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CAPÍTULO II – TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE: REGIONALIZANDO

2.1 REGIONALIZAÇÕES DA BAHIA: UM BREVE APANHADO

IDENTIDADE E CULTURA EM TERRITÓRIOS?

Neste capítulo pretendemos realizar um breve apanhado das regionalizações do estado da Bahia para refletir sobre a regionalização da Bahia em Territórios de Identidade, relacionando-a com as políticas culturais implantadas nacionalmente e que nortearam as políticas culturais estaduais que entraram em vigor no estado da Bahia desde então. Tentamos realizar um diálogo entre os conceitos de território e região enfatizando a primazia do primeiro sobre o segundo tanto nas ações do Estado quanto na academia. Em seguida buscamos refletir sobre o andamento das políticas de desenvolvimento territorial e cultural do governo da Bahia nos Territórios de Identidade Sertão do São Francisco e Sertão Produtivo.

2.1 REGIONALIZAÇÕES DA BAHIA: UM BREVE APANHADO

Entendemos que, para compreender o contexto de implantação da regionalização em Territórios de Identidade, é preciso considerar os aspectos norteadores das regionalizações que a antecederam. Apesar de termos como centro para as análises o Território de Identidade, ele traz em si traços das regionalizações antecedentes.

Souza (1993) indica que os processos de regionalização no Brasil estão historicamente e intrinsecamente relacionados com a ação do Estado, uma vez que quando as regionalizações não foram criadas pelo Estado, foram criadas a seu pedido. Podemos ressaltar, por exemplo, a consultoria prestada por técnicos do IBGE e professores de Universidades ao governo da Bahia em diferentes momentos.

A Bahia14 é considerada pioneira na criação de estruturas para o planejamento. Este pioneirismo já se verificava na década de 1930 com a criação dos institutos do cacau e do fumo, respectivamente em 1933 e 1955, quando do início da crise do plantio destas culturas, além da criação do Instituto de Economia e Finanças da Bahia em 1935. Este pioneirismo da Bahia pode ser verificado a partir das inúmeras mudanças de regionalização do estado com a finalidade de se aperfeiçoar o planejamento e suas funções por meio de projetos importantes. Ressaltamos que

estas regionalizações se baseavam nas teorias de planejamento mais fortes no momento (SOUZA, 2008).

Em 1966, a primeira regionalização efetiva da Bahia foi realizada com o estabelecimento de 21 Regiões Administrativas para o estado, entendidas como “[...] espaço contínuo definido em função da cobertura da atuação do governo sobre o território, tendo como centro uma sede urbana que concentraria as agências e órgãos de atendimento nas diversas áreas da atuação governamental” (SOUZA, 2008, p. 68-69). Com esta regionalização foram realizadas algumas atividades setoriais, no entanto, por não ter um modelo de descentralização, ela não conseguiu dar origem a um projeto integrado de planejamento regional, sendo modificada dois anos depois pela Comissão de Planejamento da Bahia (CPE) que dividiu o estado da Bahia em 16 micro-regiões programa.

É importante ressaltar que desde essa época a mudança de gestão (federal e estadual) influencia muito na forma como o planejamento regional da Bahia pode ser efetivado, pois muitas secretarias foram criadas, outras extintas e tiveram órgãos e funções modificadas ao longo do tempo. Na década de 1970, por exemplo, Souza (2008) aponta para a diminuição do espaço para o planejamento estadual quando da crescente centralização do poder, as políticas estaduais passaram, então, a estar subordinadas às diretrizes do governo federal. E, ao mesmo tempo em que isto implicou em um aumento de verbas para os estados, isto significou menor liberdade no planejamento, posto que as ações do governo estadual limitaram-se a adaptações dos programas lançados em âmbito federal. Foi neste período que as Assessorias Gerais de Planejamento (AGPO) deram lugar às Assessorias de Planejamento (ASPLAN). Destacamos que a mudança constante de atribuições de órgãos influenciou negativamente na consolidação das regionalizações, por não permitir ver os resultados de longo prazo das ações governamentais.

E no afã de se integrar/adequar às transformações ocasionadas pela globalização, a regionalização em regiões administrativas é modificada mais uma vez em 1973 pelo estado da Bahia. Ela estava, então, norteada a partir de princípios físicos e quantitativos, por meio do projeto de Regionalização Administrativa para o estado com a participação da Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia (SEPLANTEC), CPE e UFBA. Havia, neste projeto a clara convicção de que as regiões administrativas propostas não coincidam com as regiões econômicas, devido aos diferentes critérios metodológicos utilizados em sua criação, sendo possível, portanto, agrupar as regiões administrativas do estado em nove regiões econômicas. Frisamos que, apesar

de seu caráter funcionalista, essa regionalização tratou apenas indiretamente e de forma incipiente da temática dos desequilíbrios regionais e do desenvolvimento socioeconômico do estado. Além disto, na área social, o planejamento se restringiu a adaptações dos projetos idealizados pelo governo federal. Outro sinal da transitoriedade das políticas do governo é que já na década de 1980 as ações de planejamento são alteradas novamente, tornando-se setorizadas.

Um relatório de avaliação solicitado pelo governo do estado indica que desde esse período múltiplas regionalizações eram adotadas simultaneamente pelo governo do estado por meio das secretarias do governo (BAHIA, 1991). Esta postura foi considerada pelos técnicos do estado como um elemento dificultador para a descentralização das ações, para a integração entre os setores e para o acesso da população aos serviços prestados. Mesmo depois de duas décadas da implementação das regiões administrativas, apenas os órgãos ligados aos serviços sociais e de fiscalização adotavam-na para o planejamento das suas ações.

A revisão da regionalização (BAHIA, 1991) em regiões administrativas aponta ainda que na década de 1990 as teorias e conceitos da Geografia Urbana e Regional passam a estar no centro da discussão. Em alguns momentos não se restringia às metodologias de cunho quantitativo que prevaleciam até então. Assim, neste período, o planejamento regional na Bahia se tornou mais dinâmico por considerar a influência urbana como um dos elementos norteadores para a regionalização, bem como pela possibilidade de alterações na regionalização pela transformação da dinâmica da rede urbana com o tempo (SOUZA, 2008). Neste sentido, esta regionalização não foi apenas uma adaptação das Regiões Administrativas, mas sim uma nova tentativa de regionalização que buscava corrigir a influência política que existia sobre a regionalização em regiões administrativas na década de 1970, no período de austeridade e centralização do poder no governo central15. Ainda sim, esta tentativa também teve pouco sucesso porque sua utilização foi restrita e precária, sendo rapidamente substituída pelas regiões econômicas.

Souza (2008) afirma que, para regionalizar o estado da Bahia em Regiões Econômicas, o estado levou em consideração o conceito proposto por Perroux nos anos 1990, que tinha a região econômica como uma área contínua polarizada por uma cidade de maior porte, que detivesse maior quantidade de serviços e que tivesse entre uma e duas atividades produtivas que

15 Souza (2008) afirma que muitas Regiões Administrativas foram criadas neste período para favorecer grupos

caracterizassem o potencial econômico da região. O governo do estado optou então por aliar este conceito de regiões econômicas com o de área de influência urbana para que o planejamento governamental pudesse ter um caráter mais abrangente e pudesse privilegiar as diferentes realidades econômicas estabelecidas pelo aporte de investimentos, quer a investimentos públicos quer privados. Para tal, buscaram considerar as possíveis repercussões espaciais da modernização da base produtiva e das áreas de expansão da fronteira agropecuária. E, então, a concepção de Estado também se modifica:

Se, anteriormente, entendia-se o Estado como participante ativo do processo de desenvolvimento econômico, atuando, inclusive, como grande fomentador, agora se entende o Estado como mais um dos agentes do processo de desenvolvimento e como um indicador das áreas onde a iniciativa privada deve atuar. Essas ideias, bastante presentes na esfera federal e difundidas por diversos órgãos de financiamento internacional teriam sua validade ampliada a partir do momento em que se adota um discurso de que o estado [a Bahia] está economicamente falido o que o impossibilitaria de realizar investimentos (SOUZA, 2008, p.82).

Souza (2008) afirma que, com a implantação dessa regionalização, as ideias neoliberais passaram a substituir o ideário keynesianista, posto que as primeiras já estavam em voga no contexto nacional e internacional. Foi efetivada, então, uma diminuição das atividades do governo do estado em todos os setores, inclusive no planejamento, por meio do enxugamento da máquina pública. Neste ínterim, houve a complexificação do quadro regional da Bahia, pois com os diferentes incentivos dados às regiões pelo seu potencial econômico iniciou-se um processo de especialização e consolidação regional. Cita-se como exemplo Juazeiro-Petrolina, com a fruticultura irrigada, e o extremo sul, com a silvicultura e o turismo na “costa do descobrimento” (ROCHA; SILVA, 2003). É importante ressaltar que esta regionalização apresentava uma visão econômica e industrial cujos objetivos se limitavam a complementar a produção da indústria do centro-sul, que sobrepujava a Bahia no processo de acumulação de riquezas. Assim, esta regionalização serviu principalmente para estabelecer quais áreas receberiam maiores quantias de investimentos. Souza (2008) ressalta que:

[...] apesar da maioria das denominações regionais referirem-se a características naturais ou a formas de relevo, a verdadeira idéia era servir como um indicativo de áreas prioritárias para o investimento privado e para a atuação do grande capital nacional e estrangeiro, ao passo que as iniciativas governamentais se restringiriam a limitados investimentos sociais. Com tais investimentos o governo passava para a população a idéia de que atuava fortemente no combate à pobreza e às péssimas condições sociais, sem revelar os incentivos dados ao capital nacional e internacional. Por outro lado, o

desenvolvimento de algumas regiões aparenta ser algo meramente natural, que se deu sem nenhum tipo de atuação governamental (SOUZA, 2008 p. 86-87).

Conforme este autor o governo estadual escamoteava os processos históricos de transformação da sociedade e naturalizava o crescente investimento privado de caráter nacional e estrangeiro e a saída de recursos do estado por meio de um discurso de beneficiamento da sociedade pela geração de empregos que estes investimentos ocasionavam. Neste sentido, Souza (2008) destaca que a criação dessa regionalização foi um “capricho” político e pessoal de algumas lideranças que estavam no poder. No entanto, esta lógica de ação do Estado permanece vigente até a saída do grupo liderado por Antônio Carlos Magalhães do Palácio Rio Branco, tendo sofrido apenas algumas alterações de caráter estético – para entrar em concordância com projetos de caráter nacional, como é o caso da criação dos Eixos Estaduais de Desenvolvimento. A criação dos Eixos de Desenvolvimento aprofunda o cenário anterior instituído e consolidado pelas Regiões Econômicas, não havendo modificações consistentes entre o período do Plano Plurianual (PPA) 2000/2003 e 2004/2007, exceto a criação de cinco novos Eixos de Desenvolvimento. Esse aprofundamento se dá pela priorização do governo do estado de tornar a Bahia competitiva frente à concorrência internacional, potencializando ao máximo os recursos técnicos e consolidando definitivamente o novo papel do estado como gerenciador e empreendedor. Os Eixos de Desenvolvimento se mostraram, por vezes, como junções de regiões Econômicas (SOUZA, 2008).

2.2 REGIONALIZAÇÃO EM TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS