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Reflexão na Unidade de Cuidados Intermédios da MAC

No documento anexos e apendices (páginas 151-158)

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Durante a minha permanência na Unidade de Cuidados Intermédios tomei contacto com algumas situações que aliavam à prematuridade outros factores de risco, como toxicodependência dos pais, problemas sociais ou familiares já detectados durante o período de gravidez.

Estes bebés estavam normalmente internados no piso 1 da Maternidade Alfredo da Costa, no designado “Espaço Bebé”. Este espaço foi encerrado no dia 22 de Novembro por motivo de reorganização dos serviços. Este espaço tinha como principal objectivo a promoção da vinculação. Nele ficavam internados recém- nascidos que necessitavam de apoio na introdução da alimentação, recém-nascidos a aguardar adopção, recém-nascidos com síndrome de abstinência, recém-nascidos com necessidade de fototerapia, ou recém-nascidos de cesariana onde se proporcionava descanso às mães no intervalo das mamadas. Devido ao seu encerramento os recém-nascidos foram transferidos para a neonatologia. Este facto permitiu-me prestar cuidados de modo mais direccionado a uma das famílias em questão, colaborando com a enfermeira orientadora do local de estágio na prestação de cuidados e colher informação junto desta do ponto de vista social, emocional e relacional, perspectivando a continuação do plano de intervenção iniciado durante o internamento pela equipa multidisciplinar.

Relato o caso de um destes recém-nascidos. A Maria é uma recém-nascida de 39s e 5 dias, nasceu com apgar 8/9 sem dismorfismos e com boa vitalidade e em síndrome de privação. Mãe com 38 anos de idade, toxicodependente, com consumo de cocaína durante a gravidez e metadona (97,5mg/dia). Serologias para HIV, HCV positivas.

A recém-nascida foi transferida do espaço bebé para a unidade de cuidados intermédios da Neonatologia por síndrome de privação, encontrando-se a cumprir protocolo com morfina. Efectuada avaliação diária com Escala de Finnegan, para avaliação de síndrome de abstinência. A mãe vem por vezes ver a bebé e nesses períodos mostra-se afectuosa com a criança e participativa nos cuidados. No entanto esta é uma situação já conhecida pelo serviço social e já referenciada à CPCJ. A casa onde habita não reúne condições mínimas de higiene para receber

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esta criança, pelo continuará internada até que as condições mínimas estejam reunidas para que possa transitar para o domicilio.

Tentei, perceber junto da enfermeira orientadora, o papel do enfermeiro na prestação de cuidados a este grupo, a finalidade era perceber quais as dificuldades com que se defrontam ao trabalhar com esta população, o que considera que falha na nossa intervenção e o que acha ser necessário para colmatar essas falhas.

A Enfermeira orientadora de estágio considerou que as principais dificuldades que sente no cuidar destes utentes toxicodependentes, prende-se com as características pessoais destes últimos, que comprometem por vezes o estabelecimento de uma relação terapêutica entre o profissional de saúde menos esclarecido e o utente.

Embora não se possa generalizar existem muitas características semelhantes, ao nível da personalidade, que estão presentes nestes utentes. Segundo Magura e Laudet (1996) citados no documento elaborado por Substance abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA, 2000) uma grande parte dos adultos toxicodependentes foram alvo de maus tratos em crianças o quer provoca na idade adulta, algumas características comportamentais mais imaturas. Esta situação é reforçada também por Martinet (2008) e traduzem-se por imaturidade; dificuldade em confiar nos outros; perturbação da auto-estima; tendência para agir e fraca tolerância à frustração, entre outros.

Estas características, associadas à necessidade constante de satisfazer uma necessidade imediata – consumo de droga – levam, de acordo com Cotralha (2007) citando Weissman, Marre Katsamples (1976), a que se desenvolvem outras problemáticas associadas à toxicodependência, nomeadamente delinquência e prostituição. Desta forma encontra-se justificado o mencionado pela enfermeira, relativamente ao facto de uma das maiores dificuldades para os profissionais de saúde que cuidam desta população alvo, ser a fuga pela qual estas famílias optam, resistindo a uma intervenção e ao estabelecimento de uma relação de ajuda com os profissionais de saúde.

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Para que a intervenção junto desta população seja bem sucedida e, com isto, se reduza o nível de insucesso da mesma, é importante considerar os aspectos relacionais por parte dos profissionais de saúde, face a esta população alvo. Por outro lado, a comunicação e a partilha de informações entre instituições e entre profissionais, surge como um dos aspectos a considerar num protocolo de actuação, sendo esta uma das principais lacunas apresentadas pela enfermeira entrevistada.

Neste sentido, refere a DGS (2007, p.19) no documento técnico a propósito da intervenção dos serviços de saúde no âmbito de situações de protecção de crianças e jovens, que esta deve ser “… articulada e integrada, através do funcionamento de verdadeiras redes de apoio a nível local”. E reforça a necessidade desta articulação ao referir que, o desconhecimento das redes de apoio é um constrangimento que interfere na intervenção “proactiva” dos profissionais de saúde, sendo esta articulação crucial para que um Plano de Intervenção e de apoio à Família (PIAF) possa ser realizado com sucesso.

Esta entrevista efectuada à enfermeira orientadora foi muito útil na medida em que fui alertada para o papel do enfermeiro no cuidar da população toxicodependente e fez-me perceber que alguns aspectos na nossa postura e comunicação não verbal têm repercussões na aceitação e confiança nos profissionais de saúde.

De acordo com Morel, Hervé, Fontaine (1998) os toxicodependentes provocam em nós em geral e nos profissionais de saúde em particular, sentimentos e reacções contraditórias e “contra-transferenciais” que deverão ser discutidas e analisadas no seio da equipa multidisciplinar. Os mesmos autores (idem p. 199) baseados no referido por Pierre Lamarche, referem que o tratamento e o cuidar de um toxicodependente tem de ser baseado numa “intervenção estruturada”, embora considerem que “o que visa antes de tudo esta «intervenção estruturada» é favorecer uma mudança e uma dinâmica pessoal que não se pode realizar sem o suporte de uma relação… isto exige sem duvida libertarmo-nos de um certo numero de preconceitos”.

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Nesta entrevista a enfermeira referiu não considerar que as mães toxicodependentes estão incapacitadas para a prestação de cuidados ou que são incompetentes nesta prestação, com efeito no caso descrito acima a mãe quando presente demonstrava-se sempre muito afectuosa e participativa nos cuidados. Autores como Cardoso e Manita (2004, p.16) confirmam a posição aqui apresentada referindo, com base em estudos realizados por outros autores, que “… a mulher toxicodependente não é necessariamente, devido a qualquer deficit inerente à estruturação da personalidade, incapaz de assumir o papel de mãe”. Esta mulher necessita antes de mais de um apoio firme de uma rede social bem definida, para que possa desenvolver as suas competências maternais – a parentalidade, embora sob supervisão. Desta forma torna-se de extrema importância desenvolver-se um trabalho em equipa, onde impere a coesão entre os diversos elementos, aliado a um bom suporte teórico e orientativo de actuação. Tudo isto para que se possa intervir visando o interesse superior da criança. Assim, considerando os princípios orientadores da intervenção que constam na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, lei nº 147/99 de 1 de Setembro, ressalta a necessidade de manter a criança no seio familiar, proporcionando a esta ultima um suporte para conseguir manter um adequado desenvolvimento da criança, respondendo da melhor forma às suas necessidades. Nesta situação apresentada estava-se a tentar, em conjunto com outros profissionais: assistente social, psicóloga, e equipa de apoio domiciliário. Reunir as condições necessárias para que o recém-nascido pudesse ir para casa e estivessem asseguradas todas as necessidades.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Curso de Licenciatura em Enfermagem

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Legislação

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 Decreto-Lei nº 104/98 D.R. I Série 93(1998-04-21) 1753-1756 (código Deontológico dos Enfermeiros)

 Lei n.º 147/99 D.R. Serie-A 204 (1999-09-01) 6115-6132 ( Lei de protecção de crianças e jovens em perigo)

 Decreto regulamentar n.º 66/2007. D.R. Série-A 103 (2007-08-31) 25252 (nomeação do Chief Nursing Officer)

 Despacho nº 31292/2008. D.R. II Série 236 (2008-12-06) 49207-49231 (Acção de Saúde para crianças e jovens em risco)

APENDICE XIV

No documento anexos e apendices (páginas 151-158)