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A reforma das regras relativas à execução dos artigos da concorrência do Tratado

1. A REFORMA DO CONTROLO EUROPEU DA CONCORRÊNCIA

1.3 A reforma das regras relativas à execução dos artigos da concorrência do Tratado

O processo de modernização da legislação europeia da concorrência promoveu nos Estados-Membros a necessidade de aceitar e operar em um sistema de competências paralelas entre suas autoridades administrativas e consequente flexibilidade na atribuição de casos. O Regulamento n.° 1/2003 e o “pacote“ de regulamento, comunicações e orientações que o acompanha determinam que este novo sistema deve ser executado por meio de uma rede de cooperação estreita entre as autoridades públicas responsáveis por aplicar as regras comunitárias de concorrência.62

59 Decisão n.° 791/2004/CE, de 27 de Abril de 2004, J.O. [2004] L 138/31. Ver WILS, Wouter P.J., 2005, cit. 3,

p. 29.

60 EUROPEAN COMMISSION – Commission Staff Working Document Accompanying the Report from the

Commission on Competition Policy 2008, de 23 de Julho de 2009, COM [2009] 374 final [Em linha]. [Consult.

20 Fev.. 2010]. Disponível em WWW: <URL:

http://ec.europa.eu/competition/publications/annual_report/2008/part2_en.pdf>, p. 98.

61 Disponíveis em WWW: <URL: http://ec.europa.eu/competition/publications/annual_report/index.html>. As

últimas decisões dos tribunais dos Estados-Membros em matéria de concorrência podem ser conferidas em WWW: <URL: http://ec.europa.eu/competition/elojade/antitrust/nationalcourts/>.

62 Ver Considerando (15), e n.° 1 do artigo 11.°, ambos do Regulamento n.° 1/2003, cit. 5. No intuito de

A reforma não é inovadora no sentido de criar um regime de cooperação entre os agentes controladores da concorrência no Mercado Comum, apenas fortalece os vínculos já existentes. Mario Monti, Comissário Europeu da Concorrência entre os anos 1999 e 2004, por ocasião do European Competition Law Annual 2002: Constructing the EU Network of Competition Authorities, relatou algumas experiências de cooperação entre os agentes administrativos da concorrência, demonstrando que a Rede surge em contexto de cooperação desenvolvido ao longo de quatro décadas:63

After the adoption of Regulation 17/62, the Member States which did not have a competition law enforcement system of their own have to set up one. The competition authorities of the Member States apply national competition law, and by now most of them are closely involved in the application of EC competition law. In particular, NCAs advise the Commission on solving individual cases, and, within the framework of the Advisory Committee, they are consulted on the adoption of block exemption regulations. The competition authorities of some Member States have even been empowered to exchange information and cooperate between themselves in the solving of individual cases.

O n.° 1 do artigo 35.° do novo Regulamento reforça a obrigação imposta a todos os Estados-Membros de designar autoridade(s) em matéria de concorrência responsável(s) pela aplicação dos artigos 101.° e 102.° do Tratado. A interpretação conjunta das imposições previstas no n.° 1 do artigo 35.° e no n.° 1 do artigo 11.° – “A Comissão e as autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência aplicam as regras comunitárias de concorrência em estreita cooperação” – vincula todas as autoridades administrativas em matéria de concorrência nos 27 Estados-Membros da União ao sistema de estreita cooperação materializado pela Rede Europeia de Autoridades Administrativas da Concorrência.64

“pacote legislativo de modernização”: REGULAMENTO (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE, J.O. [2004] n.° L123/18; COMUNICAÇÃO da Comissão sobre a Cooperação na REC, cit. 26; COMUNICAÇÃO da Comissão sobre a cooperação entre a Comissão e os tribunais dos Estados-Membros da UE na aplicação dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE, cit. 42; COMUNICAÇÃO da Comissão, de 27 de Abril de 2004, relativa ao tratamento de denúncias pela Comissão nos termos dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE, J. O. [2004] n.° 101/65; COMUNICAÇÃO da Comissão, de 27 de Abril de 2004, sobre a orientação informal relacionada com questões novas relativas aos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE que surjam em casos individuais (cartas de orientação), J. O. [2004] n.° 101/78; COMUNICAÇÃO da Comissão, de 27 de Abril de 2004. Orientações sobre o conceito de afectação do comércio entre os Estados-Membros previsto nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, cit. 18; COMUNICAÇÃO da Comissão, de 27 de Abril de 2004. Orientações relativas à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado, cit. 58. Ver GAUER, Céline; KJOLBYE, Lars; DALHEIMER, Dorothe; DE SMIJTER, Eddy; SCHNICHELS, Dominik; LAURILA, Maija – Regulation 1/2003 and the Modernisation Package fully applicable since 1 May 2004.

63 O European Competition Law Annual é um seminário sobre Direito e Política da Concorrência da União

Europeia que ocorre anualmente no Robert Schuman Centre of the European University em Florença. NCAs é a sigla dos termos National Competition Authorities, na versão em Língua Portuguesa da Comunicação da Comissão sobre a Cooperação na REC, cit. 26: ANCs - Autoridades Nacionais da Concorrência. Sobre o Advisory Committee/ Comité Consultivo no contexto em questão, ver n.° 3 do artigo 10.°, do Regulamento n.° 17 de 1962, cit. 6.

64 Os tribunais nacionais estão incluídos na determinação do n.° 1 do artigo 35.°, todavia, de acordo com o

Do ponto de vista das autoridades da concorrência, a Rede Europeia da Concorrência – REC – é mais uma oportunidade no sentido da união de recursos para enfrentar o desafio trazido pela modernização das regras concorrenciais comunitárias: a aplicação efectiva e uniforme de todo o artigo 101.° e artigo 102.° do Tratado pelos Estados-Membros, de forma a permitir que as entidades comunitárias concentrem-se sobre os casos mais graves de dimensão nacional e aprimoramento da Política da Concorrência na União.65

A tarefa de enquadrar diversos níveis nacionais de controlo da concorrência sob uma só legislação exigiu a criação de uma rede informal e de intercâmbios suficientemente flexíveis, propícios à cooperação, a exemplo da possibilidade de troca de informações confidenciais, trabalho conjunto e assistência recíproca na solução de casos individuais.66 Para tanto, a REC teve seus trabalhos iniciados com base no relacionamento construído entre os membros de redes pré-existentes como a ECA e a ICN.67 Contudo, não há vínculos formais entre esses sistemas e a Rede Europeia da Concorrência.

A ECA é a rede de autoridades da concorrência em operação no Espaço Económico Europeu – EEE, constituída pelos Estados-Membros da EFTA (na Língua Portuguesa: AELC – formada pelos Estados-Membros da União Europeia, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e suas autoridades de fiscalização.68 Criada em Abril de 2001, a associação é responsável pelo controlo da concorrência nos moldes dos interesses político-económicos da AELC, funcionando paralelamente à REC. A ICN – é um fórum virtual internacional que reúne autoridades da concorrência, criado em Outubro de 2001 por iniciativa dos EUA. A associação visa estabelecer princípios internacionais da Política da Concorrência capazes de facilitar a cooperação bilateral no tratamento de casos transfronteiriços, e de funcionar como um eventual direito da concorrência global supranacional.69

As trocas ocorridas no âmbito da REC facilitam a aplicação directa do n.° 3 do artigo 101.° do Tratado e reforçam a cultura comunitária da concorrência. A possibilidade de trabalho conjunto entre os membros da Rede garante o acesso aos recursos detidos por uma autoridade a todas as outras. Sendo assim, qualquer autoridade pode intervir em um caso.

somente de autoridades administrativas da concorrência, pois a cooperação com os tribunais nacionais recebeu dispositivo próprio (artigo 15.°) no Capítulo IV – Cooperação – do Regulemanto n.° 1/2003, cit. 5.

65 MATEUS, Abel M.; MOREIRA, Teresa eds., cit. 30, p. 61.

66 EHLERMANN, Claus-Dieter; ATANASIU, 2002, Isabela eds., cit. 32, p. 5. 67 MATEUS, Abel M.; MOREIRA, Teresa eds., cit. 30, p. 33.

68 Ver nota n.° 45, e ACORDO sobre o Espaço Económico Europeu, de 03 de Janeiro de 1994, J. O. n.° L 1/3.

Para uma visão geral da actual constituição e história da EFTA, consultar publicações da Instituição disponíveis em WWW: <URL: http://www.efta.int/>.

69 Ver EEKHOFF, Johann ed. – Competition Policy in Europe, p. 46 e 61; PETERSEN, Anna – Die

Internationale Zusammenarbeit der Wettbewerbsbehörden, p. 56 ss; e NOONAN, Chris – The Emerging Principles of International Competition Law.

Todavia, as decisões sobre que organizações devem ser investigadas e que autoridades intervirão no processo não são tomadas pela REC, e sim em função das regras de atribuição de casos estabelecidas pela legislação.

Uma autoridade bem posicionada para agir e disposta a investigar e punir uma organização informa à Rede de suas intenções,70 de forma a permitir que outras autoridades cooperem nos trabalhos ou, até mesmo, reivindiquem a atribuição de competência sobre o caso. Em hipótese de discordância entre membros neste sentido, a Comunicação da Comissão sobre a Cooperação na REC prevê o arbitramento pelo Comité Consultivo.71 Mesmo mediante a manifestação, “[...] cada membro da Rede permanece livre de decidir se deve ou não instruir um processo”.72

Dessa forma, a Rede é o principal componente da execução de uma Política da Concorrência que delega plena competência a todos os seus agentes para aplicar integralmente as regras da comunitárias da concorrência, porque permite simultaneamente o funcionamento de um sistema de competências paralelas entre as autoridades administrativas da concorrência e de um regime vertical de competências entre as autoridades e a Comissão. O sistema de competências paralelas exige critérios qualitativos e flexíveis de atribuição de casos (intervém a autoridade melhor posicionada e vinculada materialmente com o caso), e o sistema vertical de competências apresenta critérios baseados na máxima optimização do uso de recursos.

A atribuição eficiente de casos de atentado contra a concorrência entre os membros da REC é apenas um de seus propósitos instituídos pelo Regulamento n.° 1/2003 do Conselho. Por meio da REC, as autoridades da concorrência comprometem-se a prestar assistência mútua para detectar novas infracções e indícios necessários à conclusão dos casos em curso, o que implica em troca de experiências e informações. A estreita cooperação gera a aplicação coerente e uniforme dos artigos 101.° e 102.° do Tratado em todos os Estados-Membros, desenvolvendo a legislação regulamentadora, e ajustando as práticas nacionais ainda eventualmente conflituosas com os mandamentos comunitários: “A rede [...] constitui a base para a criação e manutenção de uma cultura comum de concorrência na Europa”.73

70 Uma autoridade é considerada bem posicionada nos termos dos Parágrafos 8, 9, 1 10 da Comunicação da

Comissão sobre a Cooperação na REC, cit. 26.

71 O Comité Consultivo em matéria de acordos, práticas concertadas e posições dominantes, instituído pelo

Regulamento n.° 17 de 1962, “58. [...] é a instância em que os peritos das várias autoridades responsáveis em matéria de concorrência debatem os casos individuais e questões gerais atinentes ao direito comunitário da concorrência”, Comunicação da Comissão sobre a Cooperação na REC, cit. 26. Ver também Considerando (19) e artigo 14.° do Regulamento n.° 1/2003, cit. 5.

72 Comunicação da Comissão sobre a Cooperação na REC, cit. 26, parágrafo 5. 73 Idem, parágrafo 1.

2) A REDE EUROPEIA DA CONCORRÊNCIA NA ACTUAL POLÍTICA DE