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Reflexão na Urgência de Pediatria do HSM

No documento anexos e apendices (páginas 132-139)

2º Curso de Mestrado de Enfermagem e Especialização em Saúde Infantil e Pediatria

Lisboa Novembro de 2011

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A parentalidade é uma das tarefas mais importantes da vida adulta e as expectativas interiorizadas relativamente ao papel de pai ou mãe podem alterar o desenvolvimento da criança e da própria família. O nascimento de um filho marca a transição para uma nova fase do ciclo de vida individual e familiar. À medida que os pais incorporam o bebé nas suas vivências individuais, interacção didáctica e redes sociais surgem modificações no papel, estas modificações podem ser extensas e até radicais. Razão pela qual, a adaptação à parentalidade (novo papel) pode ser difícil para algumas pessoas podendo coexistir múltiplos factores que podem contribuir para isso.

A parentalidade implica então um conjunto de tarefas intensivas e a longo prazo, requerendo competências a vários níveis. Sujeita a tarefas de adaptação desenvolvimental e a sucessivas mudanças, que envolvem a necessidade de prestação de cuidados e de afectos necessários para que a criança possa realizar um desenvolvimento óptimo das suas capacidades dentro e fora da família (Cowan e Cowan, 1998 citado por Oliveira, Pedrosa e Canavarro 2005). Enquanto processo de reorganização, pode simultaneamente contribuir para o próprio desenvolvimento pessoal dos pais (Canavarro, 2001; Leal, 1997; Citados por Oliveira, Pedrosa e Canavarro, 2005).

Relembro uma situação que me chamou particularmente à atenção em contexto de triagem: tratava-se de uma mãe que trazia o seu filho de 11 anos á urgência por lhe ter sido diagnosticado, em exame de rotina (Tomografia Axial Computorizada), um desnível de 2mm num dos membros. Este facto preocupava de tal maneira a mãe que, trouxe a criança à urgência para que fosse observada o mais rapidamente possível por um ortopedista. A enfermeira da triagem explicou à mãe que poderia sempre aguardar por uma a consulta de rotina, ao que a mãe referiu não ficar descansada até que ele fosse observado, pois tinha medo das consequências deste problema na sua vida. Ao questionar a mãe sobre doenças ou problemas de saúde da criança esta começou a desvendar todo um conjunto de consultas em que a criança estava a ser acompanhada: consulta de psiquiatria, consulta de desenvolvimento, medicado actualmente com Ritalina®, e a frequentar consultas de psicologia. Referiu, ainda, na presença da criança, que estava farta de toda a situação e já não o podia aturar, era muito difícil para ela cuidar dele, para

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além disso referiu que tinha pouco apoio familiar, pois o marido era camionista e estava muitas vezes ausente, e ela era a única que cuidava dele.

Em todo este período a criança encontrava-se sentada na cadeira, jogava

Play-Station, e nunca interagiu, parecia alheada a toda a conversa, o que se

verificou falso, pois quando a enfermeira questiona a mãe sobre qual o peso actual da criança esta levanta os olhos do jogo de Play-Station e refere “peso 42 quilos e estou a ouvir tudo o que dizes”. A mãe ignora o referido e continua a queixar-se de toda a situação. A enfermeira termina o processo de triagem atribuído a pulseira verde á criança e dizendo á mãe que esta terá que aguardar na sala de espera pela observação do médico.

Quando a mãe abandona a sala de triagem a enfermeira comenta, não era o filho que devia ser tratado mas a mãe. Com efeito considero que esta mãe necessitava de apoio.

Tornar-se pai ou mãe, é pois, uma transição particularmente crítica, não só pelo seu carácter permanente, mas também pelas implicações que requer o ajustamento à família. Meleis et al, refere que “para compreender a experiencia dos clientes durante um processo de transição é necessário descobrir os factores que podem facilitar ou dificultar o processo de transição” (2000, p.21). Estes podem estar relacionados com o próprio sujeito, com as características da própria criança e em factores do contexto social, de apoio ou stress, em que a relação está inserida. A personalidade e a história de desenvolvimento dos pais, a relação conjugal, o emprego, a rede de contactos sociais de que faz parte, são também factores apontados como podendo ser facilitadores ou inibidores do processo de transição e, como tal, a serem tidos em conta. Pode ser muito difícil em contexto de urgência avaliar todas estas questões, a triagem é um processo que se requer rápido. No entanto, considero que seria de primordial importância referenciar estas situações ao centro de saúde. Os cuidados de enfermagem na comunidade possibilitam uma actuação mais estreita e continuada e estes factores são muito importantes quando se trata de famílias de risco. A actuação estreita e continuada providencia “competência no cuidar” mas isso requer “continuidade das relações entre os profissionais de saúde e os pacientes” (Meleis et al, p.24)

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Neste sentido, após a observação deste episódio questionei a Enfermeira Especialista em SIP, e que integra o NHACJR, se seria possível utilizar a” Folha de Referenciação de Enfermagem para situações de RISCO em saúde infantil” (Anexo I)1 para referenciar ao Centro de Saúde todas as situações, que em contexto de triagem, se verificassem factores risco.

Embora não reunisse critérios de referenciação ao núcleo (existem factores de risco mas não são significativos ao ponto de justificar uma intervenção do NHACJR). Esta situação poderia tornar-se perigo, requerendo, por isso, intervenção de enfermagem.

Ficou combinado, com a Enfermeira Especialista de SIP, que a partir de agora esta folha de enfermagem serviria para referenciar todas as situações em que sejam detectados alguns aspectos que beneficiem de uma avaliação mais cuidada na comunidade, proporcionando uma actuação de enfermagem mais individualizada e adequada. Embora a enfermeira especialista considerasse ser necessário envolver e despertar mais a equipa para estas questões de modo a este processo fosse implementado e continuado.

Intervir junto das famílias, em especial nas famílias de risco, é de primordial importância, em que o Enfermeiro Especialista em SIP, pode assumir um papel de relevo e ser promotor dos processos de transição para a parentalidade e práticas parentais positivas atingindo ganhos em saúde. Tal pode ser conseguido através da participação dos enfermeiros em programas de educação parental; desenvolvimento de estratégias de intervenção, trabalhar os cuidados antecipatórios nas Consultas de Enfermagem de Saúde Infantil ou ensinar os pais sempre que se verifiquem dificuldades na interacção e nos cuidados a providenciar à criança (em contexto de triagem por exemplo), possibilitando uma optimização dos papéis parentais. Deve ser tido em conta que cada “transição é caracterizada pela sua unicidade, complexidade, e pelas múltiplas dimensões que encerra”( Meleis, 2000, p. 27).

Ao promover e facilitar as relações entre os pais e as crianças, o enfermeiro protege e promove o seu bem-estar e melhora as condições de desenvolvimento

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sócio afectivo das crianças, promovendo factores protectores e minimizando factores de risco.

O adequado desenvolvimento infantil é o somatório de diversos factores, estando os pais entre os mais importantes. As intervenções centradas na família e nos pais, encontram-se entre as formas mais prometedoras de promoção de bem- estar emocional da criança e de prevenção de comportamento anti-social. Numerosos estudos têm demonstrado que diferentes problemas de comportamento na infância predizem comportamentos anti-sociais na adolescência e idade adulta, e que, embora nem todas as crianças com problemas de comportamento se tornem adultos anti-sociais, quase todos os adultos anti-sociais foram crianças com problemas de conduta (Gaspar 2003). O ponto comum das diferentes teorias é o de que alterando os comportamentos dos pais isso tem impacto no comportamento das crianças (Stewart-Brown, 2000 citado por Gaspar, 2003).

A sociedade actual trouxe implicações na forma como actualmente se educam as crianças. As alterações na estrutura familiar, nomeadamente o acréscimo de situações de divórcio e de famílias monoparentais e reconstruídas, a falta de apoio inter-geracional, são alguns factores que trouxeram algumas repercussões na educação dos mais novos (Marujo & Neto 2000).

O Enfermeiro Especialista em SIP deve promover a articulação e continuidade dos cuidados e ajudar os pais no exercício do seu papel parental e na aquisição de competências associadas a um eficaz exercício do seu papel. De facto, ao melhorarem o seu nível de informação, sobre as mais diversas temáticas, nomeadamente o desenvolvimento, a aprendizagem e saúde dos seus filhos, os pais sentir-se-ão mais competentes. Meleis refere que conhecimento é poder (“Empowering”) para aqueles que o desenvolvem, para aqueles que o usam e para aqueles que beneficiam dele. “Conhecer as propriedades e condições inerentes ao processo de transição pode levar ao desenvolvimento de terapêuticas de enfermagem que são congruentes com a experiência única do cliente e suas famílias, e promovem respostas saudáveis as transições.” (2000, p.27) É papel importante do Enfermeiro Especialista em SIP actuar aos diversos níveis de prevenção (OE 2009), e a este nível é importante identificar o risco e intervir

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precocemente promovendo o acompanhamento dessas famílias nos Centros de Saúde e deste modo, o enfermeiro facilita e promove o processo de transição, e obtém ganhos em saúde.

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No documento anexos e apendices (páginas 132-139)