• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I CAMINHOS DA PESQUISA

1.5 REFLEXÕES SOBRE A ENTREVISTA ENQUANTO FERRAMENTA DESTA

primários sobre um tema. No entanto, para que a entrevista possa ser considerada como uma fonte de dados para a pesquisa é preciso que a entrevista seja preparada e pensada muito antes de sua realização. A escolha da ordem das perguntas é fundamental para criar um desencadeamento de temas que se pretende abordar durante a entrevista ou questionário (BORDIEU, 2007). No caso da pesquisa sobre sertão, começar a entrevista falando de política atrapalha e cria uma resistência para falar sobre sentimentos, valores e imagens emanados por este. Além da sequência, é preciso ter cuidado com a formulação das perguntas: uma vez a pergunta feita, o que foi dito não poderá ser desdito e pode influenciar nas respostas que se obtém. Por exemplo, se perguntamos sobre as imagens que vêm à cabeça quando pensamos no sertão e em seguida perguntamos sobre quais são os símbolos que representam o sertão, pode ser que estes sejam influenciados pela imagem que apareceu na consciência desses agentes quando instigados pela pergunta anterior.

Outro aspecto a considerar é a maneira como se pede por um aprofundamento em dado tema. Por exemplo, quando perguntados sobre como sabem que estão no sertão ou fora dele, muitos entrevistados responderam “mudança na paisagem”, mas o que mais interessava eram quais mudanças aconteciam e como eles percebiam essas mudanças. Às vezes uma única espécime vegetal pode ser responsável para que a mudança seja notada por eles. O conhecimento que muitos têm da caatinga faz com que essas experiências se tornem mais próximas para eles: a caatinga está lá fora e a caatinga está neles. Faz parte da vida deles, da experiência. A mudança não é apenas de bioma e nem sempre é gritante, mas aparece através das imagens gravadas nas memórias das experiências vividas nesses lugares.

algumas entrevistas aconteceram em situações desfavoráveis,quando não houve comunicação sobre o tema e durante as quais as pessoas estavam em presenças virtuais: de corpo, mas não de alma, dando respostas mecânicas e por vezes ensaiadas. Isso foi mais frequente quando os entrevistados eram ligados ao poder público, pois por vezes não estavam, não podiam ou não queriam se colocar diante da situação como ela se apresentava: uma oportunidade de reflexão e construção de uma argumentação sobre situações de sua vida. Às vezes, o interesse era muito mais de exaltar seus feitos administrativos e queixar-se de situações cotidianas, do que de se entregar à situação. No entanto estas entrevistas serviram para o processo reflexivo da pesquisa, sobre a entrevista enquanto ferramenta metodológica e sobre a nossa postura enquanto pesquisadores. Neste sentido, sua transcrição auxiliou no aprofundamento das reflexões sobre o processo de realização das entrevistas, nos tornando cientes das nossas falhas e nos instigando a melhorar.

Ao longo da pesquisa, parece que a qualidade das informações das entrevistas aumentou. Isto talvez justamente pela possibilidade de reflexão ao longo do tempo e pelo aumento do traquejo em sua realização. No princípio, estávamos muito mais voltados para seguir as perguntas, para não deixar nada passar, preocupados com o número de entrevistas que pudessem validar a pesquisa, que dessem corpo ao trabalho. No entanto, quando as respostas se saturaram e mais nada de novo havia, a intenção mudou: a entrevista passou a ser mais uma fonte de encontro com o outro, de conhecimento da vida e do trabalho do outro e era cada vez menos uma ferramenta exclusiva de obtenção de dados. Parece que a entrevista encarada como momento de encontro, momento de descoberta (mesmo quando aparentemente não havia mais descoberta a fazer) frutificou mais e trouxe informações valiosas para a pesquisa, o que não desmerece as primeiras entrevistas, mas mostra um processo de amadurecimento. Como dissemos, no primeiro momento estávamos mais voltados para ver o que apareceria de diferente em cada entrevista. Buscávamos ver sempre novas possibilidades, contradições, havia uma preocupação com a necessidade de obter resultados, talvez aqui os prazos tenham sido fatores limitantes da pesquisa porque podaram a calma e a tranquilidade necessárias também no primeiro momento.

Questionamos aqui a eficácia da entrevista em grupo focal, para ser aplicada no mestrado em pesquisa regional porque é tarefa árdua e quase impossível, demandando muito esforço e tempo para sua concretização. Como articular entrevistas em 11 municípios diferentes sem ter nenhum contato direto no município? Em alguns municípios o poder público ajudou, mas em

outros era preciso bater nas portas e perguntar nas praças: tem alguém da capoeira? Tem algum reisado? Quem faz artesanato? Nesses municípios era impossível fazer entrevista em grupo, pois os contatos com os agentes eram feitos individualmente. Também não havia nenhum cadastro de artistas/agentes de cultura. Como articulá-los? É preciso reconhecer que, quando foi possível, a entrevista em grupo foi proveitosa: com debates e discussões sobre o tema que enriqueceram a entrevista, mas as dificuldades para sua realização foram muitas. A estrutura necessária para realizar a entrevista em grupo focal é difícil de ser aprontada nas viagens: é preciso que haja um ambiente confortável e familiar, que todos conheçam e estejam dispostos a ir. Quando é possível que isso aconteça novos problemas aparecem: como fazer jovens de 18 anos e senhores de 85 discutirem um tema? Como criar canais de comunicação entre eles? Para além da idade, como criar canais de comunicação entre pessoas de diferentes escolaridades? Gêneros? Religiões? Partidos?13 Por isso questionamos a entrevista em grupo focal como metodologia que possibilita igualar os entrevistados, pois, ainda que suas opiniões tenham o mesmo valor, em grupos muito heterogêneos é difícil convencê-los desta igualdade. Não raro, entrevistados de menor capital cultural pedem para que entrevistados mais cultos respondam as perguntas voltadas para políticas culturais; idosos não aceitam interrupções de jovens (e deveriam aceitar? Até onde vai o limite entre respeitoso debate e desrespeito entre pessoas de gerações distintas?).

A relutância algumas vezes de fazer entrevista em grupo focal aparece também pela necessidade de separar, num município, por vezes desconhecido, pessoas ligadas ao poder daquelas que não são. Nessas situações, há possibilidade de os que não recebem apoio se sentirem retraídos para responder determinadas perguntas com medo de sofrer represálias. Ou seja, não é suficiente separar apenas quem é poder público de quem não é, é preciso separar agentes muito envolvidos com o poder daqueles que não estão. Nenhuma entrevista que seja realizada sob intimidação é fonte confiável de dados.

Ressaltamos, junto com Bourdieu (2003; 2007), que há ainda a possibilidade de criação de barreiras entre pesquisador e os agentes da pesquisa na entrevista devido ao “mito do especialista”. Uma vez que tratando-se de uma pesquisa em Geografia, as pessoas esperavam que déssemos as respostas sobre o que é sertão e eles estranhavam o meu interesse em saber a opinião deles sobre os temas levantados.

13 É importante lembrar que em muitas cidades pequenas da Bahia a disputa política nos municípios influencia quais

grupos serão beneficiados e quais serão excluídos durante a gestão. Nesta disputa, muitas vezes é difícil haver colaboração entre pessoas adeptas de grupos diferentes.

Por fim, aparentemente, do mesmo modo que quando se muda o método e os paradigmas da pesquisa pode-se mudar os resultados alcançados (SERPA, 2014b), quando se modificam os nós articuladores das redes de entrevistados há também a possibilidade de modificações na construção da rede e também dos resultados obtidos. Nortear uma rede de entrevistados a partir de um contato inicial que seja representante do poder público pode nos levar a entrar em contato com os grupos mais bem articulados e fortes, enquanto que,se a articulação acontece estritamente via sociedade civil, a rede que estabelecemos passa a ser outra, modificando-se, assim, os agentes da pesquisa.

CAPÍTULO II – TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE: REGIONALIZANDO