• Nenhum resultado encontrado

Referimo-nos a comercialistas da atualidade tais como Waldírio Bulgarelli, Rubens Requião, Fábio Ullioa Coelho, Fábio Konder Comparato, entre outros.

Mas, nesse caso, não há mais que se falar em terceiro de boa-fé, donde se justifica a sua desproteção. Mais adiante, no capítulo 3, voltaremos a esse assunto.

1.3 A sociedade por ações e a limitação da responsabilidade

A sociedade por ações é aquela cujo capital se divide em ações que são títulos representativos de uma fração ideal do capital social. No volume segundo de seu Curso de

Direito Comercial, Requião (1998) informa-nos que, no Século XVII, devido à necessidade

de empresas com grande capital promoverem a exploração do Novo Mundo, surgiu a sociedade anônima. Naquela ocasião, o Estado também tinha interesse na constituição dessas sociedades e, por isso, contribuía para a formação do capital social. A sociedade por ações é, por excelência, uma sociedade que nasce para fazer o papel de desbravamento e exploração das riquezas naturais da América. Requião (1998) reporta-se à Companhia das índias Ocidentais, criada em 1621, cujo escopo era formar expedições para a conquista do Brasil.

Caracteriza-se a sociedade por ações por ser uma sociedade com uma regulamentação normativa específica, a fim de garantir ao público que investe em ações acesso ostensivo à informação, através da publicidade dos atos societários. A sociedade por ações é um instrumento empresarial adequado para grandes empreendimentos, pois permite a captação de poupança de parcela da população que, atraída pela limitação da responsabilidade e pela liquidez relativa dos títulos, investe em ações. Esse tipo societário permite uma grande concentração de capital, pois capta recursos junto à população e também junto a outras sociedades — o que lhe possibilita realizar empreendimentos de grande monta, os quais para outras espécies societárias seriam inviáveis. No entanto, essa aglutinação do capital nem sempre tem bons impactos na sociedade humana. Muito capital nas mãos de poucos

representa desigualdade, pois o capital pulverizado funciona como fator de equilíbrio social.

A Lei n. 6.404, de 1976, que disciplina, no Brasil, as sociedades por ações, foi estabelecida visando basicamente ao fortalecimento do mercado de capitais de risco. Tem por escopo a captação da poupança popular e isso exigiu uma sistemática que garantisse ao acionista minoritário o respeito a regras definidas a fím de lhe proporcionar segurança neste tipo de investimento.

De acordo com Boiteux (1988, p. 9), em Responsabilidade civil do acionista

controlador e da sociedade controlada,

A modernização da estrutura do mercado de capitais e do sistema financeiro foi, portanto, feita sob uma clara opção pelas grandes empresas, que seriam depositárias da poupança popular, por intermédio dos acionistas. ( ...) O modelo legal para que se viabilizasse o econômico foi uma lei de base fortemente institucional, voltada essencialmente para grandes empresas e para a sua concentração. Sem inviabilizar, todavia, sua utilização para a constituição de pequenas empresas fechadas, de base contratual.

Ao comentar esses aspectos da sociedade por ações, o autor afirma ainda que: ao invés de coibir o desenvolvimento da grande empresa, preferiu-se regulamentá-la levando-se em conta suas características. Havia que estabelecer sua responsabilidade, levando-se em conta os benefícios, viabilizando empreendimentos que, de outra forma, não poderiam ser realizados. Pois a capacidade financeira do conglomerado traz benefícios ao processo produtivo (Boiteux, 1988, p. 5).

A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da livre iniciativa, como base da economia de mercado. Entretanto, não deixou de condicionar o direito de propriedade • á sua função social. Dessa forma, a ordem econômica assume caráter instrumental, pois é meio de satisfação das necessidades coletivas.

O delineamento da limitação da responsabilidade dos sócios das sociedades de capital, como instrumento da atividade econômica, surgiu com força na Revolução Industrial. Nesse período, aumentou a necessidade de concentração de capitais para os grandes

empreendimentos e o capital individual dificilmente era suficiente. Além disso, o risco representado pela responsabilidade ilimitada e subsidiária desencorajava os que não podiam apostar toda a sua riqueza em um negócio. Conforme Justen Filho (1987), tal cenário, por conseguinte, faz aumentar o interesse pelas sociedades anônimas.

Cabe, em contrapartida, perguntarmo-nos: por que o Estado e a Sociedade aceitam que o acionista tenha acesso a um sistema em que sua responsabilidade pessoal seja limitada ao montante empregado na atividade?

Depois da constatação de que o Direito tem um papel muito maior de promoção de fins sociais do que de simplesmente assegurar e tutelar a vontade das pessoas (o Direito é o instrumento pelo qual o Estado busca atingir e realizar os seus fins), substitui-se o

modus operandi do Direito que, de repressor, passa a ser também interventor promocional.

Esse Direito quer que o indivíduo atue transformando a sociedade humana em que vive e, para isso, precisa oferecer recompensas. Surge a chamada sanção positiva. Para estimular os indivíduos a se associarem e desenvolverem a atividade econômica que permite a multiplicação de riqueza, o Direito institui e mantém esse esquema da responsabilidade limitada através da personificação societária (Justen Filho, 1987, p. 46-51).

Notemos que a limitação da responsabilidade só é possível para as sociedades que têm personalidade jurídica. Como indica Koury,

A função do instituto pessoa jurídica é limitar os riscos empresariais, através do reconhecimento de sua existência como distinta da existência de seus membros, que objetiva principalmente estimular o desenvolvimento das atividades econômicas e contribuir, assim, para o desenvolvimento social, não é evidentemente ilegítima; todavia, a utilização desta situação pode ter, em alguns casos, esse caráter (Koury, 1998, p. 67).

A limitação da responsabilidade daqueles que empregam capital próprio na formação de uma sociedade comercial é um meio de fomentar a atividade empresarial, pois

limita os riscos inerentes. O empresário que desloca parte de seu capital para aplicação em um empreendimento tem, de antemão, a certeza de que, caso não tenha sucesso, perderá somente aquilo que investiu. Reconhecidamente, uma das mais úteis invenções científicas no campo da

criação jurídica foram as sociedades comerciais, e a possibilidade de responsabilidade limitada no exercício dos negócios,tal como refere Costa (1984, p.66).

Justen Filho (1987) relaciona o próprio aparecimento do instituto da personalidade jurídica à proliferação das sociedades anônimas — caracterizadas por serem diferentes das outras sociedades até então existentes, as chamadas sociedades de pessoas, às quais o direito europeu nega personalidade jurídica. A sociedade por ações já nasceu com feições publicísticas e, em sua gênese, era tida como uma massa inconfundível com os sócios. Afirma o autor que

A variabilidade de sócios, a dimensão do capital, a relevância da atividade econômica desempenhada, assim como a adoção de estrutura administrativa autônoma e complexa, distinguiam a companhia como uma espécie jurídica à parte (Justen Filho, 1987, p. 23).

Como todo instituto jurídico, a pessoa jurídica também poderá ter sua função desviada, ou seja, utilizada contrariamente às suas finalidades. O desvio de função consiste na falta de correspondência entre os fins buscados pelas partes e o objetivo do Direito ao contemplar aquele instituto. Aí entra a desconsideração da pessoa jurídica11, expediente utilizado pela jurisprudência para preservar o instituto dela, afastando-o, porém, diante de um caso concreto, a fim de alcançar as pessoas que estão por trás dela.

Outline

Documentos relacionados