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Recortes e cenas da vida de dândi

CAPÍTULO I – Honoré de Balzac e os ensaios de dandismo

1.3 Recortes e cenas da vida de dândi

Tomemos aqui um fragmento de uma romance balzaquiano no qual o “dandismo” é um dos temas centrais:

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47 Em 1824, no último baile da Ópera, muitos máscaras foram tocados pela beleza de um rapaz que passeava pelos corredores e pelo salão (...). O segredo desta démarche, ora indolente ora apressado, só é conhecido das velhas e de alguns flâneurs eméritos. (...) O jovem dândi andava tão absorto na sua inquieta busca, que não reparava no seu sucesso: as exclamações zombeteiramente admirativas de certos máscaras, os espantos sérios, os ditos mordentes, as mais doces palavras, ele não via nem ouvia nada. (...) O rapaz interessava: quanto mais andava, mais curiosidade despertava. Tudo, enfim denunciava nele os hábitos de um viver elegante. (...) A beleza, a juventude, podiam mascarar nele profundos abismos, como sucede a muitos rapazes que querem representar um papel em Paris sem possuírem o capital necessário às suas pretensões, e que cada dia jogam tudo numa cartada, sacrificando ao deus mais cortejado nesta régia cidade, o Acaso. Mas, o seu traje e as suas maneiras eram irresponsáveis; pisava o clássico soalho do salão como um freqüentador da Ópera. Quem não terá reparado que ali, como em todas as zonas de Paris, há um modo de ser que revela o que você é, o que você faz, de onde você vem, o que você quer? (Balzac, 1843a, p. 429-432)21 Esta cena da vida parisiense revela muitos elementos do dandismo em La

Comédie humaine. De início, vemos que é no período da Restauração que se passam as

cenas mais importantes dos grandes personagens dândis. Aqui, é Lucien de Rubempré que caminha pelo baile da Opéra na sua primeira aparição após o pacto “diabólico” que ele faz com o misterioso Carlos Herrera. O dândi segue os conselhos de seu mestre exibindo sua beleza, suas graças, seu espírito, sua poesia, uma vez que, nesse “grande teatro chamado mundo”, “tudo está na forma” (Balzac, 1843b, p. 700). Carassus (1971) sublinha que, em Balzac, o dandismo é um dos meios acessórios de uma elevação social dos rapazes que querem fazer seu caminho em Paris: esses personagens encenam o

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En 1824, au dernier bal de l’Opéra, plusieurs masques furent frappés de la beauté d’un jeune homme qui se promenait dans les corridors et dans le foyer (...). Le secret de cette démarche, tour à tour indolente et pressée, n’est connu que des vieilles femmes et de quelques flâneurs émérites. (...) Le jeune dandy était si bien absorbé par son inquiète recherche, qu’il ne s’apercevait pas de son succès : les exclamations railleusement admiratives de certains masques, les étonnements sérieux, les mordants lazzis, les plus douces paroles, il ne les entendait pas, il ne les voyait point. (...) Le jeune homme intéressait : plus il allait, plus il réveillait de curiosités. Tout en lui signalait d’ailleurs les habitudes d’une vie élégante. (...) La beauté, la jeunesse pouvaient masquer chez lui de profonds abîmes, comme chez beaucoup de jeunes gens qui veulent jouer un rôle à Paris sans posséder le capital nécessaire à leurs prétentions, et qui chaque jour risquent le tout pour le tout en sacrifiant au dieu le plus courtisé dans cette cité royale, le Hasard. Néanmoins, sa mise, ses manières étaient irréprochables, il foulait le parquet classique du foyer en habitué de l’Opéra. Qui n’a pas remarqué que là, comme dans toutes les zones de Paris, il est une façon d’être qui révèle ce que vous êtes, ce que vous faites, d’où vous venez, et ce que vous voulez ?

48 dandismo, mas, de fato, a ética deles admite singulares desvios em relação à “ética” do dandismo. Entretanto, discutimos sobre outras possíveis significações éticas, considerando que não é possível compreender o tema do dandismo balzaquiano fora do seu contexto político e social.

Saïdah (1989-1990, p. 535) observa que, na sociedade parisiense de La Comédie

humaine, uma das vias possíveis que um rapaz encontra para marcar sua diferença é o

“dandismo”. Lucien de Rubempré é um dos rapazes que chegam a Paris arriscando “tudo numa cartada, sacrificando ao deus mais cortejado nesta régia cidade, o Acaso” (Balzac, 1843a, p. 429). As narrativas do dandismo balzaquiano são narrativas da aprendizagem, da corrupção, da conquista, da desilusão, da contradição de valores, da amizade, da tragédia. Podemos tomar essas narrativas como alguns estudos balzaquianos dos processos de subjetivação no século XIX. As cenas do dandismo são ricas em análises da démarche do personagem e suas relações com a subjetividade. Em Balzac, a subjetividade se constitui e se revela pelas ações humanas pelas próprias ações: “Quem não terá reparado que ali, como em todas as zonas de Paris, há um modo de ser que revela o que você é, o que você faz, de onde você vem, o que você quer?” (Ibid., p. 432). Enfim, antes de prosseguirmos nesta discussão é necessário apresentar algumas definições dos termos “dandismo” e “dândi”.

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “dândi” significa “homem que se veste com extremo apuro; janota, almofadinha”. O termo “dandismo” refere-se à futilidade e frivolidade. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “indivíduo que se veste e comporta com afetação e delicadeza”; “homem que tem preocupação exagerada com a aparência pessoal”. Neste mesmo dicionário ainda encontramos um dado histórico sobre a origem do dândi: “inicialmente na fronteira entre Inglaterra e Escócia, para fazer referência aos jovens que se vestiam de modo excêntrico; adotado

49 em Londres (1813-1819), para designar ‘homens elegantes’”. Quanto à etimologia do termo “dandismo” tem-se o termo inglês dandyism (1819), substituído pelo termo francês dandysme (1830), o qual é definido como “estilo literário ou artístico do final do século XIX, marcado pelo artificialismo e pelo excessivo refinamento”.

A palavra dandy é de origem inglesa. Prévost (1957/1982) dá três sugestões de fontes: dandi-pratt (moeda de pouco valor), Jack-a-dandy e o diminutivo do nome

Andrew. Segundo o dicionário Oxford22, a palavra “dandy” é a man who cares a lot

about his clothes and appearence e o adjetivo “dandy” quer dizer very good. O

dicionário Cambridge23 apresenta uma forma de adjetivo: jim-dandy. No dicionário da língua francesa Nouveau Petit Robert de la langue française – 2009, lê-se: « dandy, mot

anglais d’origine inconnue – homme qui se pique d’une suprême élégance dans sa mise

et ses manières (type élégant du XIXe siècle) » ; « dandysme, manières élégantes,

raffinement, attitude morale (détachement, esthétisme non conformiste) du dandy ». O

Grand Larousse Encyplopédique – 2007 apresenta o seguinte significado: « homme

élégant qui associe au raffinement vestimentaire une affectation d’esprit et

d’impertinance ». O Nouveau Littré – 2004 apresenta assim: « homme recherché dans

sa toilette et éxagérant les modes jusqu’au ridicule ».

Scaraffia (1988) considera muito difícil traçar a história de um fenômeno tal como o dandismo, pois, desde sua aparição, ele se transformou em mito pela literatura. Os precursores dos dandys são os macaronis: jovens cosmopolitas, refinados e extravagantes nas vestimentas, nascidos na Inglaterra em meados de 1770, que tinham herdado este nome nas viagens pela Itália. Em Londres, sob a regência do príncipe George IV, se passa a encenação do protagonismo da história do dandismo: George

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Oxford, Advanced Learner’s Dictionary of Current English, 7th edition, 2005. 23

Cambridge, Advanced Learner’s Dictionary, 2003. Exemplo de utilização do adjetivo “dandy”: Shall we meet at six ? Sure, that’s just dandy.

50 Bryan Brummel (1778-1840). No mundo da aristocracia, o Beau Brummel representa “um modelo de elegância que corresponde perfeitamente ao ideal de uma sociedade exclusiva” com “uma virtude mais heróica e menos acessível à burguesia: a distinção” (Scaraffia, 1988, p. 19). Na sua juventude, Lord Byron (1788-1824) bebe e joga com os dândis, realizando assim, um estágio em dandismo. Ele se torna célebre em toda Europa graças à sua obra e seu modo de vida original e escandaloso: aí está uma marca do início do dandismo no século XIX. Nesta época, existe uma anglomania pela França importando toda uma frota lexical que se instala sobre um terreno favorável. Assim,

dandys será o plural “francesado” da palavra inglesa dandy (no plural: dandies). Os

primeiros dandies que atravessam o canal de la Manche e chegam em Paris são considerados pelos franceses como um produto inglês que suscita algumas imitações pelo continente: “não faltava, aliás, pessoas para protestar contra os modismos” (Boulenger, 1932, p. 42). Vejamos uma cena da anglomania em Balzac:

A Marquesa d’Espard (...) dizia que um rapaz deveria morar em um

entresol, não ter nada que possa parecer um lar, nem fogão, nem cozinha,

ser servido por um criado idoso, e não anunciar qualquer pretensão à estabilidade. Segundo ela, todos os outros tipos de estabelecimentos são de mau gosto. Godefroid de Beaudenord, fiel a este programa, morava no

quai Malaquais, num entresol; entretanto ele tinha sido forçado a ter uma

pequena semelhança com as pessoas casadas, colocando no seu quarto uma cama que, aliás, de tão pequena ela ocupava pouco espaço. Uma moça inglesa que entrasse ali por acaso não poderia encontrar nada de

improper. (Balzac, 1838a, p. 343)24

Aqui encontramos dois exemplos da anglomania em Paris que influencia o desenvolvimento do dandismo francês: o uso da expressão inglesa improper para se referir a tudo que é antiquado e o novo costume de morar em entresol – estilo de

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La marquise d’Espard (...) disait qu’un jeune homme devait demeurer dans un entresol, n’avoir chez lui rien qui sentît le ménage, ni cuisinière, ni cuisine, être servi par un vieux domestique, et n’annoncer aucune prétention à la stabilité. Selon elle, tout autre établissement est de mauvais goût. Godefroid de Beaudenord, fidèle à ce programme, logeait quai Malaquais, dans un entresol ; néanmoins il avait été forcé d’avoir une petite similitude avec les gens mariés, en mettant dans sa chambre un lit d’ailleurs si étroit qu’il y tenait peu. Une Anglaise, entrée par hasard chez lui, n’y aurait pu rien trouver d’improper.

51 sobreloja na qual os rapazes da moda se alojavam temporariamente. O personagem dândi Godefroid de Beaudenord incorpora alguns destes modismos e o personagem jornalista Émile Blondet – um “príncipe da crítica parisiense” – faz seu comentário:

Quando pensamos que há na França gente boba querendo nela importar as solenes besteiras que os ingleses fazem na terra deles com este belo sangue frio que vocês conhecem, diz Blondet, é de fazer arrepiar qualquer um que tenha visitado a Inglaterra e se recorde dos graciosos e charmosos costumes franceses. (Balzac, 1838a, p. 344)25

Boulenger (1932) comenta que os dandys de Paris, apesar dos seus conscientes esforços, não chegam jamais a se parecerem completamente com os dandies de Londres. Ele observa que o dandy parisiense sempre aparece em público exageradamente bem vestido e abusando dos acessórios da moda. A princípio, Balzac foi um dos críticos da “onda” dandy. No fim do ano de 1830, a revista La Mode26 publica um artigo de Balzac intitulado Traité de la vie élégante que considera o dandismo “uma heresia da vida elegante” (Balzac, 1830b, p. 247). Nesse ensaio balzaquiano, a vida elegante é a “ciência das maneiras”, na qual: “Não basta ter se tornado ou ter nascido rico para levar uma vida elegante, é preciso ter o sentimento do viver elegante” (Ibid., p. 220). Este estudo de moda considera as transformações sociais e políticas da sociedade francesa: as diferenças de classe desapareceram; não existem mais nuances que separa um aristocrata de um burguês. Assim, a vida élégante, caracterizada por um savoir-vivre, uma elegância de maneiras, o « je ne sais quoi », frutos de uma educação completa, diferenciam os homens.

Balzac vê os primeiros dandys e os considera uma “afetação da moda”: “fazendo-se dandy, um homem se torna um móvel de boudoir (...), mas um homem pensante?... jamais”. Parece-nos que é exatamente essa a primeira impressão que

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Quand on pense qu’il est en France des niais qui veulent y importer les solennelles bêtises que les Anglais font chez eux avec ce beau sang-froid que vous leur connaissez, dit Blondet, il y a de quoi faire frémir quiconque a vu l’Angleterre et se souvient des gracieuses et charmantes mœurs françaises. 26

52 qualquer um de nós tem quando nos deparamos com a figura do dândi na história, ou na literatura, ou no cinema, etc. O sentido pejorativo que encontramos nos dicionários – almofadinha, futilidade, frivolidade, ridículo – também aparece neste ensaio balzaquiano. E acrescenta: “o homem que não vê na moda outra coisa que não seja a moda é um tolo. A vida elegante não exclui nem o pensamento, nem a ciência; ela os consagra” (Balzac, 1830b, p. 247). De 1830 até 1834, alguns personagens com características de dandys vão aparecer nos romances balzaquianos, mas eles ainda não são heróis romanescos. Eles aparecem como personagens menores e ainda com uma certa impressão negativa do autor. Em La Peau de chagrin (publicado em 1831), um

jeune viveur (um “jovem vivedor”), personagem que é um tipo “espertalhão” que

consegue viver no luxo da alta sociedade parisiense tornando-se amante da esposa do mais rico banqueiro de La Comédie humaine, será nomeado na edição de 1834 como Eugène de Rastignac. Este mesmo personagem será o herói romântico do romance Le

Père Goriot (publicado em 1834), um dos mais importantes personagens balzaquianos;

será um porta-voz de partes do pensamento social, político e psicológico balzaquiano. Balzac re-cria o dandismo. Ou, diríamos, ele constrói uma démarche complexa e inteligente para o dandismo francês.

Na França, o dandismo é um fenômeno que adquire diferentes formas e sentidos. Segundo Carassus (1971), há os dandys franceses que se aproximam da aristocracia elegante e os dandys franceses que se identificam com a bohème des lettres: estes, na sua maioria, são jornalistas e poetas. Estes jovens dandys da bohème des lettres se satisfazem com cuidados de suas vestimentas e no culto da “dolce vita” celebrado nos bulevares de Paris. Este tipo de dandismo se apresenta em desacordo com o dandismo de Brummell que se voltava para o ambiente da aristocracia. Em relação ao dandismo inglês, os dândis boêmios franceses estão mergulhados na vida dos artistas, são muito

53 mais espontâneos, menos formais, mais distraídos e relaxados na maneira de andar, vivem com mais intensidade e mais fantasia. Mas, em relação à sociedade burguesa em ascensão e seus valores de pudor e privacidade, os dândis boêmios franceses tentam “criar uma nova elite, em parte influenciada pelos dândis ingleses, em parte pelas tradições do Antigo Regime no século XVIII, em parte pelos dramas de um romantismo exuberante, e enfim, abandonada às iniciativas individuais que se exibem em público” (Ibid., p. 36). Barbéris (1973) comenta que esse tipo de dandismo boêmio, sem fortuna, vivendo nos bulevares seria um tipo mais maduro de dandismo: sua prolongação nos anos 1970 seria os blue-jeans, os cabelos longos, os pés descalços.

Citemos três dos dândis franceses famosos que criaram formas e sentidos ao dandismo na época de Balzac. O dândi e mecenas Le comte Alfred d’Orsay (1801- 1852), amante das belas artes, das cores e das modas exuberantes: “diziam que, prevendo a aproximação do crepúsculo, o astro dândi já estava coberto de purpurina antes de desaparecer” (Scaraffia, 1988, p. 33). As atividades artísticas do conde d’Orsay anunciavam “a futura aliança entre a arte e o dandismo” (Ibid.). Outro dândi é Eugène Sue (1804-1857), um dândi viajante, nascido numa rica família burguesa, mas, que “se impõe bem jovem nos meios aristocráticos graças a uma elegância e a uma insolência plena de charme” (Ibid., p. 34). Sue herda aos 26 anos a fortuna do seu pai, torna-se amante das mais belas mulheres de Paris, adere ao Jockey Club desde a sua criação em 1833 e, assim, dilapida sua fortuna em sete anos. O dândi tinha iniciado sua carreira como escritor publicando obras mondaines, mas após arruinar-se, ele começa a escrever para ganhar a sua vida, convertendo-se ao socialismo e mais tarde tornando-se deputado. Logo, Les Mystères de Paris (1843) – cujo protagonista troca sua roupa de dândi pela roupa do homem do povo – será sua obra-prima. Alfred de Musset (1810- 1857) – “trop dandy!” (“dândi demais!”), como dizia George Sand antes de encontrá-lo

54 – era um ilustre jovem freqüentador da vida elegante do Café Tortoni e dos salões aristocráticos. Debochado e requintado, doce e agressivo, melancólico e embriagado, esse dândi sedutor se torna um dos mais importantes escritores franceses do século XIX. Dentre suas obras, destacamos as célebres peças de teatro Les Caprices de Marianne (1833) e Lorenzaccio (1834), e o romance autobiográfico La Confession d’un enfant du

siècle (1836) no qual ele relata sua relação de amor e loucura com Sand em Veneza.

Não é possível falar de dandismo em um único sentido. Carassus (1971) analisa que existe um tipo de dandismo que chamamos de “literário”, outro “histórico” e outro “mítico”. No primeiro tipo se encontram os personagens dândis balzaquianos27, o Don Juan (Don Juan, 1824) de Lord Byron, o Julien Sorel de Stendhal em Le Rouge et le

Noir (1830), os dândis de Les Diaboliques (1874) de Barbey d’Aurevilly, dentre outros.

O segundo tipo se refere aos homens reais, desde Brummell até os freqüentadores do

boulevard de Gand na Monarquia de Julho28, que ilustram o dandismo segundo suas modalidades diversas. O terceiro tipo se refere a um dândi teórico, um dândi ideal, uma concepção imaginária que nenhum dândi real consegue encarnar, por isso, um mito. Assim, vemos que existem “dandismos” e, por isso, não podemos encontrar uma definição única. Para exemplificar, tomemos os olhares de Balzac, Barbey d’Aurevilly, Charles Baudelaire, Albert Camus, Jean-Paul Sartre e Michel Foucault sobre o “dandismo”.

É difícil apontar com exatidão o que é o dandismo balzaquiano e quem são realmente os dândis balzaquianos. Segundo Saïdah (1989-1990), existem os personagens que são identificados como grandes dândis: dentre eles, os príncipes do dandismo, os dândis da desilusão e o dândi da “substituição”. Não se trata de um grupo

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Ver anexo 06: A Constelação dos dândis balzaquianos. 28

Nesta tese, estudamos o dandismo da época de Balzac. A partir da segunda metade do século XIX, destacam-se alguns importantes dândis como Oscar Wilde (1854-1900), Robert de Montesquiou (1855- 1921), Marcel Proust (1871-1922), dentre outros.

55 estável: existem aqueles que se tornam dândis como Eugène de Rastignac e Lucien de Rubempré, mas um continuará a brilhar e outro perderá suas ilusões; existe aquele que não precisou tornar-se dândi, pois sempre o foi (Henri de Marsay); e ainda aquele que encenará o dandismo numa geração posterior da qual não reconhece mais o brilho de um dândi (La Palférine). E ainda encontramos em Balzac dândis menores, o que quer dizer, que não têm toda força necessária para seguir seu dandismo por motivos sociais, econômicos, políticos ou psicológicos (Charles Grandet, Raoul Nathan, Paul de Manerville, etc). Podemos falar também de rapazes balzaquianos que convivem com os dândis, adquirem hábitos de dândis, são confundidos como dândis em algumas situações: os elegantes, os artistas, os jornalistas, os poetas (Félix de Vandenesse, Ajuda-Pinto, Théodore de Sommervieux, Émile Blondet, Canalis, etc).

O ensaio Du dandysme et de George Brummel (1845/1997) escrito pelo dândi Barbey d’Aurevilly (1808-1889) é considerado o texto da primeira doutrina do dandismo, na qual Brummel será o tipo ideal de um dândi. O que define o dândi em Barbey d’Aurevilly é uma superioridade moral:

Os espíritos que só vêem as coisas de forma reduzida imaginaram que o dandismo é, sobretudo, a arte da encenação, uma feliz e audaciosa ditadura da toilette e da elegância exterior. Com certeza é isso também, mas é muito mais. O dandismo é toda uma maneira de ser, e a única maneira de ser é pelo lado materialmente visível. É uma maneira de ser inteiramente composta de nuances, como acontece sempre nas sociedades bem velhas e bem civilizadas, onde a comédia torna-se tão rara e onde a conveniência triunfa a pena do tédio. (Barbey d’Aurevilly, 1845/1997, p. 44-45)29

Na metade do século XIX, o poeta Charles Baudelaire (1821-1867) faz carreira de dândi. Dizia que sua clássica e impecável indumentária preta estava em harmonia

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Les esprits qui ne voient les choses que par leur plus petit côté ont imaginé que le dandysme était surtout l’art de la mise, une heureuse et audacieuse dictature en fait de toilette et d’élégance extérieure. Très certainement c’est cela aussi ; mais c’est bien davantage. Le dandysme est toute une manière d’être, et l’on n’est pas que par le côté matériellement visible. C’est une manière d’être, entièremente composée de nuances, comme il arrive toujours dans les sociétés très vieilles et très civilisées, où la comédie devient