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REFLEXÃO SOBRE O HUMOR NOS CUIDADOS À

No documento AA Relatório de Estágio (páginas 64-68)

Lançando um olhar sobre o que foi observado, questionado e partilhado, entreveem-se respostas para o que foi formulado inicialmente: o humor, à semelhança de outros contextos, ocorre entre enfermeiros e pessoas com DHO, aparentando ser pertinente e adequado, ao olhar de ambos. Riley enumera três características a atender: tempo, receptividade e conteúdo (2004).

Ainda que determinado pelas características das pessoas, do contexto e da relação entre estas, geralmente o humor neste âmbito, originado pelos enfermeiros, encontra-se associado às atividades que estão a decorrer, indo o seu teor ao encontro destas. Surge como relevante para abordar assuntos importantes, no reforço da relação transpessoal do cuidar, trazendo aparentes efeitos positivos, permitindo o ensino e a descentralização da atenção sobre a doença e a sua gravidade, tendo em vista a descontração, o relaxamento ou o aligeirar de problemas, sem no entanto os desvalorizar. A função social emergiu também como relevante e encontrou-se presente na realidade. Todas estas caraterísticas são coincidentes com os dados obtidos na RSL construída. Pátenaude & Brabant (2006) numa RSL acerca do humor na relação enfermeiro-paciente referem que o humor surge nos cuidados de forma contextual, situacional e espontânea, advindo de situações comuns, auxiliando a construção de uma relação terapêutica, fortalecendo os laços existentes e permitindo abertura para a discussão de temas sensíveis.

De acordo com Watson a Ciência de Enfermagem do Cuidar constitui uma experiência centrada na pessoa, nas respostas humanas à doença, numa perspectiva para além da mecanicista, não somente centrada no método, em factos ou na patologia/fisiologia, mas que permita a compreensão da dimensão existencial-fenomenológico-espiritual, uma vez que o ser humano é constituído por mente, corpo e espírito, num resultado maior que a soma das partes (2002a).

Grande parte dos enfermeiros usa o humor de forma natural e inconsciente, inerente à sua atuação, ainda que alguns o utilizem intencionalmente, à semelhança do que é descrito por

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Bottorf et al (1995), Astedt-Kurki et al (2001), Astedt-Kurki & Isola (2001) e José (2008). Christie & Moore afirmam o humor como uma intervenção relativamente inexplorada (2005). Há que salientar que uma intencionalidade terapêutica pode ocorrer em qualquer uma das situações, quer sejam programadas antecipadamente ou espontâneas. Numa intervenção planeada existe concerteza uma intenção de produzir um benefício terapêutico para a pessoa, mas se não existir domínio no desempenho, pode perder o caráter humoroso.

A existência de algumas atividades para as quais se entreviram alguns padrões verbais de humor associados, como aquando da avaliação de temperatura, pode manifestar essa intencionalidade, talvez por as situações serem rotineiras, ou consideradas incómodas. Isto não impede que os enfermeiros o vejam como estratégia ou como intervenção terapêutica, mas geralmente não é registada e avaliada como tal, face à sua ocorrência e ao seu efeito.

O feed-back das pessoas com DHO que partilharam as suas opiniões foi bastante positivo, quanto ao seu uso, forma e apropriação, referindo-se a um aumento do bem-estar e de melhoria da disposição, características também identificadas por José (2008).

As situações referidas como mais condicionantes da utilização do humor, para além da inerente e necessária adequação, foram o estado da pessoa quando agravado, ou o não conhecimento desta, factores apontados por Astedt-Kurki & Liukkonen (1994). A carga laboral, o stress e a disponibilidade, também foram assinalados como influenciadores no uso do humor. Hessig et al (2004) referem a falta de tempo como dificultante da implementação do humor.

Os enfermeiros manifestaram interesse e desejo de aumentar os conhecimentos acerca deste tema, mas mais ainda, revelaram necessidade de linhas orientadoras que auxiliem à implementação efetiva do humor como intervenção.

De acordo com Watson a enfermagem, definida como “uma ciência humana de pessoas e de saúde humana (…) requer que o enfermeiro seja cientista, teórico e clínico, mas também um agente humanitário e moral na qual o enfermeiro como pessoa está envolvido como um co-participante activo nas transacções humanas do cuidar” (2002a, p. 97).

A utilização de recursos, que não o instrumento terapêutico da própria pessoa do enfermeiro em prol do humor, foi rara e não observada até à disponibilização dos apetrechos e outros anteriormente referidos. Quando um mês depois a folha de registo dos recursos disponibilizados foi analisada, verificou-se ter ocorrido o uso de vários recursos, em dias

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distintos, por múltiplos enfermeiros, para o qual contribuiu a época festiva atravessada (carnaval), mas que não deixa de transparecer a adesão à sua utilização pelos profissionais.

A observação das notas diárias de enfermagem dos vinte e quatro processos, cerca de um mês depois, revelou que não existe registo do uso ou efeito do humor utilizado, nem nos dias em que se recorreu mais aos recursos disponibilizados. O humor não é descrito nas notas diárias, nem enquanto característica da pessoa, nem como parte da comunicação ou da relação, nem como intervenção específica. Hessig et al (2004) referem que uma intervenção única educativa não revelou alterações na atitude, aprendizagem ou auto-relato de utilização quanto à introdução de terapias complementares, nas quais se incluía o humor.

Na observação dos registos de enfermagem constata-se que somente oito enfermeiros se referem ao humor ou disposição da pessoa, não existindo descrições do seu estado de ânimo, excepto quando ocorre uma situação de tristeza ou de introversão. Geralmente as pessoas são avaliadas quanto à comunicação, consciência e ansiedade, quanto às suas necessidades humanas, para além de uma multiplicidade de acontecimentos registados, que revelam frequentes alterações, como febre, dores, exames, análises várias, entre outras, das quais ocorre um registo detalhado. Existe uma predominância generalizada na Enfermagem, vinculada pelo anterior modelo bio-médico, para dar maior relevância às atividades de carácter técnico. Wang et al, numa RSL acerca dos registos efetuados pelos enfermeiros, afirmam que “muitos estudos mostraram a predominância de documentação de natureza biomédica e insuficiente registo dos aspetos psicológicos, sociais, culturais e espirituais do cuidar” (2011, p. 1868).

Quando sucede um agravamento do estado da pessoa, a adequação do humor é necessária e as opiniões recolhidas manifestam que tal é ponderado e aparentemente eficaz, no entanto, observa-se na prática que coexiste stress e um aumento de atividades a desenvolver e consequentemente a registar. A hipótese que coloco é a de que uma maior disponibilidade dos enfermeiros através de um rácio distinto enfermeiro/pessoa com DHO, implicaria um menor volume de trabalho e permitiria mais tempo para a prestação e registo das intervenções de enfermagem, possibilitando uma intervenção mais focada na área emocional e espiritual e simultaneamente uma documentação mais fiel das mesmas. A meu ver sem estas condições, algumas intervenções serão relegadas para segundo plano ou omitidas, para dar relevo a outras que foram desempenhadas no sentido de dar resposta a uma descompensação física.

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A dinamização do humor como intervenção e como estratégia ao serviço do cuidar terá de ser continuada e alargada a todos os elementos da equipa, através de mais sessões de partilha da evidência científica, já programadas e fomentada através do próprio exercício da criatividade dos enfermeiros, através de exercícios em atividades formais, ou informalmente no quotidiano, bem como através do espaço criado para a equipa.

A partilha dos conhecimentos e condicionantes inerentes à utilização do humor pela Enfermagem, o exercício da criatividade da equipa, a estimulação mental desta nesse sentido e o fornecimento de recursos, são relevantes para permitir aos enfermeiros compreender várias particularidades de uma estratégia que já integram na sua prática, mas que é muitas vezes desvalorizada. Quer seja integrante da comunicação, da relação, ou como apoio emocional, pode ser encarada como uma intervenção profissional, necessitando para isso ser pensada, apropriada, registada e avaliada, para o que, implica formação, desenvolvimento e pesquisa.

Figura 3 - Na prática dos

cuidados

Defendendo o humor como integrante do cuidar, há que espelhar também isso, enquanto dinamizadora do seu crescimento na equipa e através da atuação profissional (figura 3), quer no uso efetivo das intervenções, quer no registo destas, de forma a promover a melhoria dos cuidados prestados, mas também agindo enquanto perita.

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