para promover processos educativos em condições de igualdade para esses estudantes. Desse modo, com seus conhecimentos além de outras experiências que possivelmente foram detectadas por meio da investigação, muito contribuíram para esta proposta de estudo.

Sobre o referencial teórico, refletimos acerca do percurso ético, jurídico e político do direito especial das pessoas surdas, visando subsidiar a análise dos aspectos que cercam o consenso teórico e normativo e sua tradução em serviços e/ou recursos institucionais, necessários à afirmação dos direitos dos surdos.

(15)

15

Ato contínuo e concomitante, esses dados foram cotejados devidamente com as informações obtidas no processo de pesquisa documental e com os elementos de análise obtidos pela reflexão acerca do reconhecimento das pessoas com deficiência, e processos inclusivos, conforme as análises de Honneth (2003).

Especificamente na área da educação dos surdos, Skliar (1998) chama a atenção para a necessidade de desconstrução dos usuais contrastes binários tradicionais, que modulam as metanarrativas sobre a surdez. Para ele, cabe superar as simplificações didáticas, devendo-se buscar “os matizes, os espaços vazios, os interstícios, os territórios intermediários que não estão presentes nesses modelos, mas que transitam, flutuam entre eles, como, por exemplo, as significações linguísticas, históricas, políticas e pedagógicas” (SKLIAR, 1998, p. 9).

Entende-se, assim, que essas análises foram decisivas para a apreensão da experiência educacional do IFSC Campus Palhoça Bilíngue, agregando os elementos que lhe conferem dimensões socialmente inovadoras ao seu projeto e prática institucional.

A deficiência é considerada uma condição humana. Portanto, assim como qualquer outra pessoa, a pessoa com deficiência possui qualidades, defeitos, preferências, conquistas e fracassos. Nesse sentido, esta pesquisa fundamenta-se no conceito de deficiência expresso na Convenção da ONU:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (ONU, 2007).

De acordo com a Lei 13.409, a partir de 28 de dezembro de 2016, todas as instituições federais de ensino passaram a dispor de uma reserva de vagas, nos cursos técnicos de nível médio e superior para pessoas com deficiência. Cumpre-se, assim, mesmo que tardiamente, o que a Constituição Federal (1988) define, traduzindo a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, capaz de garantir igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino.

(16)

16

Nesse sentido, parte-se de uma demanda concreta, ou seja, da realidade social e objetiva, visando subsidiar a formulação de perspectivas reais no âmbito do IFSC, onde se observam projetos dotados de capacidade de inovação social inclusiva, para além das práticas tradicionais que reproduzem os mesmos problemas e estigmas às pessoas com deficiência. É com essa visão e com base nesses pressupostos que se definem os objetivos desta pesquisa, exposto nos subitens a seguir.

1.1 OBJETIVO GERAL

Analisar como as práticas de reconhecimento da pessoa surda, desenvolvidas na unidade IFSC Campus Palhoça Bilíngue, se configuram como inovação social.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A partir do objetivo geral, definem-se os seguintes objetivos específicos:

a) Apresentar o percurso normativo da política de educação nacional e o Projeto Pedagógico do IFSC referente ao reconhecimento das pessoas surdas;

b) Descrever as práticas de reconhecimento da pessoa surda na unidade do IFSC Campus Palhoça Bilíngue; e

c) Analisar, à luz do debate teórico proposto, as práticas de reconhecimento do IFSC Campus Palhoça Bilíngue como inovação social.

Para efeito de representação, apresentamos o diagrama a seguir, quadro que visa ilustrar o que foi descrito até aqui.

(17)

17 Quadro 1 - Diagrama do roteiro da pesquisa

Objetivo Geral

Analisar como as práticas de reconhecimento da pessoa surda, desenvolvidas na unidade IFSC Campus Palhoça Bilíngue, se configuram como inovação social.

Teoria do Reconhecimento: Axel Honneth Pedagogia Socioantropológica: Carlos Skliar

Inovação Social: Esquema proposto por Horta, Fairweather, Taylor, Mumford, Cloutier, Moulaert, Mulgan, BignettiI.

Roteiro de Entrevistas e Instrumental de Análise

Análise dos dados:

Perspectiva da Inovação social

Fonte: elaborado pelo autor.

No desenvolvimento deste trabalho adotou-se um mapa semântico (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 128) formado pelos seguintes conceitos-base (Figura 2), os quais serão analisados mais detidamente adiante, junto ao referencial teórico.

Quadro 2 - Mapa semântico

Projeto político-pedagógico Inovação social

Pedagogia do acontecimento Reconhecimento

(18)

18

Tais conceitos consistem na estrutura categorial tanto para o roteiro das entrevistas, quanto para a análise teórica na dissertação.

1.3 CONTEXTUALIZAÇÃO

Diferentes marcos históricos ilustraram as transformações políticas e teóricas sobre o lugar do surdo nas sociedades contemporâneas. Tendo como ponto de partida a maturação da sociedade capitalista industrial, a qual marca o nascimento do que se constituiu como a construção científica da surdez, sabe-se que não foi pequeno nem fácil o esforço de superação dos estigmas de ordem místico-religiosa do período medieval. Nesse período, segundo Sanches (1990), os surdos eram considerados não passíveis de serem educados e, portanto, inúteis às sociedades, como confirmam as narrativas acerca do surdo, que lhes conferiam um estatuto de “imbecilidade”, de “semi-animalesco”, de “não-humano”.

Quando passaram a compor o discurso médico, que classificava e enquadrava os “diferentes”, os surdos foram alvo do referencial tradicional dos estudos clínicos, restritos a uma noção estreita de normalidade e dilatada de loucura. Assim, passaram a ser vistos como ‘diferentes’, e só então passaram a compor a categoria de ‘humanos’, porém ‘humanos enfermos’. Entendidos como doentes pela medicina, pela pedagogia e, mais tarde, pela psicologia, foram catalogados, pelo saber médico, como uma ‘subespécie’, uma “anomalia” que deveria ser erradicada, um tipo de degeneração da espécie humana (DALCIN, 2005, p. 10).

Desse modo, a dita racionalidade científica moderna passou a operar com outros estigmas, que ganharam relevância, sobretudo, porque a ordem fabril passava a sustentar o paradigma higienista, em nome de um pensamento instrumental e profundamente preconceituoso, que, no limite, propugnava por métodos de esterilização para evitar a procriação dos surdos, que levassem a erradicação ou a diminuição desse ‘mal’.

E foi assim que o século XIX – que superou a visão místico-religiosa – tornou-se, contraditoriamente, palco da visão biologizante do corpo, ou daquilo que seria considerado um corpo normal, saudável e produtivo, conforme analisado por Foucault (2006), subordinado à máquina, como força de produção, força de trabalho.

(19)

19

Conforme observado no documento IFSC (2015, p. 13) que subsidia o projeto pedagógico de curso do IFSC Campus Palhoça Bilíngue, este também é definido inspirado por Foucault:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia política.

Nesse sentido, quando se trata de explicar os componentes sociais que afetam a vida das pessoas surdas hoje, vale dimensionar esse universo na sociedade brasileira, tomando como referência os dados do censo do IBGE de 2010, não obstante questionados, mas indicam que o Brasil possui 5,7 milhões de pessoas com algum grau de surdez, das quais 4,6 milhões possuem surdez severa e moderada, e 1,1 milhão tem surdez profunda. O estado de Santa Catarina, por sua vez, possui 10.403 pessoas com surdez profunda; 62.121, com surdez severa; e 233.309, com surdez moderada. Tais números representam 4.9% do total da população do estado (6.727.148). O município de Palhoça, onde está localizado o Campus Bilíngue, possui população total estimada em 137.334 habitantes; destes, cerca de 6.552 são surdos (IFSC, 2015).

Na segunda metade do Séc. XX muitas e importantes transformações sobre o problema social dos surdos no Brasil encontraram respostas no âmbito decisivo das políticas educacionais, e no Séc. XXI, por meio da política de cotas para pessoas com deficiência, mais especificamente no caso dos surdos, a centralidade da linguagem bilíngue está expressa fortemente nessa formulação. De acordo com o Decreto Federal n. 5.626, de 2005 (BRASIL, 2005), surdo é o indivíduo que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.

Tomando a visibilização das demandas educacionais dos sujeitos surdos, importa mencionar como o Estado brasileiro assumiu, nas últimas décadas, a tarefa de respaldar legalmente as reivindicações e conquistas dessa comunidade, sendo signatário, inclusive, de algumas normativas internacionais, a saber: a Declaração de Salamanca (1994); a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996); a Lei

(20)

20

Federal n. 10.436 (2002), regulamentada pelo Decreto n. 5.626, de 2005; a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (2007), com promulgação em 2009.

Precisamente o IFSC (2015, p. 14) diz que:

Do ponto de vista jurídico, acordos internacionais, leis e decretos brasileiros reconhecem a singularidade linguística das pessoas surdas. No Brasil, desde 2002, a Língua Brasileira de Sinais é reconhecida como língua e, na mesma lei, se reconhece a existência de brasileiros pertencentes à comunidades surdas (BRASIL, 2002). Portanto, a relação sujeito – comunidade social surda foi já́ reconhecida pelo Estado. Em 2005, o Decreto Presidencial 5.626 reconhece a condição bilíngue dos surdos (LIBRAS – Português) sem desconsiderar a heterogeneidade existente entre as pessoas surdas, em suas organizações de representação ou em suas comunidades. Enfatiza o direito de escolha do país pela educação bilíngue, aos orgãos federativos em oportunizar educação bilíngue desde a educação infantil, e às instituições federais o dever de promover a formação de educadores bilíngues (pedagogos e licenciados) e de tradutores e interpretes de LIBRAS – Português, além da obrigatoriedade de garantia de acessibilidade linguística e de comunicação (presença de tradutores e intérpretes, uso de imagens e desenvolvimento de tecnologias assistivas, legendas etc.).

Sendo, de fato, consolidado que o campo educativo no Brasil foi solidário ao processo de colonização portuguesa, desenvolvido em língua portuguesa, também é conhecido o dado que nesse processo produziu-se o extermínio de cerca de mil línguas indígenas em 500 anos com todo impacto humano que essa extinção causou (suicídios, posse de terras indígenas, violação do direito de existência etc.). Vale lembrar, ainda, que esse processo civilizatório também resultou no apagamento das línguas de imigrantes nas escolas públicas, fazendo com que os que possuíam recursos se organizassem, criando as escolas bilíngues, reconhecidas como modalidade de educação (IFSC, 2015).

Todavia, a educação bilíngue, por tradição, é acessível apenas a uma parcela da população, pertencente às classes economicamente privilegiadas, aos descendentes de imigrantes ou, ainda, para as famílias que consideram importante que seus filhos sejam bilíngues (português – inglês; português – alemão; português – italiano etc.) ou, em muitos outros casos, que tenham certificados do Ensino Médio válidos tanto no país estrangeiro falante da língua estudada como um certificado validado pelo MEC/Brasil. Para o segmento mais rico da população – desde o tempo da colônia passando pelo auge do período cafeeiro – 1930 -, a opção era enviar seus

(21)

21

filhos brasileiros para estudar em internatos ou ambientes similares na Suíça, Inglaterra, USA, Coimbra, etc. (IFSC, 2015).

Via de regra, ainda hoje, a Educação Bilíngue no Brasil prioriza a uma parcela privilegiada da população que tem por opção ver seus filhos estudando em território pátrio.

É nesse contexto que após ser começada em 2010 num espaço provisório, se coloca a criação da primeira escola bilíngue de surdos no município de Palhoça, em Santa Catarina, no ano de 2012, advinda da luta permanente desta coletividade, que clama por ver seus direitos, conquistados na legislação brasileira, concretizados em espaços educacionais reais, como consagra Andreis-Witkoski (2013).

Avançando nas pesquisas desenvolvidas no mesmo Campus, que é campo de estudo de caso desta pesquisa, constata-se que nele se desenvolvem, gradativamente, sistemas computacionais e novas tecnologias visando um ambiente educacional e orientado pela política da diferença, através de uma equipe de professores surdos e ouvintes, intérpretes e técnicos administrativos. Lendo a realidade dos surdos e das relações sociais, percebe-se uma necessidade de inclusão social latente não só do público surdo, bem como do público em vulnerabilidade social, visivelmente e, inclusive, daquele localizado no entorno do Campus Palhoça Bilíngue do Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC.

1.4 JUSTIFICATIVA

Com base no seu valor científico e social bem como no que se refere à pertinência aos estudos organizacionais no âmbito da educação inclusiva, entendeu-se entendeu-ser de significativa relevância evidenciar em que medida as práticas de reconhecimento da pessoa surda se configuram como inovação social.

Por conseguinte, a justificativa prática deste trabalho recaiu sobre uma dupla incidência potencial, contribuindo nos estudos sobre a experiência concreta do IFSC Campus Palhoça Bilíngue, constituindo diálogo teórico entre os autores principais e seus intérpretes, sempre buscando destacar a dimensão de inovação social presente na experiência do reconhecimento.

Nesse sentido, visando aprofundar o eixo temático transversal que perpassa os objetivos desta pesquisa, apresenta-se o estudo bibliométrico elaborado para a

(22)

22

pesquisa em tela, verificando as características da produção científica com ênfase no tema da surdez, com os aportes conceituais do filósofo Axel Honneth, sobretudo teses e dissertações nos últimos 10 anos, ou seja, no período de 2010 a 2020

A pesquisa foi realizada por meio das plataformas Webscience e Google Acadêmico (www.scholar.google.com), numa perspectiva multidisciplinar, reunindo trabalhos da área de Administração, Sociologia, Educação, Serviço Social.

Assim, foram lidos e classificados os títulos de 301 trabalhos, tendo-se encontrado 15 deles que abordaram o tema da surdez com subsídios em Honneth, adequados em quatro âmbitos: (1) nos movimentos de luta; (2) no processo educacional; (3) no acesso às novas tecnologias de informação; e (4) no âmbito da garantia dos direitos. Os dados mostram uma predominância de produções acadêmicas voltadas para o tema dos movimentos de luta pelo reconhecimento.

Os 15 trabalhos acadêmicos pesquisados estão relacionados no quadro que se segue:

Quadro 3 - Cartografia dos Estudos sobre Surdez, a partir das reflexões de Axel Honneth - Levantamento bibliográfico

Autor/Autora – Título Tipo de Produção

RAMOS, Denise Marina. “Educação de surdos: Estudo bibliométrico de teses e dissertações (2010-2014)”

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), 2017.

PERUZZO, Pedro Pulzatto; LOPES, Lucas Silva. “Afirmação e promoção do direito às diferenças das pessoas com deficiência e as contribuições do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”

Artigo científico publicado na Revista Eletrônica do Curso de Direito, da UFSM, v. 14, n. 3 , 2019. MARTINS, Mauricio Rebelo. “Educação e

tecnologia: a crise da inteligência” Artigo científico publicado na Revista Educação, v. 44, Publicação contínua, 2019. GARCÊZ, R. L.; MAIA, R. C. M. “Lutas por

reconhecimento dos surdos na internet: efeitos políticos do testemunho.

Artigo publicado na Revista de Sociologia e Política, v. 17, p. 131-144, 2009.

XAVIER, Alexandre Guedes Pereira. “A luta político-linguística surda no Brasil e nos Estados Unidos.”

Anais do IX SAPPIL - Estudos de Linguagem, setembro, 2018.

BARROS, Eudenia Magalhães. “Ações coletivas, identidade e mobilizações políticas: movimento social surdo e a luta por reconhecimento”

Dissertação de Mestrado, UNICAMP, Campinas, 2015.

(23)

23

LINS, Heloisa A. Matos, NASCIMENTO, Lilian C. R., SOUZA Regina Maria de (organizadoras); SANTOS Gildenir Carolino (editor técnico). “Afirmações afirmativas para pessoas surdas no processo de escolarização”

E-book Série Setembro Azul. Campinas, SP: Biblioteca/UNICAMP, 2017. 109 p.

GONZALEZ, Beatriz Valles; GARNICA, Diana Nivia “Identidade, Reconhecimento e ensino da leitura em surdos: uma abordagem sob uma perspectiva bioética.”

Artigo publicado na University of Valencia, junho de 2015.

MAIA, Rousiley C. M. and GARCÊZ. Regiane L. O. “Recognition, feelings of injustice and claim justification: a case study of deaf people's storytelling on the internet”

Artigo in European Political Science Review, 2014 ANDREIS-WITKOSKI. Sílvia. “Educação de

surdos e preconceito - bilinguismo na vitrine e bimodalismo precário no estoque”

Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Paraná, 2011.

POSSIDENTE, Maria Alice de Castro. “A criança surda na educação infantil e a produção de cultura no processo de ‘inclusão’: o que muda ou cala?”

Instituição: Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação), 2014.

CAMPOS, Sandra Regina Leite de. “A representação social dos professores de surdos sobre o ensino de línguas e língua portuguesa no ensino fundamental I”

Tese de Doutorado Faculdade de Educação USP, 2017.

CORREIA SOBRINHO, Adelgício de Barros. “Liberdades positivas e constitucionalização simbólica: uma análise da influência do judiciário na materialização da educação inclusiva em LIBRAS para pessoas surdas”

Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.

NASSER, Ana e Argento. Ël modelo de comunicación y reconocimiento legítimo de descapacidad.

http://redcdpd.net/revista/index.php/revista/article/vie wFile/168/96 (2019), pp. 162-172

KERMIT. Patrick Stefan. Passando para o reconhecimento - as lutas morais das crianças surdas definhando em contextos de educação inclusiva, Surdez e Educação Internacional

Artigo. Departamento de Saúde Mental da Universidade da Noruega, 2019.

Fonte: elaborado pelo autor.

A revisão de literatura, alcançada pela pesquisa bibliométrica, se deteve na produção de pesquisadores que adotam as categorias de análise formuladas pelo filósofo Honneth, visando problematizar a dimensão do reconhecimento das pessoas surdas em diversos âmbitos: nos movimentos de luta, no processo educacional, no acesso às novas tecnologias de informação e no âmbito da garantia dos direitos. Destaca-se que esses estudos se valem, sobretudo, da construção categorial de Honneth (2003) sobre as três formas de reconhecimento, a saber:

a) relações primárias, como o amor e a amizade, cuja experiência de reconhecimento resulta em uma autorrelação prática de autoconfiança;

(24)

24

b) relações jurídicas, como os direitos, cuja experiência de reconhecimento resulta na autorrelação prática de autorrespeito; e

c) comunidade de valores, como a solidariedade, cuja experiência de reconhecimento resulta em uma autorrelação prática de autoestima. Cada um desses estudos acentuou aspectos singulares dessas formas de reconhecimento, abordando em que dimensão elas, diretamente, incidem sobre as realidades pesquisadas.

Registrou-se a relevância de um estudo que identifica dimensões da realidade por meio de entrevistas com sujeitos significativos desse processo, capazes de fornecer aspectos inauditos e com alta significância em termos dos processos sociais, considerados determinantes na luta por reconhecimento dos sujeitos surdos.

Conforme Vasconcelos (2002), um estudo justifica-se se a inovação da pesquisa e/ou a relevância dos resultados atinge determinado grupo social ou para a sociedade como um todo. Com essa expectativa, entendeu-se que a investigação aqui delineada contribuirá para a reflexão e apropriação da questão do reconhecimento das pessoas surdas nos espaços educacionais, temática que tem mobilizado importantes segmentos técnicos especializados, movimentos sociais e instituições - como o IFSC -, em busca da melhor tradução para as novas diretrizes legislativas, relacionadas aos direitos especiais, conforme avalizadas na Constituição Federal de 1988.

Os resultados parciais da análise sugeriram haver uma interessante disputa de sentidos sobre a língua das pessoas surdas – língua oral ou de sinais, conforme Skliar (1999, p. 8) adverte -, e sobre o status político da pessoa surda como demandante, sugerindo ser relevante o estudo aprofundado sobre o dimensionamento político da questão linguística na esfera pública.

E mais, o autor Skliar (1999) trabalha, ainda, com as noções de desrespeito - os ataques à identidade pessoal ou coletiva na forma de degradação das formas de vida ou privação de direitos, prezando pela concepção de resistência, - a luta pela integridade individual ou coletiva – luta por reconhecimento - e por um estágio de relações sociais em que a dignidade de ser membro de uma comunidade política se coadune com sua singularidade respeitada e valorizada (HONNETH, 2003, p.211).

Considerando a relevância desta proposta de dissertação, coube registrar que ela se insere no intento teórico-acadêmico de contribuir para o debate sobre novas práticas de inclusão como inovação social, tendo sempre, como medida civilizatória

(25)

25

essencial, o entendimento de que a educação é um direito de todos, e responsabilidade do Estado, com apoio subsidiário da sociedade. Acessar esse direito pressupõe, portanto, o atendimento às especificidades das pessoas que fazem parte do público-alvo da Educação, seja ela Especial ou não.

No caso específico dos direitos especiais, há uma garantia prevista na legislação brasileira: Lei n. 13.146 de 2015; Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência; Lei n. 12.764 de 2012; Lei n. 13.409 de 2016, entre outras.

Entretanto, além do respaldo legal, a efetivação dessa garantia está decisivamente condicionada à capacidade de mobilização social, de defesa de direitos e de inconformidade teórico-metodológica, que incidem não só em vagas e turmas, seja nas escolas, seja no mercado de trabalho, mas, sobretudo, em reconhecimento de protagonismo, em fortalecimento de identidades, em elaboração e sedimentação de valores igualitários e emancipadores.

Como propõe Honneth:

A reprodução da vida social se efetua sob o imperativo de um reconhecimento recíproco, porque os sujeitos só podem chegar a uma autorrelação prática quando aprendem a se conceber, da perspectiva normativa de seus parceiros de interação, como seus destinatários sociais (HONNETH, 2003, p. 155).

A dimensão socialmente inovadora que a educação bilíngue Libras/Português, desenvolvida no IFSC Campus Palhoça Bilíngue apresenta e sua estreita relação com as práticas de reconhecimento da pessoa surda, constitui-se como um território de investigação em expansão, no âmbito dos estudos organizacionais sobre inovação social.

Com a revisão de literatura sobre inovação social, reconhecimento e projetos pedagógicos para surdos evidenciaram-se a complexidade do tema, que, ademais, se vincularam aos processos histórico-políticos dos movimentos sociais dos surdos, frente aos dilemas sobre as diferentes propostas pedagógicas em processo de metabolização.

Ao alinhar os referenciais teórico-metodológicos, vale-se registrar um último aspecto, num breve depoimento, a título de autorreconhecimento, visto a condição deste pesquisador como pessoa com deficiência. Ao propor pensar o tema da surdez na perspectiva da luta pelo reconhecimento, encontrou em si próprio subjetividade e

(26)

26

identidade como surdo, cotista e ser social. Ademais, pesquisou-se a perspectiva interdisciplinar como chave analítica fundamental neste horizonte, que busca uma sociedade igualitária e radicalmente democrática.

(27)

27

2REFERENCIALTEÓRICO

Para subsidiar, teoricamente, esta proposta de estudo, apresenta-se, a seguir, a problematização das categorias de análise que permitam responder ao principal problema de pesquisa, a saber, de como as práticas de reconhecimento da pessoa surda desenvolvidas na unidade IFSC Campus Palhoça Bilíngue se configuram como inovação social.

Nesse sentido, desenvolveu-se uma reflexão sobre: o contexto da questão da surdez (2.1), o reconhecimento (2.2), a educação como alternativa de construção do reconhecimento (2.3) e a inovação social (2.4). Tais temas serão tomados como vetores analíticos, que servirão de base para a reflexão a ser alinhada na dissertação.

2.1 CONTEXTO DA QUESTÃO DA SURDEZ

Na esfera da estima, infere-se também uma luta pela ressignificação do estigma da surdez, valorizando a identidade desses sujeitos, já que o orgulho de ser surdo é elencado e trata-se de uma busca pela marcação de uma diferença concomitante com a desconstrução de parâmetros que tomam a surdez como deficiência. Nesse sentido, Honneth (2003, p. 207) aponta que:

Nas sociedades modernas, as relações de estima social estão sujeitas a uma luta permanente na qual os diversos grupos procuram elevar, com os meios da força simbólica e em referência às finalidades gerais, o valor das capacidades associadas à sua forma de vida. Contudo, o que decide sobre o desfecho dessas lutas, estabilizado apenas temporariamente, não é apenas o poder dispor dos meios da força simbólica, específico de determinados grupos, mas também o clima, dificilmente influenciável, das atenções públicas: quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para a importância negligenciada das propriedades e das capacidades representadas por eles de modo coletivo, tanto mais existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade o valor social ou, mais precisamente, a reputação de seus membros.

O modo como acontece o reconhecimento induz a uma visão híbrida deste, como um amálgama que envolve diversas maneiras na constituição do sujeito. Honneth aponta que “[...] hoje é praticamente incalculável o número de grupos organizados ou informais, cuja existência está dedicada exclusivamente à prática de determinados aspectos valorativos, os quais permitem que seus membros se

(28)

28

reafirmem reciprocamente em suas habilidades e talentos próprios” (HONNETH, 2013, p. 68).

A inclusão dos alunos com deficiência na seara educacional é reconhecida aqui como um consenso que tem se tornado realidade, já que é garantida por leis, como uma questão de direito e de respeito à diversidade. A presença do aluno surdo no ensino fundamental, médio e no ensino superior precisa de efetivação através de ações que garantam tanto o seu ingresso quanto a sua permanência.

Estudos anteriores como os de Marques (2014, p.38) analisam como os recursos tecnológicos têm sido utilizados como apoio ao processo de ensino e de aprendizagem para a inclusão desses estudantes, já que, pela via da educação profissional, se acrescenta o desafio da formação profissional para a inserção da pessoa surda no mercado de trabalho. Assim, é importante saber, mediante tal fato, como as instituições que ofertam este nível de ensino estão se organizando para responder às reais necessidades dos estudantes, bem como em que medida respondem no horizonte da educação inclusiva garantida por lei.

Em Correia Sobrinho (2016, p. 40) pode-se encontrar a análise de um perfil, traçando as ações que buscam a educação inclusiva por LIBRAS e seus fundamentos, resultando em que elas são tipicamente legalistas e, em geral, favoráveis ao reconhecimento e deferimento do direito fundamental. Outrossim, encontra-se também o termo “subcidadania”, diretamente vinculado à falta de reconhecimento social de determinada pessoa ou classe, tendo, como fator explícito, a existência de normas e constituição álibis que, ao final, apenas fingem efetivar a inclusão dentro do Estado Social (CORREIA SOBRINHO, 2016).

Um conceito de linguagem permite indicar o tipo de análise realizada, levando em conta a complexidade da vida cotidiana. Contudo, ainda está aberta ao enquadramento da identidade e da linguagem como entidades inseparáveis, abrindo aspectos da ética a exemplos empíricos, alinhando-se com a abordagem neo-hegeliana, de Honneth (2003, p. 44), ao conceito de reconhecimento.

É exatamente essa compreensão de si mesmo como “outro” em relação aos outros por aqueles que criam, aplicam e interpretam o Direito que permite ao Direito reconhecer as diferenças nos casos concretos e, ao invés de reproduzir a violência, promover a composição respeitosa dos conflitos sociais concretamente. A afirmação da diferença como direito humano surge do fortalecimento das diferentes pautas

(29)

29

construídas por grupos minoritários, que se sentiram prejudicados pela disseminação de discursos políticos, midiáticos e instrumentos normativos com vistas à homogeneização da identidade (PERUZZO; LOPES, 2019).

O que de fato objetiva é a manutenção do status quo englobando questões que se pautarão em aspectos sociais, econômicos, políticos, ou seja, uma verdadeira plêiade fará com que esses grupos fiquem à margem da sociedade, em busca do que se convém denominar de reconhecimento, conceito que pode-se considerar como “as lutas moralmente motivadas de grupos sociais” como tentativa coletiva de estabelecer, institucional e culturalmente, formas ampliadas de reconhecimento recíproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida das sociedades (HONNETH, 2003, p. 156).

Em seu estudo, Ramos (2017) reporta-se aos fundamentos da teoria do reconhecimento formulada por Axel Honneth com vistas a ampliar sua análise acerca do movimento social surdo. Assim, busca estabelecer uma associação entre a teoria honnethiana e a luta social do movimento surdo no Brasil, interpretando esta luta social como uma luta por reconhecimento. Ao sintetizar o pensamento de Honneth, Ramos (2017) destaca que, para cada forma de reconhecimento, correspondem formas de desrespeito, as quais afetam a autorrelação prática de um indivíduo, privando-o do reconhecimento de determinadas pretensões de identidade. As experiências sociais e - portanto, com impacto intersubjetivo - de desrespeito suscitam reações emocionais negativas, uma vez que os sujeitos reconhecem que algo lhe é negado.

Desse modo, nas trilhas de Honneth (2003), a luta social do movimento surdo corresponde-se a moldes da luta por reconhecimento - a uma exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento, impulsionada por experiências de desrespeito que os sujeitos surdos têm vivenciado ao longo da história. Para exemplificar, Ramos (2017,) destaca os sentimentos de desrespeito e/ou de injustiça social experimentados pelos sujeitos surdos, como as atuais propostas de educação inclusiva que os privam de uma educação verdadeiramente bilíngue, que valorize suas especificidades cognitivas, linguísticas e culturais, no contexto educacional. Tais propostas se apresentam na contramão das reivindicações do movimento dos surdos, revelando o descaso à violação de direitos no âmbito das relações jurídicas, entendidas aqui como expressão das medidas governamentais.

(30)

30

O não reconhecimento e a desvalorização de sua diferença, de sua língua, de sua cultura e de sua identidade nas diferentes esferas sociais, a partir de concepções terapêuticas e práticas normalizadoras, atuam como catalisadores, como impulso motivacional para a luta social do movimento surdo, com vistas ao reconhecimento intersubjetivo e social, o reconhecimento de seu direito a uma educação de qualidade e que atenda às suas singularidades, e o reconhecimento de sua língua, cultura e identidade nos diferentes espaços sociais (RAMOS, 2017).

Peruzzo e Lopes (2019,p. 01), com seus estudos, objetivam analisar o direito às diferenças das pessoas com deficiência no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, partindo da seguinte hipótese: “a observância das orientações emanadas desse sistema regional tem o condão de fornecer à jurisdição e às políticas públicas internas uma concepção mais completa a respeito desse grupo de indivíduos”.

Para Peruzzo e Lopes (2019, p. 01), essas orientações expressam que “as pessoas com deficiência são aquelas que apresentam diferentes formas de estar no mundo e que demandam a garantia de recursos materiais e comportamentais para o exercício de seus direitos”. De certa forma, tal perspectiva diverge das proposições igualitaristas dos movimentos de luta por reconhecimento, que peculiariza o protagonismo dos surdos na definição da sua condição de sujeitos bilíngues, frente à educação dos ouvintes.

Cabe destacar o intuito do trabalho de Peruzzo e Lopes (2019) de apresentar tanto a compreensão deles como a descrição das diferentes concepções acerca da deficiência, numa perspectiva de análise baseada no direito às diferenças, conforme apontam os documentos internacionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, permitindo evidenciar, com clareza, um aspecto de identificação que aproxima as pautas de luta por direitos das pessoas com deficiência - PcD, neste caso, como as pessoas surdas, com as pautas de outros grupos social e culturalmente singulares.

Ressaltam esses autores que Honneth (2003, p. 256) em sua tese sobre a luta por reconhecimento, vê no direito uma esfera de reconhecimento, ao lado do amor e da estima social. Assim, tal reconhecimento na esfera do Direito ou jurídico-administrativa se efetiva, inicialmente, a partir da percepção da simbiose existente entre todos os membros implicados nas relações jurídicas de direitos e deveres recíprocos. Na sequência, após essa percepção, o reconhecimento se desenvolve no

(31)

31

sentido do autorrespeito, na medida em que o processo de individuação pode ocorrer sem o risco de se traduzir em egoísmo, visto que o egoísmo não é decorrência da individuação simplesmente, mas da individuação alienada do fato de existir uma simbiose entre todos os membros do corpo social (PERUZZO; LOPES, 2019).

Elegendo um tema correlato ao da formação educacional, Martins (2019) analisa a relação entre educação e tecnologia, argumentando sobre os limites, os desafios e as possibilidades de enfrentamento do que é chamado de crise da inteligência, e sobre como as novas tecnologias transformam o modo de pensar e agir das pessoas, ressaltando que muitas são as pesquisas que refletem as influências negativas das novas tecnologias; no campo educacional, no entanto, são raros os trabalhos que destacam tais dificuldades.

O uso dessas tecnologias, como por exemplo a luva que traduz linguagem surda, não é consensual, pois há os que entendem que elas têm comprometido o desenvolvimento de importantes capacidades cognitivas, como a memória, a imaginação e, também, a faculdade do pensar e cooperar.

Para enfrentar esses desafios, Martins (2019) recomenda e chama a atenção para o quão importante é a criação de espaços e práticas estimuladoras de participação ativa dos educandos em sua própria formação. Primeiro, no caso das novas tecnologias, deve-se mostrar que os estudantes precisam aprender a dividi-las, limitando, mas, ao mesmo tempo, ofertando a oportunidade de aprender a usar essas novas tecnologias, de maneira diferente da individualista, de forma cooperativa.

Assim, sugere que estimular práticas, como as assembleias, pode ser uma boa iniciativa, visto que esses são espaços privilegiados, onde os mais jovens podem alcançar o autorrespeito, e oferecem a todos a oportunidade equitativa de participação da vida e da organização da instituição de que participam, podendo oferecer a oportunidade de cada sujeito ampliar capacidades individuais e melhorar as relações, inclusive da organização do ambiente educacional.

Em direção semelhante, Garcêz e Maia (2009) indagam se a internet favorece a que grupos minoritários e marginalizados se expressem, atentando, ainda, para a luta pelo reconhecimento, empreendida por pessoas surdas e para a representação política das lideranças do movimento social dos surdos, bem como as contestações que torneiam o significado de "bem comum", definido pelos membros dessa coletividade.

(32)

32

O material de análise assumido no estudo de Garcêz e Maia (2009) são os testemunhos de vida manifestados em dois ambientes virtuais diferentes na Internet: o sítio eletrônico de uma associação de surdos – a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis); – e um fórum de discussão de uma rede virtual de relacionamentos Orkut1.

Os testemunhos do sítio da Feneis revelaram um discurso público relativamente homogêneo – com definições de bem-viver e projeções de metas futuras, mediando a formação da opinião e a expressão da vontade política; já a análise do fórum do Orkut, que mostrava os afetados e concernidos, discutindo sobre suas aspirações e interesses individuais, produziu fragmentos sobre detalhes do bem comum. Assim, argumentam que o uso do testemunho pode produzir diferentes efeitos relativos ao intercâmbio de experiências, à defesa da legitimidade reivindicatória e à aprendizagem coletiva, nos ambientes virtuais distintos.

Argumentam, também, que a teoria do reconhecimento de Honneth (2003, 2007a, 2012) abre espaços promissores para explorar o papel da emoção na política, particularmente quando questões de injustiça estão em jogo (GARCÊZ; MAIA, 2009). Embora apoiem a visão de Honneth (2007b) de que “sentimentos de injustiça” são uma fonte importante de inteligibilidade de injustiça e que indivíduos desfavorecidos precisam construir uma “estrutura interpretativa compartilhada” nas lutas por reconhecimento, Garcêz e Maia (2009) afirmam ser necessária uma explicação mais sutil da justificação discursiva, para lidar com divergências e discordâncias morais.

Por seu turno, Xavier (2018), em estudo comparativo da luta político-linguística surda, no Brasil e nos Estados Unidos da América, mostra que o campo das Políticas Linguísticas vem se dedicando, cada vez mais, a estudar os modos como as relações sociais internas e externas às comunidades linguísticas atuam politicamente sobre a língua. Nessa comparação, exemplarmente, a pesquisa de Xavier (2018), realizada em 93 países sobre a condição linguística das pessoas surdas, traz à luz o dado que o acesso dessas pessoas à informação, bem como o debate de ideias dependem do status de suas línguas de sinais e como as línguas atuam sobre as condições para sua cidadania.

1 Embora o Orkut não exista mais nas redes sociais, mantivemos o exemplo por ser pertinente aos propósitos da pesquisa.

(33)

33

Completados dez anos da Convenção das Nações Unidas, responsável pelo transporte da identidade linguística surda para o quadro do Sistema Internacional de Direitos Humanos (ONU, 2007), destaca-se a importância de se estudar, em diferentes países, de que modo os ativistas dessa minoria linguística aparecem na esfera pública, demandando políticas para mudança no status de suas línguas de sinais de forma a mostrar-se relevante para o objetivo de dimensionar de que maneiras a identidade linguística – na minorização pela língua oral dominante ou na afirmação das línguas de sinais – se relaciona com a cidadania de pessoas surdas (XAVIER, 2018).

Alinhada aos autores já referidos, Barros (2015), em seu estudo, discorre que as mobilizações da comunidade surda no Brasil têm como um dos objetivos principais a conquista das escolas bilíngues para surdos, sendo que o principal coletivo organizado em nome desses direitos denomina-se “Movimento Surdo em favor da Educação e da Cultura Surda”. Montado no ano 2011, o Movimento agrega lideranças das instituições representativas, por várias cidades do Brasil.

Em sua análise, reflete sobre as estratégias utilizadas na condução de algumas das ações organizativas do coletivo abordado, compreendendo as suas formas de representação e ampliando o conhecimento junto aos processos de construção dos sentidos investidos no mesmo grupo. Além disso, concebe a articulação dos sujeitos envolvidos na luta pela conquista dos seus direitos e por reconhecimento, apresentando evidências sobre a complexa dinâmica das disputas pela construção de tais normatividades, e contextualizando a ressignificação das concepções de surdez e deficiência (BARROS, 2015).

Valendo-se de dados etnográficos, diários de campo, documentos oficiais e entrevistas, Barros (2015) demonstrou as distintas interpretações da ideia de inclusão por parte do Estado e do Movimento Social, notando os processos contínuos de reformulação dos estigmas. Assim, trouxe para seu trabalho os debates realizados por Axel Honneth (2003), abordando o conceito trazido da filosofia hegeliana à teoria crítica, compreendendo a estrutura das relações sociais através da gramática do reconhecimento, admitindo que a análise dos conflitos sociais centra-se na compreensão das dinâmicas sociais e na construção da identidade social e coletiva. Analisando o movimento social em questão, Barros (2015, p. 71) considera, num determinado momento, como aporte analítico, esse modelo teórico e os tipos de

(34)

34

reconhecimento por Honneth (2003) organizados, referindo-se aos âmbitos do amor, dos direitos e da estima social, com destaque para as “identidades surdas”, como variadas de acordo com a experiência dos sujeitos.

Traçando linha aproximada a esses trabalhos, Lins, Nascimento e Souza (2017) citam a correlação entre o pensamento de Honneth e os desafios da pessoa surda, advogando a ideia de que a representação do surdo, realizada na literatura pelo próprio surdo (autorrepresentação) ou por pares com os quais se estabelece uma relação de alteridade (alterorrepresentação), viabiliza o discurso realista da vida e do cotidiano dos surdos. Nesse caso, a literatura surda supera a condição de entreter e divertir, passando a ser uma estratégia de mobilização e militância pelos direitos dessas pessoas.

Gonzalez e Garnica (2015, p. 124), por sua vez, refletem, a partir de uma perspectiva bioética, sobre a relação entre o reconhecimento das habilidades de aprender a ler com alunos surdos e as práticas pedagógicas e linguísticas desenvolvidas na escola tradicional, defendendo a tese de que eventos negativos “são articulados muito mais claramente” e, portanto, são mais facilmente apreendidos do que manifestações ou posições positivas.

Sob aspecto não muito diverso, Andreis-Witkoski (2011) realizou estudo etnográfico, com base teórica socioantropológica sobre a surdez, em que a analisa na perspectiva de ser ela uma diferença, contrapondo-se aos discursos clínico-terapêuticos. A pesquisa de campo desenvolveu-se durante todo o ano de 2010, em uma escola para surdos, de uma capital brasileira, que, oficialmente, se autodenomina como bilíngue. A observação efetivou-se no espaço da sala de aula, de uma turma de alunos surdos, da sétima série, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais, tendo a realidade observada demonstrado que, na contramão da proposta bilíngue, prevista para a educação dos surdos, a escola representante do universo de outras escolas para surdos configurava-se ausente de um ensino qualificado e diferenciado para os surdos, predominando as práticas oralistas. Confirmou, assim, que a escola ainda produzia e reproduzia práticas que induzem à condição de iletrados funcionais que a maioria dos surdos brasileiros alcança, mesmo depois de permanecerem anos nos bancos escolares.

Nessa mesma perspectiva, concluindo sua pesquisa, Possidente (2014) discorre que a educação dos surdos é marcada, historicamente, pela exclusão, pois,

(35)

35

de forma geral, ela foi - e ainda tem sido - pensada a partir de uma concepção ouvinte de educação, que considera os surdos como dependentes dos ouvintes, e os localiza fora do “padrão de normalidade”, moldado pelos ouvintes. Conceitualmente, o reconhecimento do surdo é alinhado a partir das três dimensões: amor, direitos e solidariedade (POSSIDENTE, 2014).

Seguindo um pouco mais além, a pesquisa de Nasser (2019) mostra que o vínculo entre sociedade e “pessoas com deficiência” mudou ao longo do tempo. Ressalta que a sociedade não poderia prescindir dessas pessoas, enfatizando as barreiras que ela havia construído, independentemente do que impedisse o desenvolvimento de plena autonomia dos surdos. À medida que os modelos surgiram, eles também se entrelaçaram, e essas misturas não apenas enfatizam a pessoa e seus direitos na sociedade da qual fazem parte, de algum modo, elas estabeleceram vínculos de identidade.

No estudo de Kermit (2019) são feitas abordagens teóricas de crítica ao conceito de reconhecimento, enfatizando a influência hegeliana na ideia de luta, moralmente motivada para obter uma identidade que possa ser caracterizada como autêntica.

Pelo exposto, observa-se o enfoque no caráter prático-social que distingue esses estudos, quando buscam se referenciar em experiências concretas, “que propalam a intenção de promover a inovação e, com ela, a transformação social” (NUNES et al., 2018, p. 172). Honneth (2003, p. 273) é ainda mais agudo, indo além ao afirmar que a verdadeira autonomia só é conquistada depois de aprender a cooperar. É preciso cooperar para enfrentar os conflitos e desafios típicos das sociedades humanas, marcadas pela exclusão em vários níveis.

É nessa perspectiva da educação de surdos, como prática de inovação transformadora, que se discute, a seguir, o espectro da inovação social.

2.2 O RECONHECIMENTO

O aprofundamento do estudo proposto nesta dissertação sobre as práticas educacionais para surdos, que se configurem em inovação social, requer

(36)

36

problematizar o tema do reconhecimento, na medida em que é também pauta deste trabalho o enfrentamento dos estigmas e preconceitos.

O trabalho desenvolvido por Silva (2008) nos mostra que outra grande preocupação da comunidade surda é com o ensino da língua oficial do país, a língua portuguesa, que na Política de Educação de Surdos de Santa Catarina enfatiza seu ensino como uma segunda língua em sua modalidade escrita. Apesar do recente reconhecimento ainda são incipientes as pesquisas sobre como acontece tal processo de ensino-aprendizagem com concepções de ensino de segunda língua que sejam diferenciadas das pesquisas de aquisição de línguas orais-auditivas.

De acordo com Andreis-Witkoski (2011, p. 04), há uma confirmação de que a escola continua produzindo e reproduzindo práticas induzentes à condição de iletrados-funcionais, sendo o que a maioria dos surdos brasileiros alcança, mesmo depois de permanecerem anos nos bancos escolares. Entre os fatores que conduzem a esse resultado, a análise dos dados empíricos, conforme Andreis-Witkoski (2011, p. 07) aponta para o preconceito contra os alunos surdos, que os estigmatiza como deficientes e sem condições efetivas de desenvolvimento semelhante aos ouvintes, bem como a não formação ou formação deficitária dos professores, com as tentativas de normalização do surdo à cultura hegemônica, que repercutem, negativamente, na sua formação identitária e no seu sentimento de pertença, associado ao reconhecimento da legitimidade dos direitos especiais alcançados, recentemente, na sociedade brasileira, tendo em vista a reparação dos obstáculos sociais e estruturais que a sociedade preserva, não obstante a excludência que ela expresse.

Trata-se, portanto, de abordar o tema dos direitos dos surdos do ponto de vista democrático, pois se os sujeitos não se constituírem como atores políticos protagonistas, certamente não serão considerados na elaboração dos princípios e ações, salvo de maneira derivada ou em estágio posterior. Se a garantia dos direitos especiais alcançou a legitimidade política e filosófica como expressão da própria justiça, igualdade e liberdade, vale ressaltar que este estágio se modifica hoje, ao se expandir para além do reconhecimento legal da condição de sujeito de direitos, para o que Honneth (2003, p. 47) chama de reconhecimento intersubjetivo.

Retornando a Barros (2015, p. 85) e de posse do conhecimento de que há um contexto de confronto político relacionado à elaboração de argumentos legais para a realização de uma política pública, fazendo-se necessário observar como os conceitos

(37)

37

nativos de cultura surda e identidade surda inserem-se na construção das ideias a fim de justificar a necessidade das escolas bilíngues para surdos, observa-se que os movimentos sociais e o processo de construção legislativa são exemplares. Sabe-se, ao mesmo tempo, que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015) culminou em uma série de ações e esforços normativos e regulatórios, com o objetivo de definir de forma inédita os direitos, mas, por outro lado, esse processo não alcançou a amplificação das próprias vozes dos protagonistas diretamente afetadas pela nova legislação.

Com o surgimento de debates políticos e movimentos sociais, o conceito de reconhecimento começou a ganhar notoriedade em várias vertentes teóricas. Martins (2019, p. 02), por exemplo, equaliza a concepção de que a educação e suas instituições deixam-se orientar pelo consumo e pelo utilitarismo, no sentido que, para o consumo, o reconhecimento está associado à capacidade de acumulação, e, no utilitarismo, o indivíduo é reconhecido pelo que ele faz profissionalmente. Todavia, consumismo e utilitarismo não são os únicos aspectos da cultura contemporânea responsáveis pela atual situação da educação, destaca Martins (2019), exemplificando o caso do multiculturalismo e dos estudos feministas, em que tal ideal de respeito às diferenças dos indivíduos e grupos sociais é compartilhada, considerando que “a qualidade moral das relações sociais não pode ser mensurada exclusivamente em termos de uma distribuição justa ou equitativa de bens materiais” (HONNETH, 2007, p. 81), afirmando que, através do reconhecimento intersubjetivo, os sujeitos podem assegurar a garantia plena de suas capacidades e uma autorrelação marcada pela integridade.

Para Lins, Nascimento e Souza (2017, p. 11), Honneth (2003, p. 267) dá subsídio para que se proponha um quadro explicativo para o caso da história dos surdos:

O húmus dessas formas coletivas de resistência é preparado por semânticas subculturais em que se encontra para os sentimentos de injustiça uma linguagem comum, remetendo, por mais indiretamente que seja, às possibilidades de uma ampliação das relações de reconhecimento.

Estabelecendo que o pilar das lutas por reconhecimento está firmado, essencialmente, na ressignificação da ideia de que a ausência da audição impossibilita o indivíduo de ter uma vida semelhante àquela dos que ouvem. Assim, a

(38)

38

existência das línguas de sinais é utilizada como principal argumento de que, aos que não ouvem, não lhes falta meio de comunicação, ou seja, não lhes faltam pensamentos, argumentações, modos de perceber o mundo

Com essa ideia em vista lê-se, em Possidente (2014, p. 44), na percepção do relatório sobre a Política Linguística da Educação Bilíngue, elaborado pela comunidade surda (BRASIL, 2014), que o Português é considerado uma língua importante para o aprendizado escolar, todavia não é a única importante. Tal concepção, apresentada em relação à educação bilíngue, impõe que as duas línguas – Português e LIBRAS – devem coexistir, sem desvalorizar uma cultura em detrimento da outra, ou seja, sem que uma cultura - ouvinte ou surda - seja dominada por outra. Esses sujeitos buscam demonstrar como tal forma de vida é plausível e até preferível para alguns surdos, superando o desrespeito, as experiências de maus-tratos corporais, o abalo da autoconfiança.

As humilhações físicas privam o direito básico do ser humano à liberdade sobre o próprio corpo, em relação a si mesmo “e de uma parte de sua confiança elementar no seu mundo” (HONNETH, 2007, p. 85). Dessa forma, as atitudes positivas que os sujeitos tomam uns para com os outros fomentam o autorrespeito, compartilhando, em comunidade, atributos considerados apropriados de um ator moralmente competente.

No caso da extensão social dos direitos, “as relações legais são universalizadas” (HONNETH, 2007, p. 86), e o processo de ampliação dos direitos incorpora cada vez mais grupos que até então estavam “fora e excluídos” de uma comunidade. Assim, a partir dessa universalização, são concedidos a esses grupos direitos, como a todos os outros membros da sociedade. Compreende-se, então, o caminho condensado por Correia Sobrinho (2016, p.103), que encontrou na pesquisa, a conclusão que, quando acionado para a defesa da comunidade surda no que toca à contratação de profissionais de LIBRAS, seja para a iniciativa pública ou privada, em nível básico, médio ou superior, o judiciário tem efetivado as normas internacionais e internas, evitando as normas álibi e de promessa de futuro, reafirmando o dever no cumprimento dos direitos fundamentais das pessoas surdas. Portanto, resta claro que esse tipo de reconhecimento tem como cerne um processo de universalização que se amplia na medida em que as lutas sociais avançam na história.

Referências

Documentos relacionados

54, inciso III, atendimento educacional especializado (AEE) às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Tendo em vista o aparato legal que

Nesta tarefa, é importante não perder de vista a realidade "sistêmica" das escolas, como consequência dos quais as alterações que neles se pretendem introduzir,

Em São Jerônimo da Serra foram identificadas rochas pertencentes à Formação Rio do Rasto (Grupo Passa Dois) e as formações Pirambóia, Botucatu e Serra Geral (Grupo São

Os alunos com deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos, mas todos sabemos que a maioria dos que fracassam na escola são

Aos meus pais que sempre me apoiaram e não mediram esforços para que eu chegasse até esta

O objeto do presente Credenciamento é o cadastramento de Agricultores Familiares para os fins de aquisição de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar para o

Instituições de ensino na área da biblioteconomia devem oferecer treinamento no provimento de serviços para a comunidade surda, como parte regular de seu currículo básico

forte êxodo rural para os grandes centros urbanos e para outros estados brasileiros (PIFFER, 1999). A construção da usina de Itaipu Binacional entre as décadas de 1970 e