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Reflexos do Golpe Civil Militar de 1964 em terras catarinenses

CAPÍTULO 3: OS CAMINHOS DO COMUNISTA DITTRICH EM MEIO À REPRESSÃO

3.4 Reflexos do Golpe Civil Militar de 1964 em terras catarinenses

Em Florianópolis, assim como em diversos locais do país, muitas pessoas tomam as ruas com seus automóveis embandeirados e

buzinas estridentes em comemoração à queda de João Goulart.321

Em 2 de abril de 1964, o jornal catarinense “O Estado” publica com destaque o pronunciamento do governador Celso Ramos. Dentre suas palavras, os seguintes trechos ilustram o seu alinhamento e

318

FAUSTO, Boris. 2006. Op. cit. p. 459-460. 319Ibidem. p. 460-461.

320FICO, Carlos. 2004. Op. cit. p. 42.

conivência com o Golpe Civil Militar Brasileiro, bem como com as ações advindas dele:

[...] O Estado que me confiou, em processo democrático, as responsabilidades de seu governador, não ignora a posição ideológica em que sempre me mantive, relativamente ao comunismo; repulsa intransigente e formal.

[...] Conhecidos e recentes acontecimentos, verificados no país, evidenciam, entretanto, sem deixarem margem à dúvida, que a infiltração vermelha em determinados e altos círculos de influência nacional, cada hora e cada vez mais intensa e mais extensa, alcançou nos últimos dias, de forma direta e agressiva, a disciplina das forças armadas, tingindo organicamente os princípios da hierarquia [...] Na organização militar, essa disciplina e esses princípios são expressas exigências constitucionais. Encarna a própria existência do regime, e assim, a definição da legalidade situar-se-á, necessariamente, nas áreas contrárias à subversão, postas em defesa da democracia, do respeito às leis e da segurança de um futuro cristão para a família brasileira.

[...] Com a certeza e a tranqüilidade de neste momento histórico, poder interpretar o pensamento e a vontade da esmagadora maioria dos catarinenses radicalmente contrária à sovietização da grande Pátria, solidarizo-me, sem reticências no coração, com as gloriosas forças militares que defendem a verdade democrática, confiante em que todos desejamos seja ainda uma exaltação da lei.322 As afirmações contundentes de Celso Ramos não deixavam dúvidas. Estava iniciada a “caçada” e a repressão a todos aqueles contrários à nova ordem imposta. Qualquer adversário era visto como uma ameaça em potencial que deveria ser combatida. Todavia, o “inimigo” há muito tempo estava assinalado: os comunistas, não importando o quão multifacetada fosse a chamada tradição de esquerda brasileira. 323

O anticomunismo é um dos principais argumentos, senão o principal, para legitimar e provocar as intervenções autoritárias mais significativas ocorridas no período republicano da história brasileira (Estado Novo e Golpe Civil Militar de 1964). Anticomunismo, que

322

LENZI, Carlos Alberto Silveira. 1983. Op. cit. p. 320-321.

323REIS FILHO, Daniel Aarão. As esquerdas no Brasil: Culturas políticas e tradições. In: FORTES, Alexandre (Org.). História e Perspectivas da Esquerda. São Paulo; Chapecó: Perseu Abramo; Argos, 2005. p. 173-181.

conta com uma frente ampla de adeptos entre civis e militares e com

múltiplos entendimentos e ações. 324

Na capital catarinense, muitos livros são queimados na Praça XV de Novembro. As listas com os nomes dos militantes comunistas do período da legalidade do Partido Comunista Brasileiro-PCB, entre 1945- 1947, são solicitadas pela polícia como meio para identificá-los e

prendê-los325. Mandatos políticos são cassados, sendo exemplo, o do

deputado estadual Paulo Stuart Wright, eleito em 1962 pelo PSP 326. Catarinense, militante da Ação Popular (AP), preso em São Paulo em 1973 e desaparecido desde então.

Em Criciúma, a semana que antecede o golpe de 1° de abril de 1964 é composta por reuniões nervosas na casa de Dittrich, principalmente, em virtude das informações que chegavam do centro do

país: “Aldo Dittrich exultava com o movimento dos marinheiros” 327.

Entretanto, com a notícia da deposição do presidente João Goulart pelos militares, às quatro horas da madrugada do dia 1° de abril de 1964, os dirigentes do Sindicato dos Mineiros de Criciúma percorrem as minas, anunciando a deflagração de uma greve geral. A Rádio Difusora de Criciúma, ocupada por petebistas e comunistas, incitava a paralisação geral do trabalho nas minas. A Rádio Difusora conclamava ao povo de

Criciúma ao repúdio e resistência ao golpe 328. A repressão e a violência

eram iminentes. Tropas militares do 23o Regimento de Infantaria, sob o

comando do coronel Newton Machado Vieira, deslocadas de Blumenau para Criciúma, estavam muito próximas de adentrar a cidade. Dittrich, por saber que seria um dos principais alvos dos militares foge com um Jipe pertencente ao Sindicato dos Mineiros de Criciúma. Todavia, a condução que o levaria até o Rio Grande do Sul quebra nas

proximidades de Criciúma329. Os soldados tinham a informação da fuga

de Dittrich e, ao encontrarem o Jipe abandonado, supunham que ele ainda se encontrava nas redondezas. O que os soldados não sabiam era

324MOTTA, Rodrigo Patto Sá. 2002. Op. cit.

325MALHEIROS, Eglê. Florianópolis – SC, 10 de maio de 2010. Entrevista concedida à Bernardete Wrublevski Aued; Daiana Castoldi Lencina e Edna Garcia Maciel Fiod. Acervo das autoras.

326Desaparecido desde 1973. No DOPS/PR, o nome de Paulo Stuart Wright foi encontrado numa gaveta com a indicação: “falecido”. Ver mais a respeito em: Tortura Nunca Mais-RJ.

Disponível em: http://www.torturanuncamais-

rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=320. 327

COIMBRA, David. 1996. Op. cit. p. 62.

328DITTRICH, Aldo Pedro. Canoinhas – SC, agosto de 2002. Conversa com Bernardete Wrublevski Aued. Acervo da autora.

que Dittrich seguia desesperadamente a pé rumo ao estado vizinho,

enquanto eles se embrenhavam na mata à sua procura. 330

A situação em Criciúma não era diferente dos grandes centros do país, pois a sede do Sindicato dos Mineiros é invadida, e seus membros passam a ser “caçados” e muitos foram presos. Segundo Volpato, imediatamente após a deflagração do Golpe, ocorre a intervenção no Sindicato dos Mineiros de Criciúma e a prisão de muitos de seus líderes. Porém, no “Sindicato do Rio Maina” não existiam

relatos de repressão331. Consequentemente, somente os sindicatos que

representavam ameaças à nova ordem instaurada passaram a ser administrados por Juntas Interventoras, sendo o Sindicato dos Mineiros de Criciúma um dos primeiros a sofrer essa intervenção, que dura dois anos e meio e faz com que suas ações nesse período se tornassem inexpressivas voltadas, sobretudo, ao assistencialismo. De acordo com Volpato, os não alinhados com os patrões e com o regime militar só recuperam a direção do Sindicato dos Mineiros de Criciúma no fim de 1966, quando Walter Henrich Willy Horn, o Alemão, assume a sua presidência até 1971.332

O responsável por instaurar os Inquéritos Policiais na cidade de Criciúma em 1964, Coronel Newton Machado Vieira, constata que as condições de vida dos mineiros eram tão precárias que assustavam a qualquer pessoa que tomasse conhecimento delas333. Em ofício, datado de 17 de junho de 1964, escrito pelo próprio Coronel, encontra-se não somente a denúncia aos atos comunistas no território mineiro, mas também um importante relato das péssimas condições em que se deparavam os mineiros e, ainda, um apelo à intervenção do governo para tornar essas condições mais dignas.

A Zona Carbonífera de Criciúma e municípios vizinhos é muito propícia à infiltração comunista, ou pelo menos às agitações dadas as condições de vida daqueles que aqui labutam. Não só o trabalho de mineração, ocupação dominante na região é árduo e desgasta prematura e fisicamente o homem, como tem havido uma certa incompreensão dos mineradores, que não têm procurado

330DITTRICH, Aldo Pedro. Canoinhas-SC, agosto de 2002. Conversa com Bernardete Wrublevski Aued. Acervo da autora.

331VOLPATO, Terezinha. 1984. Op. cit. p. 123. 332Ibidem. p.126.

dar um melhor ambiente de vida extratrabalho aos seus operários e suas famílias.334

[...] como foco permanente de agitação tínhamos o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria e Extração de Carvão de Criciúma, desde 1957 entregue às mãos do advogado e perigoso comunista Dr. Aldo Pedro Dittrich, ora foragido, que era, aparentemente e por dever de ofício, simples causídico daquele Sindicato, mas, na realidade era o seu legítimo dono, aquele que comandava todas as suas ações, sendo as diretorias eleitas mero instrumento de ação nas mãos daquele vermelho.335

As colocações do Cel. Newton Machado Vieira fornecem a visão de como Dittrich era apresentado pela polícia, e o quanto degradante era a situação dos mineiros de Criciúma; fato que, para o oficial, explicava a “infiltração” comunista no território do carvão. De certa forma, essas condições degradantes esclarecem em parte os motivos da adesão de Dittrich ao Partido Comunista e da luta ao lado dos trabalhadores das minas.