• Nenhum resultado encontrado

REDEFINIÇÃO DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ENTRE OS ENTES

O federalismo deve ser realmente aplicado no Brasil, ou seja, deve haver descentralização de competências da União para as unidades federativas, pois, se assim não for realizado nunca se alcançará o verdadeiro ideal do modelo de Estado Federal e o país continuará a ser falsa Federação citada pelo jurista Paulo Bonavides. Logo, a República Federativa do Brasil deve se espelhar nas verdadeiras federações mundiais como a Suíça, onde a política é baseada nas comunas, ou seja, no governo local, sendo garantida pela Constituição Federal sua autonomia, expressando ideia de que o governo central só deve ser utilizado nas situações em que não pode ser desenvolvida de maneira local, tendo o Estado, como governo central, de agir nas situações que não podem ser feitas por outras organizações.189 Logo, o país deve almejar propostas para que a descentralização de

atribuições do poder central para os poderes locais de fato ocorra, como a PEC 47/2012 em análise atualmente no Senado Federal, a qual almeja a transferência de certas competências legislativas da União para os entes periféricos. A proposta de emenda constitucional 47/2012 possui o intuito de retirar a competência legislativa privativa da União (art.22 da Constituição Federal) sobre direito processual, direito agrário, licitação e contratos, propaganda comercial, trânsito e transporte com o objetivo de passar tal competência para o artigo 24 da Constituição Federal, ou seja, seriam competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.190

Nesse teor da PEC já há um grande avanço na inclusão dessas matérias como competência concorrente entre os entes citados, ocorrendo um fortalecimento das Assembleias Legislativas e da Câmara Legislativa do Distrito Federal e, consequentemente, privilegiando os interesses estaduais e locais conforme a particularidade de cada unidade federativa.

No que tange uma das mais polêmicas alterações, que é a possibilidade de os Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito processual, o Senador Anastasia

189PAMPLONA, D.A.; PAMPLONA, Y.de A.P., op. cit.

190 BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa: Proposta de Emenda à constituição nº 47, de 2012.

Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/107349>. Acesso em: 25 fev. 2017.

(PSDB-MG), relator da proposta na CCJ, constatou importante essa mudança, haja vista que, segundo ele, por exemplo, "um prazo processual considerado adequado em um Estado com infraestruturas de transportes e de comunicações bem desenvolvidas pode se mostrar exíguo em uma região que não disponha das mesmas condições".191 Ou seja, com o reconhecimento

do federalismo assimétrico existente no país houve consequentemente a necessidade da aplicação da assimetria também em relação ao que versar sobre o direito processual.

Outra alteração que o relator considerou importante trata-se da mudança da competência para legislar sobre direito agrário, pois, conforme mencionou na comissão, apesar das normas sobre ocupação da terra terem repercussão na proteção ao meio ambiente, a questão ambiental já é objeto de legislação conjunta entre União, Estados e Distrito Federal, sendo dessa forma, positiva a mudança.192 Ou seja, é benéfica a alteração do direito agrário

para competência concorrente entre os entes, visto que tais alterações nessa seara poderão ser analisadas de modo conjunto com a competência que trata da proteção ambiental, que já é concorrente entre os entes federativos, trazendo, assim, mais coerência nas futuras leis agrárias.

Em relação à transferência da competência de legislar sobre licitação e contratos, que atualmente é privativa da União (artigo 22, inciso XXVII) para a legislação concorrente do artigo 24; segundo o relator Anastasia, a modificação fará apenas com que União legisle sobre normas gerais sobre licitação e contratação e seus pormenores serão estabelecidos pelos demais.193 Isto é, novamente privilegia-se a autonomia dos Estados e do Distrito Federal,

tornando a administração pública desses entes mais dinâmica e, consequentemente, capaz de se adequarem às transformações econômicas, as quais são diferentes em cada região do país.

Tal PEC acrescenta ainda como matéria de competência concorrente (no inciso XII do artigo 24) a assistência social.194 Em relação a essa mudança novamente houve coerência

visto que, conforme demonstrado no relatório da CCJ, já existem matérias afetas a essa no rol de competências concorrentes como a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (inciso XIV, artigo 24) e proteção à infância e à juventude (inciso XV, artigo 24).

191 BRASIL. Senado Federal. Agência Senado: CCJ discute PEC que divide com estados e municípios o poder da União de criar leis. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/10/14/ccj-

discute-proposta-que-divide-com-estados-e-municipios-o-poder-da-uniao-de-criar-leis>. Acesso em: 26 fev. 2017.

192 Ibid.

193 ANTONIO ANASTASIA. Pronunciamento na leitura do relatório à PEC 47/2012 na CCJ. Disponível

em: <http://antonioanastasia.com.br/pronunciamento-na-leitura-do-relatorio-a-pec-472012-na-ccj/> Acesso em: 27 fev. 2017.

194 BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa: Proposta de Emenda à constituição nº 47, de 2012, op.

Ainda, referida proposta altera a redação dos parágrafos 2º e 3º do artigo 24 para definir que as normas gerais sobre matérias concorrentes pela União restrinjam-se a princípios, diretrizes e institutos jurídicos e que aos Estados e ao Distrito Federal compete suplementar no que for predominante interesse regional, renumerando os atuais §§3º e 4º que passam a ser 4º e 5º.195 Aqui houve uma mudança de qual deve ser o verdadeiro "papel" do

poder central, haja vista que a União apenas dará o "norte" para os Estados e o Distrito Federal legislar, isto é, restringindo apenas a princípios, diretrizes e institutos jurídicos que a União poderá estabelecer como normas gerais. Por conseguinte, tal medida abre consequentemente a possibilidade da autonomia de cada unidade federativa legislar os temas de acordo com sua realidade regional desde que obedecendo às normas gerais, as quais agora foram detalhadas em princípios, diretrizes e institutos jurídicos a serem estabelecidos pela União.

Também, uma outra grande modificação na repartição de competências trazida por essa proposta de emenda constitucional trata-se da retirada do texto constitucional a referência a diretrizes e bases da educação nacional como competência privativa da União (art. 22 XXIV).196 Segundo relatório do Senador Anastasia, o inciso XXIV do art. 22, que atribui à

União a incumbência de legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, redunda com a competência concorrente para legislar sobre educação (art. 24, inciso IX), sendo, portanto, pertinente a modificação veiculada pela PEC com a consequente revogação do inciso XI do artigo 22 da Constituição Federal.

Finalmente, referida emenda inclui novo parágrafo (que passa a ser o 2º, renumerando o atual 2º como 3º) no art. 61, para permitir à maioria dos membros das Casas do Congresso Nacional apresentar projeto de lei que verse sobre matéria de iniciativa privativa do Presidente da República, exceto quanto a organização interna do Poder Executivo e matéria orçamentária.197 Em relação a essa disposição a comissão declarou que o §2° inserido no

art. 61 viola cláusula pétrea da separação dos Poderes, insculpida no artigo 60, §4°, inciso III, da Lei Maior, declarando, portanto, inconstitucionalidade material. Quanto às demais matérias a comissão não encontrou nenhuma outra mácula constitucional.

Quanto às mudanças realizadas pela proposta de emenda constitucional, a Senadora da República Simone Tebet (PMDB-MS) observou que caso a PEC seja aprovada, o Congresso não retirará absolutamente nada das mãos do Governo Federal, ao contrário, estará se

195 Ibid. 196 Ibid. 197 Ibid.

retirando apenas os excessos e permitindo, com isso, a redução da burocracia e a concentração excessiva na União de questões legislativas.198

Portanto, vislumbra-se que a referida PEC é salutar para a Federação, retirando competências privativas das mãos da União e transferindo para que esta e os Estados e Distrito Federal possam de modo concorrente legislar sobre matérias importantes para a região na qual pertençam, seguindo apenas princípios, institutos jurídicos e diretrizes do ente central, mantendo, dessa forma, a unidade nacional conjuntamente com transferência de mais autonomia legislativa para as unidades subnacionais.

Quanto a demais transferências de competências privativas que estão nas mãos da União, o Deputado Estadual catarinense Kennedy Nunes em 2015 propôs a transferência de outras competências da União para os Estados federados além daquelas já contempladas na PEC 47/2012. Kennedy está visitando as Assembleias Legislativas dos Estados para expor suas ideias com o objetivo de convencer os demais deputados a proporem emenda à Constituição Federal no que concerne ao pacto federativo,199 conforme prevê o artigo 60,

inciso III, da Carta Maior, o qual permite que mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação emendem a Constituição, manifestando-se, cada uma delas pela maioria relativa de seus membros.200 Esse Deputado Estadual propõe também que deve ser

dada a autonomia aos Estados-Membros para legislarem sobre descriminalização, águas, energia, jazidas, minas, sistema de consórcios e sorteios.201 Isto é, pretende-se retirar a

competência privativa desses assuntos previstos respectivamente no artigo 22, incisos I, IV, XII e XX.202 Kennedy explica que tais medidas têm o objetivo de "adaptar o texto

constitucional às realidades e evolução da sociedade brasileira, e a consequente dinâmica entre as relações Estado e sociedade.".203 Tais medidas, como a possibilidade dos Estados

legislarem sobre descriminalização, águas, energia e sistema de consórcios e sorteios parecem ser benéficas para a uma Federação mais dinâmica social e economicamente acarretando por conseguinte coerência com a realidade regional experimentada por cada Estado federado. Porém, discorda-se em retirar a competência legislativa privativa da União sobre jazidas e minas, por exemplo, uma vez que são recursos minerais de todo o país e não somente de alguns Estados federados. Além disso, para que não haja uma perda da unidade federativa é

198 BRASIL. Senado Federal. Agência Senado: CCJ discute PEC, op. cit.

199 ALAGOAS. Assembleia Legislativa do Alagoas. Deputado catarinense apresenta propostas de modificação do pacto federativo. Disponível em: <http://www.al.al.leg.br/comunicacao/noticias/deputado-

catarinense-apresenta-propostas-de-modificacao-do-pacto-federativo> Acesso em: 28 fev. 2017.

200 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit. 201 ALAGOAS. Assembleia Legislativa do Alagoas, op. cit.

202 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit. 203 ALAGOAS. Assembleia Legislativa do Alagoas, op. cit.

essencial que tais matérias sejam contempladas como competências concorrentes entre União, Estados e Distrito Federal, cabendo, por conseguinte, a União apenas estabelecer as normas gerais para as unidades subnacionais legislarem sobre os temas propostos.

Apesar dessas propostas de emenda constitucional delimitarem muito bem a alteração das competências contribuindo para um novo pacto federativo mais eficiente e desburocratizado, outras matérias também poderiam ser objeto de análise com o intuito de transferência da competência privativa da União para a competência concorrente entre o ente central e as outras unidades subnacionais. Uma matéria que poderia ser transferida é a trabalhista, podendo ser certamente competência concorrente entre os entes federativos, uma vez que em virtude da dimensão continental do Brasil e das extremas diferenças regionais, as condições trabalhistas são muito diferentes entre as unidades subnacionais.

Conforme exemplifica o autor Márcio Chalegre Coimbra, é inegável que a realidade do trabalho no Maranhão e Santa Catarina, por exemplo, são altamente distintas, sendo que nessa seara leis nacionais trabalhistas não comportam as diferenças regionais, atrasando o desenvolvimento de certas áreas.204 Além disso, a Consolidação das Leis Trabalhistas, criada

em 1940, na era Vargas, que primava pela centralização administrativa, têm ainda vigência em todo o território nacional.205 Assim, o mais coerente seria transferir a incumbência da

legislação trabalhista que é privativa da União para legislação concorrente no inciso I do artigo 24, incumbindo a União somente a estabelecer normas gerais sobre o tema, conforme parágrafo 1º deste mesmo artigo.

Desse modo, os Estados poderiam legislar suplementarmente sobre o tema, sempre obedecendo às normas gerais previstas pela União e por óbvio, pelos mandamentos constitucionais trabalhistas estabelecidos na Carta Magna em seu artigo 7º, 8º, 9º, 10º e 11º. Logo, das competências legislativas da União no inciso I do artigo 22, talvez seja a competência para legislar o direito trabalhista a possível mudança, transferindo-se tal competência para o artigo 24, inciso I, ou seja, uma legislação concorrente entre os entes públicos, visto que acarretaria maiores benefícios econômicos e sociais a cada Estado, já que cada um poderia adaptar a legislação a sua realidade trabalhista, porém sempre obedecendo às normas gerais estabelecidas pelo ente central e pela Constituição Federal.

Portanto, além dessas alterações sugeridas quanto às competências previstas no artigo 22 e 24 da Constituição Federal é imprescindível à implementação de lei complementar visando disciplinar o artigo 23 da Carta Magna, haja vista que pelo fato de todos os entes

204PRESTES, op. cit. 205 Ibid.

federativos possuírem competências comuns emergem dúvidas na aplicação das atribuições. Deveras, imperioso o estabelecimento do regramento detalhando de como deve ser efetivada a cooperação entre os entes federativos, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 23 da CF.

Por último, cabe enaltecer a discussão sobre o pacto federativo aos agentes políticos, tanto estaduais perante as Assembleias Legislativas dos Estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal como entre os Deputados Federais e Senadores perante o Congresso Nacional, para, dessa forma, contribuir com demais propostas que sejam vindouras para futuras alterações nas competências dos entes federativos, de modo a favorecer uma maior descentralização administrativa e objetivando uma gestão mais eficiente na atual Federação brasileira com o intuito de diminuir a centralização de atribuições em face da União.

3.5 REVISÃO DO PACTO FEDERATIVO EM RELAÇÃO AOS PEQUENOS