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Um grito de alarme da boêmia balzaquiana a favor da juventude

CAPÍTULO III – O jovem romântico ensaiando uma prática de subjetivação

3.3 Um grito de alarme da boêmia balzaquiana a favor da juventude

Encontra-se na segunda geração dos dândis balzaquianos um personagem que se impõe como um autêntico porta-voz do mal do século no momento no qual triunfa a Monarquia de Julho. Ele é Charles-Edouard Rusticoli, o Conde de La Palférine, um príncipe da boêmia111. Este novo personagem de origem aristocrática transferida à França com os Médicis é um rapaz de vinte e dois anos. Ele se encontra no ápice do dandismo onde se encontrava Henri de Marsay na geração anterior. La Palférine aparece na cena de La Comédie humaine em 1834, o mesmo ano no qual de Marsay morre. Este dândi tardio112 não é rico e não se ocupa sempre dos cuidados do corpo e de questões de aparência e moda. Seu cuidado de si caracteriza-se por atitudes cotidianas de recusa

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Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “boêmia” é um substantivo feminino que significa “roda de intelectuais, artistas etc. que leva a vida de modo hedonista e livre, bebendo e divertindo-se”. A etimologia do termo bohême ou bohème refere-se ao “habitante da Boêmia”, ao “nome do país de povo celta na Europa central”, ao “cigano, membro de tribos errantes tidas como originárias da Boêmia” e ao “vagabundo, indivíduo que leva vida desregrada”. No Brasil, o uso mais comum do termo é “boemia”, sem acento o circunflexo. Aqui, preferimos o termo “boêmia”.

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Tardio em relação à cronologia fictícia d’A Comédia Humana, pois a década de 1830 é a idade de ouro do dandismo na França.

137 frente à vida parisiense. É um dandismo mais de conduta do que de aparência que escapa dos constrangimentos impostos pelo código da moda em vigor anteriormente. Eis uma outra estilização do dandismo em Balzac: a vida de boêmio. Abaixo, temos uma bela descrição desta geração:

A Boêmia, que deveria se chamar a Doutrina do boulevard des Italiens, se compõe de rapazes todos acima de vinte anos, mas que não têm ainda trinta; todos homens de gênio no seu gênero, pouco conhecidos ainda, mas que se farão conhecidos et que serão gente bem distinta (...). Em que época nós vivemos? Que poder absurdo que deixa se perderem assim forças imensas! Encontram-se na Boêmia os diplomatas capazes de derrubar os projetos da Rússia se eles se sentissem apoiados pelo poder da França. Aí se encontram escritores, administradores, militares, jornalistas, artistas! Enfim, toda gente de capacidade e de espírito aí são representadas. É um microcosmo. (...) Ali se encontra a flor inútil e que se resseca desta admirável juventude que Napoléon e Louis XIV buscavam e que está descuidada há trinta anos pela gerontocracia sob a qual tudo se macula na França, bela juventude da qual ontem ainda o professor Tissot, homem pouco suspeito, dizia: “Esta juventude, verdadeiramente digna dele, o Imperador a empregava por toda parte, nos seus conselhos, na sua administração geral, nas negociações eriçadas de dificuldades ou plenas de perigos, no governo dos países conquistados e por toda parte ela responderia à sua expectativa!”. (Balzac, 1840a, p. 808-809)113

Em Balzac, a vida de boêmio é um dos “microcosmos” da vida parisiense assim como a vida de artista, a vida elegante, a vida ocupada. No inferno figurado no início de

La Fille aux yeux d’or, os boêmios se encontram na margem da sociedade ou ao lado da

esfera dos artistas. Os membros desta “seita” parisiense são os jovens cujos talentos são ainda sem emprego ou engajados em empregos precários: eis “a flor inútil que nunca se

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La Bohème, qu’il faudrait appeler la Doctrine du boulevard des Italiens, se compose de jeunes gens tous âgés de plus de vingt ans, mais qui n’en ont pas trente, tous hommes de génie dans leur genre, peu connus encore, mais qui se feront connaître, et qui seront alors des gens fort distingués (...) A quelle époque vivons-nous ? Quel absurde pouvoir laisse ainsi se perdre des forces immenses ? Il se trouve dans la Bohème des diplomates capables de renverser les projets de la Russie, s’ils se sentaient appuyés par la puissance de la France. On y rencontre des écrivains, des administrateurs, des militaires, des journalistes, des artistes ! Enfin tous les genres de capacité, d’esprit y sont représentés. C’est un microcosme. (...) Là se trouve la fleur inutile, et qui se dessèche, de cette admirable jeunesse française que Napoléon et Louis XIV recherchaient, que néglige depuis trente ans la gérontocratie sous laquelle tout se flétrit en France, belle jeunesse dont hier encore le professeur Tissot, homme peu suspect, disait : « Cette jeunesse, vraiment digne de lui, l’Empereur l’employait partout, dans ses conseils, dans l’administration générale, dans des négociations hérissées de difficultés ou pleines de périls, dans le gouvernement des pays conquis, et partout elle répondait à son attente ! ».

138 resseca”. Uma flor inútil, pois a boêmia não se inscreve na ideologia liberal da burguesia que se encontra no poder. Enquanto eles ambicionam de fazer suas estréias na vida, estes jovens levam uma vida errante e definida precisamente pelos códigos próprios de linguagem e de conduta. Eles se reconhecem pela forma irônica de falar até a causticidade e o cinismo. Segundo Barbéris (1973), contra tudo o que liga a uma sociedade da qual não se quer se ligar, o cinismo dos boêmios é um meio de defesa e de liberação.

Após 1830, os grandes hotéis da aristocracia e os salões – onde reinavam os dândis balzaquianos da primeira geração – são pouco freqüentados ou estão fechados em Paris. Logo, será nos boulevards que os dândis e boêmios vão se encontrar. A boêmia balzaquiana é a Doutrina do boulevard des Italiens: essa doutrina recebe o nome do seu lugar de encontro. É lá que se encontram o Café de Paris, o Café Tortoni, o Café

Riche e o Café Anglais. Na cronologia da história do dandismo francês, é no boulevard

des Italiens e nos arredores imediatos dos cercles e clubs que acontecem os principais

rendez-vous dos dandys (ou « lions »: nome também utilizado para se referir aos

rapazes elegantes do boulevard depois dos anos 1830) e de grande parte dos escritores e dos artistas da geração de Balzac. Esse ambiente dos anos 1830 influenciou a criação do dandismo balzaquiano que se desenrola sob a Restauração, mas tornou-se atual quando Balzac constrói o universo da segunda geração de dândis: os lions e os boêmios.

Esta segunda juventude de La Comédie humaine defende as paixões românticas, as impulsões, os estados transformados da consciência (especialmente a embriaguez), a absoluta liberdade de criação, a loucura, os desdobramentos da personalidade. No mundo boêmio, “a Esperança é sua religião, a Fé em si-mesmo é seu código, a Caridade passa por ser sua fonte de renda” (Balzac, 1840a, p. 809). Todos esses jovens são

139 maiores que sua desgraça, “abaixo da fortuna, mas acima do destino”; “a Boêmia não tem nada e vive do que tem” (Ibid.):

Generoso como Buckingham e não podendo suportar de ser pego desprevenido, um dia, não tendo nada a dar a um limpador de chaminés, o jovem conde mergulha a mão num tonel de uvas na porta de uma mercearia e retirando-a cheia delas, enche o boné do pequeno savoyard que devora as uvas com prazer. O dono da mercearia ri e depois estende a mão a La Palférine. – “Oh! fi! monsieur, ele diz, vossa mão esquerda deve ignorar o que acaba de doar a minha mão direita”. (Balzac, 1840a, p. 813)114

Sob o reino do dinheiro que substitui o poder do nascimento, a boêmia não tem dinheiro, mas tem dívidas:

Um dia, passeando pelo bulevar, de braço dado com os amigos, La Palférine vê dirigir-se até ele o mais feroz dos seus credores, que lhe diz: “Tem pensado em mim, monsieur? – Nem um pouquinho!” responde-lhe o conde. (Balzac, 1840a, p. 813)115

Em La Comédie humaine, a boêmia parece se confundir com o dandismo. Mas, existem distinções. O dândi Eugene de Rastignac pertence, por suas opiniões pessoais, a aristocracia e, por suas opiniões públicas, ao reinado de Julho. Ele critica e zomba da burguesia na vida privada, mas ele não se distancia inteiramente da desta classe e não se define por oposição aos valores burgueses. Rastignac aproveita dos meios burgueses para fazer seu caminho. Ao contrário, La Palférine assume na vida pública todas suas opiniões contra a burguesia e faz de sua démarche uma conduta de negação do poder político de sua época, uma espécie de “metafísica do provocador” (Benjamin, 1989, p. 11). Mas, ele é também um dândi: um dândi balzaquiano da segunda geração. Seu dandismo é, corajosamente, uma resistência ao campo estratégico de “relações de

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Généreux comme Buckingham, et ne pouvant supporter d’être pris au dépourvu, un jour, n’ayant rien à donner à un ramoneur, le jeune comte puise dans un tonneau de raisins à la porte d’un épicier, et en emplit le bonnet du petit savoyard, qui mange très-bien le raisin. L’épicier commença par rire et finit par tendre la main à La Palferine. – « Oh ! fi ! monsieur, dit-il, votre main gauche doit ignorer ce que vient de donner ma droite ».

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Un jour, se promenant sur le boulevard, bras dessus bras dessous, avec des amis, La Palférine voit venir à lui le plus féroce de ses créanciers, qui lui dit : « Pensez-vous à moi, monsieur ? – Pas le moins du monde ! » lui répondit le comte.

140 poder”. Apesar de sua marginalidade na sociedade, seus atos de oposição e de ironia na cena parisiense representam o sonho de criação de uma “nova aristocracia”. Segundo Laforgue (2009), a boêmia de La Palférine está entre as pessoas do mundo e a aristocracia empobrecida que mantém maneiras e elegância; ela anuncia o verdadeiro dandismo após Balzac, é um tipo característico do dandismo na segunda metade do século XIX francês descrito por Henri Murger em Scènes de la vie de bohème (1851).

A boêmia, esta “flor inútil que se resseca” na época do Rei Burguês, mas que “o Imperador a empregaria por todos os lugares”, constitui uma “cultura de si” cuja insolência, o cinismo e a ironia revelam o anticonformismo social. O dandismo de La Palférine se encontra para além da vontade de liberação social. Sua ironia e sua recusa do sério, numa época moralizada – ou seja, numa época que tenta congelar e codificar a moral que exprime a defesa dos interesses burgueses – formam traços importantes de seu caráter:

Ele teve a infelicidade, em estilo de acusação, de engravidar uma moça. A mocinha ingênua confessou sua falta a sua mãe, boa burguesa que vai até a casa de La Palférine perguntando-lhe o que ele pretende fazer. –

“Mas, madame, eu não sou nem cirurgião nem parteira”. Ela ficou

fulminada; mas ela retorna três ou quatro anos depois insistindo e perguntando sempre a La Palférine o que ele pretende fazer. – “Oh,

madame, ele responde, quando esta criança terá sete anos, idade na qual

as crianças passam das mãos das mulheres às mãos dos homens... (gesto de assentimento da mãe), se a criança é realmente minha (gesto da mãe), se ele se parece comigo de uma maneira surpreendente, se ele promete ser um fidalgo, se eu reconheço nele meu gênero de espírito, e sobretudo o ar de Rusticoli, oh! então (novo gesto da mãe), pela minha fé de fidalgo, eu lhe darei... um batom de açúcar de cevada [um tipo de pirulito]”. (Balzac, 1840a, p. 812)116

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Il eut le malheur, en style d’acte d’accusation, de rendre une jeune fille mère. L’enfant peu ingénue avoue sa faute à sa mère, bonne bourgeoise qui accourt chez La Palférine et lui demande ce qu’il compte faire. – « Mais, madame, je ne suis ni chirurgien ni sage-femme. » Elle fut foudroyée ; mais elle revint à la charge trois ou quatre ans après, en insistant et demandant toujours à La Palférine ce qu’il comptait faire. – « Oh ! madame, répondit-il, quand cet enfant aura sept ans, âge auquel les enfants passent des mains des femmes entre celles des hommes... (mouvement d’assentiment chez la mère), si l’enfant est bien de moi (geste de la mère), s’il me ressemble d’une manière frappante, s’il promet d’être un gentilhomme, si je reconnais en lui mon genre d’esprit, et surtout l’air Rusticoli, oh ! alors (nouveau mouvement), par ma foi de gentilhomme, je lui donnerai... un bâton de sucre d’orge ! »

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Figura 03

La Palférine; gravura de Alcide Théophile Robaudi em Balzac, H. (1899). A prince of Bohemia and other stories. Philadelphia:

Gebbie Publishing.

Segundo Barbéris (1973), La Palférine é uma marionete, um exercício de Balzac para dirigir críticas contra a moral de 1830 e 1840: a seriedade e o egoísmo dos burgueses, a família burguesa, a sentimentalidade repercutida pelo romantismo. Podemos estender as críticas balzaquianas às palavras de Henri de Marsay, personagem

142 que permite contornar a noção de casamento nos dândis. A palavra do dândi é uma resposta ao seu amigo, o elegante Paul de Manerville, quando ele confia a De Marsay seu desejo de abandonar sua vida dissipada:

– Sou seu amigo, meu gros Paul [duplo sentido: “meu bom Paul”, “meu

Paul gordinho”], você sabe..., diz De Marsay após um momento de silêncio, pois bem! seja bom pai e bom esposo que você se tornará ridículo pelo resto dos seus dias. (...) Faça loucuras na província, faça besteiras também, melhor ainda! Talvez você ganhará a celebridade. Mas.. não se case. Quem se casa hoje? comerciantes no interesse do seu capital ou para serem dois a empurrarem o arado, camponeses que procriaram muitas crianças e agora querem fazê-los operários, agentes de câmbio ou tabeliães obrigados a pagar seus cargos, reis infelizes que continuam infelizes dinastias. (Balzac, 1835b, p. 531)117

Dentro da cronologia das ficções, é em 1821 que De Marsay desaconselha o casamento a Paul de Manerville sem conseguir lhe convencer. O dândi representa um papel do mestre cínico com de Manerville como aquele de Vautrin com Rastignac, aquele de Rastignac com Raphaël de Valentin:

Eu nem te falo de tudo que pode se tornar de inquietante, de entediante, de irritante, de tiranizante, de contrariante, de maçante, de idiotizante, de narcotizante e de paralizante no combate de dois seres morando juntos, unidos para sempre, e que se enganaram mutuamente acreditando que se dariam bem. (Balzac, 1835b, p. 531)118

Neste fragmento encontramos uma crítica de Balzac comparável à que ele faz em Physiologie du mariage onde a comédia conjugal é descrita como uma comédia sem público representada de coração a coração; uma comédia comparada a comédia constitucional, que é como a luta de dois poderes rivais. La Palférine despreza a idéia de

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– Je suis ton ami, mon gros Paul, tu le sais, dit de Marsay après un moment de silence, eh ! bien, sois bon père et bon époux, tu deviendras ridicule pour le reste de tes jours. (...) Fais des folies en province, fais-y même des sottises, encore mieux ! peut-être gagneras-tu de la célébrité. Mais.. ne te marie pas. Qui se marie aujourd’hui ? des commerçants dans l’intérêt de leur capital ou pour être deux à tirer la charrue, des paysans qui veulent en produisant beaucoup d’enfants se faire des ouvriers, des agents de change ou des notaires obligés de payer leurs charges, de malheureux rois qui continuent de malheureuses dynasties.

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Je ne te parle pas de tout ce qui peut advenir de tracassant, d’ennuyant, d’impatientant, de tyrannisant, de contrariant, de gênant, d’idiotisant, de narcotique et de paralytique dans le combat de deux êtres toujours en présence, liés à jamais, et qui se sont attrapés tous deux en croyant se convenir.

143 casamento, de esposa e de filhos. Esse desprezo – parte da “doutrina” do dandismo balzaquiano – já era evidente em De Marsay:

O casamento, meu gros Paul, é a mais tola das amolações sociais; nossos filhos são os únicos que aproveitam e só ficam conhecendo seu valor no momento em que seus cavalos pastam as flores que nascem sobre os nossos túmulos. Você sente saudade do seu pai, esse tirano que desolou sua juventude? Como farás para que teus filhos te amem? Suas preocupações com a educação deles, os cuidados com a felicidade deles, tuas severidades necessárias os desafeiçoarão. As crianças amam um pai pródigo e fraco que eles desprezarão mais tarde. Você ficará então entre o receio e o desprezo. Não é bom pai de família quem quer! Dirija seu olhar sobre nossos amigos e diga-me qual deles você gostaria como filho? conhecemos muitos que desonravam seu nome. As crianças, meu caro, são mercadorias dificílimas de cuidar. As suas serão anjos, será? (Balzac, 1835b, p. 531)119

Vemos que, entre os dândis balzaquianos não existe nenhum interesse pelas crianças ou pela idéia de se ter filhos (aliás, em nenhum dandismo): o cuidado de si de um dândi é uma ocupação por ele-mesmo e para ele-mesmo. Pelo seu cinismo – que lemos no fragmento acima – De Marsay reduz a paternidade a um tipo de sentimento burguês, algo vulgar. O dogma da geração é aqui refutado pelo dândi: “como poderia ele aceitar, ele que não pensa outra coisa que não seja a renovação do seu personagem e não a repeti-lo ou a reproduzi-lo?” (Bonnet, 1980-1981, p. 37). Então, os olhos de um dândi se voltam em direção dos seus amigos. Vejamos uma cena da amizade em La Palférine:

Um dia, La Palférine passeava com um de seus amigos que jogou a ponta do seu charuto no nariz de um passante. Este passante teve o mau gosto de se zangar. – “O senhor já sofreu o fogo do seu adversário, disse o

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Le mariage, mon gros Paul, est la plus sotte des immolations sociales ; nos enfants seuls en profitent et n’en connaissent le prix qu’au moment où leurs chevaux paissent les fleurs nées sur nos tombes. Regrettes-tu ton père, ce tyran qui t’a désolé ta jeunesse ? Comment t’y prendras-tu pour te faire aimer de tes enfants ? Tes prévoyances pour leur éducation, tes soins de leur bonheur, tes sévérités nécessaires les désaffectionneront. Les enfants aiment un père prodigue ou faible qu’ils mépriseront plus tard. Tu seras donc entre la crainte et le mépris. N’est pas bon père de famille qui veut ! Tourne les yeux sur nos amis, et dis-moi ceux de qui tu voudrais pour fils ? nous en avons connu qui déshonoraient leur nom. Les enfants, mon cher, sont des marchandises très-difficiles à soigner. Les tiens seront des anges, soit !

144 jovem conde, as testemunhas declaram que a honra está satisfeita.” (Balzac, 1840a, p. 813)120

Que sentido daríamos a vida de solteiro dos dândis e dos boêmios? Um ato político de resistência aos valores burgueses ou “um álibi para suas desordens e seus vícios” (Michel, 2003, p. 371)? De Marsay tem alguns argumentos que merecem nossa análise:

Você já sondou alguma vez o abismo que separa a vida de um moço da vida de um homem casado? Escute! Moço, você pode dizer: – “Terei apenas a dose de ridículo que eu quiser, o público só pensará de mim o que eu permitir que pense”. Casado, você tomba no infinito do ridículo! Moço, você faz seu bem-estar, você toma-os hoje, deixa-os amanhã; casado, você os toma como eles são e, no dia em que você os quer, terás de deixá-los. Casado, você se torna bobão, você calcula dotes, fala de moral pública religiosa, acha que os jovens são imorais e perigosos; enfim você se tornará um acadêmico social. (Balzac, 1835b, p. 531)121 Neste contexto, o “acadêmico social” é aquele que não pode realizar uma “cultura de si”. A cultura de si do dândi é uma cultura de revolta frente às regras das novas convenções sociais – diga-se, burguesas e (pré)democráticas. O discurso do dândi é subversivo em relação à vida do homem casado e, na mesma medida, conservador em relação à vida de rapaz solteiro. Ele nega a vida do homem casado no contexto da sociedade “emburguesada” da Restauração e afirma o estilo de vida “libertino” do rapaz solteiro conservando hábitos e valores do Antigo Regime. Contudo, o dândi pode se submeter ao casamento, sob algumas condições especiais, é claro, a saber:

Eu te perdoaria da sua idéia ridícula, se você me prometesse de se casar como um fidalgo, de instituir um morgado com sua fortuna, de aproveitar da lua de mel para ter dois filhos legítimos, de dar a sua mulher uma casa