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CAPÍTULO II – TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE: REGIONALIZANDO

2.3 REGIÃO E TERRITÓRIO: DIÁLOGO ENTRE OS DOIS CONCEITOS

Serpa (2015b) aponta para a necessidade de diferenciar as regionalizações e regionalismos construídos e consolidados no cotidiano das regionalizações estatais criadas com base no planejamento regional. As primeiras, relacionadas à ação da sociedade, a sua organização histórica e cultural, instituem uma “consciência regional” e são “[...] reflexo e condição de uma apropriação simbólica e material do território” (SERPA, 2015b, p. 306). As segundas são fruto da ação do estado e visam a atender aos seus interesses. Segundo o autor, o desafio é justamente colocar em convergência essas perspectivas que influem, de formas distintas, no planejamento territorial e que tem rebatimento no cotidiano da população dos Territórios de Identidade. No item anterior, buscamos apresentar as bases e o contexto de implantação do Território de Identidade na Bahia como regionalização oficial. Segundo o discurso oficial, esta regionalização foi pensada como uma forma de valorizar a vida social como um todo, e não apenas os aspectos econômicos. No entanto, verificamos que muitos dos problemas enfrentados, para a consolidação e a efetivação do Território de Identidade enquanto regionalização oficial, persistiram a despeito dos esforços do governo do estado de tornar o Territóriode Identidade a única regionalização em uso nas secretarias. Buscamos enfatizar que um cenário nacional de depreciação do regional se estabeleceu na década de 1970, culminando na criação de diversos projetos de caráter territorial, para dar um sentido de coesão nacional. Consideramos, porém, necessário destacar a possibilidade e a necessidade de considerar a região em meio a uma constelação de conceitos24 (HAESBAERT, 2010), priorizando, aqui, o conceito de território, justamente por nos encontramos num contexto de regionalização que cria territórios ao invés de regiões.

Santos (2006) ressalta a crescente importância da escala regional para que haja uma compreensão mais ampla e completa dos fenômenos. O autor argumenta que, no mundo atual, que tem o modo capitalista de produção como predominante, a tendência é de aumento das fragmentações espaciais fazendo pulular regiões num contexto de complexificação sem precedentes das questões regionais. Mas, apesar da importância dada ao regional por este autor, as pesquisas em geografia regional sofreram declínio, dando espaço às pesquisas de caráter territorial, dado o cenário de depreciação do regional (VAINER, 1995). O regional ganha importância também se considerarmos a necessária articulação entre escalas geográficas (o local,

o regional e o global) proposta por Castro (1995), isto por compreender que o regional, enquanto recorte do espaço, torna visíveis fenômenos que não são possíveis de serem identificados em outros recortes. Além disto, a questão regional ainda hoje tem reverberado em si os impactos causados pela região-personagem de La Blache, que tornou a região um conceito-obstáculo na geografia, o que implicou na perda de sua primazia.

Haesbaert (2010) traça o panorama do conceito de região em geografia, enfatizando as possibilidades de relação entre os conceitos de região, território e espaço. O autor argumenta que “a ‘identidade’ de um conceito, um pouco como a própria construção de uma identidade social, não se define simplesmente pela concepção clara de um ‘outro’ frente ao qual ele se impõe, mas pela própria definição que este outro lhe concede – portanto, por sua imbricação” (HAESBAERT, 2010, p. 158). Neste sentido, para o autor, os conceitos devem ser considerados dento das suas delimitações, mas, sobretudo, através das fronteiras entre eles “[...] nos limiares, nas interfaces, nas interseções, sem os às vezes obsessivo estabelecimento de um recorte de delimitação estanque e bem definido” (HAESBAERT, 2010, p. 158). Ressaltamos que com esta afirmação o autor sinaliza para a necessidade de atentarmos para os conceitos superando as possíveis dicotomias entre eles, mas, certamente, respeitando os contextos históricos e epistemológicos do conceito em diferentes momentos do pensamento geográfico. O autor afirma que muitas vezes as distinções entre os conceitos são feitas por questões de foco das análises, que permitem destacar alguns aspectos dos fenômenos em detrimento de outros, pois a base de análise na Geografia é sempre a dimensão espacial da sociedade.

No tocante às associações e às relações possíveis entre os conceitos de região e território, o autor afirma que a distinção mais frequente dada aos dois conceitos é uma conotação mais analítica e instrumental no caso da região e, para o território, uma ênfase realista e que envolve “[...] mais diretamente fenômenos ou manifestações concretas [...]” (HAESBAERT, 2010, p. 169). Haesbaert argumenta ainda que o conceito de território está vinculado à dimensão política, às relações entre espaço e poder, mesmo com a amplitude que o conceito de território possa ter. A região, diferentemente do território, responde principalmente a questões de ordem epistemológica e como uma “[...] composição entre categoria de análise e categoria de prática [...]”(HAESBAERT, 2010, p. 170). Seu foco conceitual estaria, então, intimamente relacionado com a diferenciação do espaço a partir da regionalização, no caso do Território de Identidade teoricamente regionalizando a partir das identidades regionais preexistentes. Nestas relações, no

entanto, a região também pode ser vinculada a questões políticas, se considerarmos, por exemplo, a etimologia do termo região que procede “[...] de regere, que significa [...] ‘dominar, comandar, reger’ [...]” (HAESBAERT, 2010, p. 170, grifos do autor).

Na sua análise das possibilidades de relação entre os dois conceitos, o autor aponta para duas perspectivas: dissociativa e associativa. Na primeira há uma separação entre os dois conceitos e, em alguns momentos, um pode substituir o outro. Na segunda, os dois conceitos são trabalhados circunscrevendo-os um no outro, colocando-os em-relação, mas o autor ressalta que é o foco do pesquisador que torna visível os limites e relações entre eles. Lembra ainda que o percurso histórico em que o pesquisador está inserido não pode ser desconsiderado, pois, se assim fosse, os conceitos permaneceriam congelados no tempo, o que não ocorre.

Serpa (2013b, 2015b), baseado nas discussões realizadas por Haesbaert (1997) afirma que a região é um tipo de território, mas não em sentido amplo, sendo então “[...] um recorte do espaço geográfico que manifesta sua diferenciação enquanto um território que é apropriado/controlado de uma maneira a um só tempo concreta e simbólica através da consolidação da identidade territorial.” (SERPA, 2015b, p. 307) Aqui, há a identidade regional como “[...] manifestações específicas de certo tipo de identidades territoriais [...]” (SERPA, 2015b, p. 307). A compreensão da região, passa pela sua compreensão enquanto artefato (HAESBAERT, 2010), estando sempre no movimento entre a teoria e a prática.

2.4 POLÍTICAS CULTURAIS NOS TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE SERTÃO DO SÃO