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Reestruturação econômica e cooperativismo de trabalho e produção

3 ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO POPULAR TRAJETÓRIAS,

3.3 Reestruturação econômica e cooperativismo de trabalho e produção

A nova onda de cooperativas populares é percebida como resultante de duas situações convergentes. A primeira delas refere-se à reestruturação econômica, à

crise do fordismo e ao surgimento do que os economistas da escola da regulação10 chamam de acumulação flexível. Ela implicou reestruturação organizacional das empresas, ao lado de profundas inovações tecnológicas decorrentes da chamada revolução informacional cujos resultados foram: eliminação de barreiras geográficas à produção, formação de empresas em rede, terceirização de atividades, desregu- lamentação dos mercados e das relações de trabalho com a eliminação de direitos sociais conquistados pelos trabalhadores a partir da segunda metade do século XX. O fechamento de fábricas e empresas, a desregulamentação dos mercados de tra- balho, o enfraquecimento do sindicalismo e o desemprego foram algumas das con- seqüências para os trabalhadores.

A segunda situação responsável pelo ressurgimento das cooperativas diz respeito ao caráter de contracultura dos movimentos sociais do final da década de 1960, ao desencanto com o capitalismo e o socialismo de Estado, ao surgimento de movimentos ecológicos, feministas e de minorias e à busca de alternativas perante os modelos existentes.

Nos países em desenvolvimento, as cooperativas foram propostas por órgãos internacionais como forma de engajar a sociedade nos projetos de desenvolvimento e, dessa forma, aliviar as pressões junto ao Estado, também a partir dos anos 70 do século passado. O caráter conservador dessa proposta se manifestava na América Latina, em sua utilização, por governos militares, como forma de resolução de pro- blemas agrários, sem mexer nas estruturas dominantes. Em países do subcontinen- te indiano e da África, é forte a presença de cooperativas dentro de programas esta- tais de desenvolvimento, mas poucos observam os princípios do cooperativismo. Desse modo, constituem-se mais como forma de geração de renda e organização de produtores rurais.

10 A Escola da Regulação foi, ao longo dos anos 80, uma das mais férteis abordagens, cujo objetivo precípuo foi rein- terpretar, à luz de uma reutilização do marxismo e com forte influência dos pensamentos keynesiano e kaleckiano, as nuanças de expansão e crise das economias capitalistas. [...] A pergunta central que os regulacionistas fazem não é por que o sistema entra em crise [...], mas por que ele funciona? E mais: o que assegura seu funcionamento de maneira harmônica, reprodutiva e por longos períodos de tempo? A resposta para essa questão deriva dos conceitos de regime de acumulação e modo de regu- lação que, ao se incompatibilizarem mutuamente, produzem a crise, a qual só será resolvida quando surgir nova compatibilida- de entre ambos. (CONCEIÇÃO, 1997, p. 76)

Como alternativa de ocupação, manutenção de empregos ou de geração de renda, o modelo associativo vem se multiplicando. Cornforth (1983) utiliza uma tipo- logia para classificar as cooperativas de trabalho e produção, surgidas no pós-1970. As designações propostas por ele refletem as mudanças econômicas, políticas e culturais do período, conforme descritas a seguir.

A primeira delas, chamada Endowed Co-operatives, são propostas advindas dos proprietários de empresas. Nessas situações, as motivações empresariais vari- am desde ideias socialistas cristãs ao pragmatismo decorrente do interesse em se manter na empresa, da falta de herdeiros, ou mesmo do risco de perda da empresa por questões gerenciais, prejuízos econômicos, etc. No geral, problemas financeiros levam a essa situação. Constituem-se, então, como empresas de autogestão cujos proprietários mantêm o controle e os funcionários participam do controle acionário. A organização do trabalho pouco muda, assim como a democracia no trabalho, que raramente existe, mantendo-se a hierarquia anterior.

O segundo tipo são as cooperativas defensivas ou cooperativas fênix. Elas são formadas pelos operários como forma de manter os empregos tendo em vista o fechamento ou falência de fábricas e empresas. Geralmente a formação da coopera- tiva é o último recurso, quando outras ações de recuperação falharam. Como resul- tado, essas cooperativas surgem com numerosos problemas, além de situação co- mercial difícil. As fábricas geralmente estão tecnologicamente defasadas, perdendo mercado, apresentam baixa produtividade e a nova estrutura depende do investi- mento de trabalho dos operários, boa vontade de clientes e fornecedores, além da ajuda efetiva de sindicatos e órgãos governamentais. Grande parte dos operários e staff administrativo abandona a cooperativa e a formação de uma cultura de auto- gestão é um processo lento e complexo. O estudo de caso sobre o aprendizado da autogestão na Cooperativa Autogestionária dos Trabalhadores da MAMBRINI reali- zado por Brito (2003) contribui para o entendimento desses problemas.

O terceiro tipo são as cooperativas alternativas. Resultam de movimentos contra-culturais dos anos 1960 e 1970 e seus membros são oriundos de classe mé- dia, bem instruída, com ideais democráticos, voltados mais às necessidades sociais do que a lucros. São mais comuns nos países capitalistas avançados e são, na mai- oria das vezes, editoras, livrarias, lojas de comida e/ou produtos naturais, de infor-

mática, escolas de línguas e similares. Geralmente são pequenos negócios com dificuldades de sobrevivência inerentes a esses empreendimentos.

Por último, existem as cooperativas de geração de renda, que surgem com o crescimento do desemprego e visam a criar empregos. Anterior às décadas de se- tenta e oitenta do século passado, constituíam programas governamentais de obras emergenciais em períodos de recessão econômica, na Europa principalmente. Em países em desenvolvimento, incluem programas de agências de desenvolvimento visando à organização de cooperativas em comunidades carentes. Essas cooperati- vas geralmente têm problemas de comercialização de seus produtos. Uma variação desse esquema são cooperativas voltadas à terceirização industrial e criadas atra- vés de políticas públicas de governos estaduais ou municipais, sindicatos, Igreja Ca- tólica e outras instituições. São também, denominadas de cooperativas populares e estão voltadas a desempregados e população de baixa renda.

Além desses quatro tipos de cooperativas classificadas acima, Lima (2005) considera que existem as cooperativas pragmáticas, organizadas com o objetivo de terceirização de atividades de empresas e redução de custos. Nelas, não existe a preocupação com democracia no trabalho ou autonomia do trabalhador. O objetivo é o trabalhador se organizar autonomamente e responsabilizar-se pelo empreendi- mento, livrando a empresa das obrigações sociais. No geral, as empresas garantem, por um tempo, contratos de compra de produtos ou serviços. São chamadas tam- bém de falsas ou pseudocooperativas por sua desvinculação absoluta aos princípios cooperativistas. Entretanto, funcionam também, como mantenedoras de empregos ou geração de renda em situações de privatizações, terceirização e mesmo políticas públicas de apoio a investimentos industriais.

Para uma interpretação mais abrangente do desenvolvimento histórico do co- operativismo no Brasil, pode-se, também, classificá-lo por ramos, ou seja, por tipos de cooperativas, já que cada um teve a sua própria história, suas dificuldades e su- cessos distintos, dependendo, quase sempre, das facilidades ou obstáculos ofereci- dos pelo Governo.

As cooperativas de consumo, por exemplo, se subdividem em fechadas e a- bertas. As fechadas são as que admitem como cooperados somente as pessoas

ligadas a uma mesma empresa, sindicato ou profissão. A entidade por sua vez, ge- ralmente oferece as dependências, instalações e recursos humanos necessários para o funcionamento da cooperativa. Isso pode resultar em menor autonomia da cooperativa, pois, muitas vezes, essas entidades interferem na sua administração.

As abertas ou populares são as que admitem qualquer pessoa que queira a elas se associar. Segundo Benato (1997) como no cooperativismo internacional, também no Brasil as primeiras cooperativas foram as de consumo.

Através do histórico do cooperativismo no Brasil feito pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB – online 11, sabe-se que a partir de 1960 houve, no país, um abalo profundo no cooperativismo de consumo, devido, principalmente, a três fatores básicos: repentina supressão das isenções tributárias, principalmente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICM; falta de dinheiro para compra de novas mercadorias, por causa da inflação; e surgimento dos grandes supermerca- dos, com tecnologia bem mais desenvolvida. Esses fatores foram tão drásticos que, em 1984, o número de cooperativas no Brasil estava reduzido a doze por cento das que havia em 1960, ou seja, de 2.420, caiu para 292.

Ultimamente, as cooperativas de produtores rurais estão abrindo seções de consumo, com lojas e supermercados, para atender às necessidades dos coopera- dos e mesmo da sociedade em geral. O maior desafio desse segmento se encontra nos centros urbanos, no atendimento às camadas populares. As cooperativas de consumo precisam repassar aos cooperados mercadorias em quantidade, qualidade e preços favoráveis, o que só é possível se elas fizerem compras em comum, a e- xemplo da Europa, onde vários países se reuniram em uma central única de com- pras.

No que diz respeito às cooperativas agropecuárias, elas se dividem conforme os tipos dos produtos com os quais trabalham. Muitas são mistas, ou seja, têm mais de uma seção: a de compras em comum (para compra de insumos, adubos, semen- tes, instrumentos, etc.) e a de vendas em comum (venda dos produtos dos coopera- dos).

O cooperativismo agropecuário já se estendeu a todo território nacional. É o mais conhecido pela sociedade brasileira participando, significativamente, nas ex- portações, o que engorda a balança comercial e, ao mesmo tempo, abastece o mer- cado interno de produtos alimentícios. Ele presta um enorme leque de serviços - desde assistência técnica, armazenamento, industrialização e comercialização dos produtos, até a assistência social e educacional aos cooperados. As cooperativas agropecuárias formam, hoje, o segmento economicamente mais forte do cooperati- vismo brasileiro.

Um dos ramos mais dinâmicos do cooperativismo no passado, brutalmente esfacelado desde meados dos anos 60 e durante toda a década de 70, foi o coope- rativismo de crédito. Ele tem buscado novamente ocupar seu espaço, apesar de to- das as dificuldades que lhe são impostas. No Rio Grande do Sul conseguiu grande desenvolvimento desde sua implantação, chegando, inclusive, a dispor de uma coo- perativa central com mais cinquenta cooperativas singulares a ela filiadas. (OCB, 2008).

Quanto às cooperativas de trabalho, elas são constituídas por pessoas liga- das à determinada ocupação profissional, com a finalidade de melhorar a remunera- ção e as condições de trabalho, de forma autônoma. Esse segmento é extremamen- te abrangente, pois os integrantes de qualquer profissão podem se organizar em cooperativas de trabalho. No Brasil, vem se expandindo com notável rapidez ao lon- go dos últimos anos. A grande maioria dessas cooperativas (72,5%) foi criada a par- tir de l992.

O grande desafio dos responsáveis desse ramo é a clara identificação de su- as bases legais, tanto no que se refere à legislação cooperativista propriamente dita, quanto, principalmente, ao atendimento às exigências da legislação trabalhista, par- ticularmente a CLT, por abranger pessoas de diversas profissões. A construção de corretos limites jurídicos para a ação cooperativista na área do trabalho certamente reforçará o seu crescimento.

Surgidas há quase 30 anos, essas cooperativas atuam, hoje, em quatro áreas distintas: médica, odontológica, psicológica e de usuários. O exemplo mais pujante desse segmento é o cooperativismo dos médicos, organizados pelo sistema UNI-

MED, com cooperativas singulares nos municípios, federações nos Estados e uma confederação em âmbito nacional. 40% dos profissionais de saúde do país optaram por esse caminho.

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