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Surgimento e quadro atual do Cooperativismo no Brasil: alguns elementos

3 ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO POPULAR TRAJETÓRIAS,

3.2 Surgimento e quadro atual do Cooperativismo no Brasil: alguns elementos

No caso do Brasil, há vestígios do cooperativismo já no início do século XVII, com a fundação das primeiras reduções jesuíticas e início da construção de um Es- tado cooperativo em bases integrais. A esse respeito, Schmidt e Perius (2003, p. 64) comentam:

Por mais de 150 anos, esse modelo deu exemplo de sociedade solidária, fundamentada no trabalho coletivo, onde o bem-estar do indivíduo e da fa- mília se sobrepunha ao interesse econômico da produção. A ação dos pa- dres jesuítas se baseou na persuasão, movida pelo amor cristão e no prin- cípio do auxílio mútuo (mutirão), prática encontrada entre os indígenas bra- sileiros e em quase todos os povos primitivos, desde os primeiros tempos da humanidade.

Apesar desses vestígios, o movimento cooperativista no Brasil tem o seu iní- cio propriamente dito, em meados do século XIX, quando o médico francês Jean Maurice Faivre, adepto das idéias reformadoras de Charles Fourier9, fundou, com um grupo de europeus, nos sertões do Paraná, a colônia Tereza Cristina, organiza- da em bases cooperativas. Essa organização, apesar de sua breve existência, con- tribuiu na memória coletiva como elemento formador do florescente cooperativismo brasileiro.

Somente no começo do século XX é que se deu o processo de consolidação do cooperativismo no Brasil, com a chegada dos imigrantes europeus. Tomou prin- cipalmente a forma de cooperativas de consumo nas cidades e de cooperativas a- grícolas no campo. As cooperativas de consumo eram, em geral, organizadas por empresa e serviam para proteger os trabalhadores dos rigores da carestia. Nas dé- cadas mais recentes, as grandes redes de hipermercados conquistaram os merca- dos e provocaram o fechamento da maioria das cooperativas de consumo. As coo-

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Fourier é um dos representantes mais importantes do socialismo utópico e provavelmente o autor do projeto de reforma social mais ambicioso e sistemático. Defende a existência de uma ordem social natural, paralela à ordem física do universo. Ambas evoluiriam em oito ciclos ascendentes até chegar ao estágio mais elevado, em que as emoções humanas se expressariam livremente. O está- gio da harmonia seria atingido pela divisão da sociedade em unidades produtivas comunitárias que ele denominou falanges. A harmonia social se realizaria nos falanstérios, constituídos de 810 pessoas de cada sexo, nos quais todas as formas de amor seriam exercidas livremente, as crianças se educa- riam de acordo com suas inclinações e a oposição entre trabalho e prazer desapareceria. (SANDRO- NI, 2002, p. 129).

perativas agrícolas se expandiram e algumas se transformaram em grandes empre- endimentos agroindustriais e comerciais. Mas nenhuma dessas cooperativas adotou a autogestão. Sua direção e as pessoas que as operam são assalariadas, tanto nas cooperativas de consumo como nas de compras e vendas agrícolas. Por isso, não se pode considerá-las parte da economia solidária.

No Brasil anterior à década de 1980, existiram várias experiências de coope- rativas de crédito, habitacionais e agrícolas. Entretanto, será a partir dessa década que as cooperativas de trabalho e de produção começam a ser organizadas e ter visibilidade. A sucessão de crises econômicas do final do período militar, as primei- ras manifestações internas das mudanças econômicas através da reestruturação produtiva de fábricas e empresas, a adoção de políticas neoliberais no final da dé- cada constituem o cenário desse processo.

Com a crise social das décadas perdidas de 1980 e de 1990, quando se es- tagnou o desenvolvimento industrial e milhões de postos de trabalho foram perdidos, ocorreu a emergência da economia solidária no Brasil. Ela assumiu, em geral, a for- ma de cooperativa ou associação produtiva, sob diferentes modalidades, mas sem- pre tendo a autogestão como princípio norteador.

Ainda na década de oitenta, a CÁRITAS, entidade ligada à Conferência Na- cional dos Bispos do Brasil (CNBB), financiou centenas de pequenos projetos de- nominados projetos alternativos comunitários - PACS. Uma boa parte dos PACS destinava-se a gerar trabalho e renda de forma associada para moradores das peri- ferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões do país. Boa parte desses projetos acabou se transformando em unidades de economia soli- dária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, ou- tros conseguindo se consolidar economicamente, mediante a venda de sua produ- ção no mercado. Há projetos em assentamentos de reforma agrária, liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), confluindo com o cooperati- vismo agrícola criado pelos trabalhadores sem-terra, entre outros.

Outra modalidade de cooperativismo foi a tomada de empresas falidas ou em vias de falir pelos seus trabalhadores, que as ressuscitaram como cooperativas au- togestionárias. Foi uma forma encontrada pelos trabalhadores de se defenderem da

hecatombe industrial, preservando os seus postos de trabalho e transformando-se em seus próprios patrões. Após casos isolados na década de oitenta, o movimento começou em 1991 com a falência da empresa calçadista Makerli, de Franca (SP), que deu lugar à criação da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG), à qual estão hoje filiadas mais de uma centena de cooperativas. A mesma atividade de fomento e apoio à transfor- mação daquelas empresas em crise em cooperativas de seus trabalhadores é de- senvolvida pela União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL).

O movimento dos sem-terra (MST), por sua vez, conseguiu assentar centenas de milhares de famílias em terras desapropriadas de latifúndios improdutivos. O mo- vimento decidiu que promoveria a agricultura sob a forma de cooperativas de auto- gestão, dando lugar a outra modalidade de economia solidária no Brasil. Ferreira, (2000) afirma que o desenvolvimento de formas de cooperação foi um processo gra- dual, tendo como princípio a multiplicação de associações, em duas direções princi- pais: os pequenos grupos e associações coletivas, que estavam mais vinculados à produção; e as grandes associações, que estavam voltadas para a prestação de serviços:

O MST criou em 1989 e 1990 o sistema cooperativista dos assentados (SCA). Passados dez anos de sua organização, o SCA conta com 86 cooperativas distribuí- das em diversos estados brasileiros, divididas em três formas principais em primeiro nível: cooperativas de produção agropecuária, cooperativas de prestação de servi- ços e cooperativas de crédito. (FERREIRA, 2000, p. 82).

Outro componente da economia solidária no Brasil é formado pelas cooperati- vas e grupos de produção associada, incubados por entidades universitárias, que se denominam Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS). As ITCPS são multidisciplinares, integradas por professores, alunos de graduação e pós-graduação e funcionários, pertencentes às mais diferentes áreas do saber. Elas atendem grupos comunitários que desejam trabalhar e produzir em conjunto, dando- lhes formação em cooperativismo e economia solidária e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus empreendimentos de autogestão.

Desde 1999, as ITCPS constituíram uma rede, que se reúne periodicamente para trocar experiências, aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar den- tro do movimento nacional de economia solidária. No mesmo ano, a rede se filiou à Fundação UNITRABALHO, que reúne mais de oitenta universidades e prestam ser- viços nas mais diferentes áreas, ao movimento operário. A UNITRABALHO desen- volve, desde 1997, um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidária. Um crescente número de núcleos da UNITRABALHO em universidades acompanha o trabalho e assiste às cooperativas, numa atividade que, sob muitos aspectos, se assemelha às das ITCPS.

Diversas prefeituras e alguns governos de estados têm contratado ITCPS, a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão, (ANTEAG), a União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Solidária do Brasil, UNISOL Brasil, e outras entidades de fomento da economia solidária para capacitar beneficiados por programas de renda mínima, frentes de trabalho e outros programas congêneres. A finalidade é usar a assistência social como via de acesso para combater, efetivamente, a pobreza, mediante a organização dos que o deseja- rem em formas variadas de produção associada, que lhes permita alcançar o auto- sustento mediante seu próprio esforço produtivo.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical brasileira, criou em 1999, em parceria com a UNITRABALHO e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a Agência de Desenvolvi- mento Solidário (ADS). A ADS vem difundindo conhecimentos sobre a economia solidária entre lideranças sindicais e militantes de entidades de fomento da econo- mia solidária, por meio de cursos pós-graduados em várias universidades, em parce- ria com a UNITRABALHO.

Atualmente, a Economia Solidária vem crescendo de maneira muito rápida, não apenas no Brasil mas também em diversos outros países. O mapeamento reali- zado em 2005 pela Secretaria Nacional de Economia Solidária ligada ao Ministério do Trabalho através do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES - apontou que 70% dos empreendimentos existentes no Brasil foram criados entre 1990 e 2005 e deles participam 1 milhão e duzentos e cinquenta mil trabalhadores, por meio de múltiplas formas de organização. Predominam as associações, com 54%, em

seguida os grupos informais (33%) e as cooperativas com 11%,dos empreendimen- tos econômicos solidários. Das atividades desenvolvidas pela Economia Solidária, resulta extensa variedade de produtos e serviços em todo o território nacional.

A Economia Solidária avançou recentemente em termos de articulação políti- ca e de organização econômica com a constituição de fóruns, em especial, do Fó- rum Brasileiro de Economia Solidária, de redes de produção e comercialização, de organizações de representação de seus participantes etc. Isso tem permitido fortale- cer as ações de elaboração coletiva e expressão conjunta de concepções e propos- tas, bem como de reorganização de fluxos econômicos, com vistas a fortalecer os processos de consumo, comercialização, intercâmbio, produção, financiamento e desenvolvimento tecnológico solidários.

Cresceu, também, o número de entidades que oferecem assessoria e fomen- to à economia solidária. Nesse sentido, citam-se: em geral, associações sem fins lucrativos (ONGs) ou universidades (incubadoras tecnológicas e grupos de exten- são) que prestam serviços de apoio e fomento aos empreendimentos solidários, seja na forma de ações de formação (tanto técnica quanto econômica e política), seja na forma de apoio direto (em estrutura, assessoria, consultoria, elaboração de projetos e/ou oferecimento de crédito) para a incubação e promoção de empreendimentos.

A Economia Solidária está ultrapassando a dimensão de iniciativas isoladas e fragmentadas para sua inserção nas cadeias produtivas, redes e articulações com processos de desenvolvimento territoriais. E, assim, têm-se orientado cada vez mais, rumo à articulação nacional e latino-americana.

Igualmente, são elementos que confirmam o avanço da Economia Solidária a criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), em 2003 e o conjunto de iniciativas governamentais que desenvolveram um vasto conjunto de políticas de apoio e fomento à Economia Solidária. Outro avanço diz respeito às conquistas obtidas em municípios e estados com a proposição e aprovação de legis- lações específicas e de interesse da Economia Solidária.

No âmbito Federal, além da importante contribuição das ações da Secretaria Nacional de Economia Solidária, registra-se participação significativa e necessária

de outros Ministérios e Órgãos Governamentais em ações de apoio e fortalecimento da Economia Solidária. Em especial, esse apoio faz-se notar na sua articulação com as políticas de enfrentamento à pobreza, segurança alimentar, agricultura familiar e reforma agrária, educação de jovens e adultos, ciência e tecnologia, desenvolvimen- to urbano, desenvolvimento territorial, saúde mental, meio ambiente etc.

A criação do Conselho Nacional de Economia Solidária foi outro importante passo para o progresso da Economia Solidária como política pública no âmbito do Poder Público Federal. Isso, por se tratar de uma instância governamental com re- presentações de diversos ministérios e de vários setores da sociedade civil, dentro da estratégia de democratização do Estado e de criação de instrumentos que permi- tam tanto a participação mais direta da sociedade civil na formulação de políticas públicas como a integração de ações interministeriais.

No âmbito internacional, essa economia se consolidou como questão central no Fórum Social Mundial, na articulação com as experiências de outros países, em especial, dos países da América do Sul.

No caso específico da região do Vale do Aço, objeto deste estudo, cumpre destacar que o movimento de economia solidária teve expressão no início da déca- da de 2000, ocasião em que os diferentes grupos, associações e cooperativas popu- lares se articularam em prol da criação do fórum de associativismo e cooperativismo popular solidário. Essa iniciativa, que será analisada de forma mais detida no próxi- mo capítulo, paradoxalmente sofreu alguns reveses e não acompanhou os passos do movimento nacional de economia solidária.

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