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3. A ESTREITA COOPERAÇÃO DENTRO DA REDE EUROPEIA DE

3.2 O Programa de Imunidade em Matéria de Coimas ou de Redução do seu Montante

3.2.2 Troca e uso de informações colectadas através dos Pedidos de Imunidade em

de defesa

A Rede Europeia da Concorrência está a serviço da promoção de eficácia e efectividade do controlo comunitário da concorrência e da protecção dos direitos e garantias dos acusados previstos no regime jurídico da União. Em matéria de Clemência, a REC viabiliza um modelo de concessão do benefício a ser seguido pelas Estados-Membros, sem exigir que aceitem os pedidos de imunidade ou redução de pena interpostos para as autoridades da concorrência de outros Estados-Membros. Por esse motivo, a Rede dispõe de um tratamento diferenciado para troca das informações colectadas nos procedimentos de Clemência entre as autoridades nacionais. Significa dizer que o regime instaurado pelo Regulamento n.° 1/2003 estabelece determinadas medidas para garantir que os requerentes de Clemência permaneçam protegidos caso as informações fornecidas venham a ser trocadas dentro da REC.253

A Comunicação sobre a cooperação na REC disciplina as prerrogativas do acusados em termos de Clemência no item “2.3.3. Posição dos requerentes que pretendam beneficiar de imunidade em matéria de coimas ou de redução do seu montante”. De acordo com a Comunicação, informações relacionadas ao processo de Clemência abrangem não só aquelas fornecidas no Pedido, mas todas as informações recolhidas durante as medidas de averiguação dele resultantes, e todas aquelas que não seriam averiguadas caso a Clemência não fosse

an alleged cartel (Type 1B)” – definições de casos Tipo 1A e Tipo 1B (CA – competition authority); ECN MODEL LENIENCY PROGRAMME, cit. 221, p. 10 . O Report on Assessment of the State of Convergence, and Annex 1: list of applicable leniency programmes, de 13 Outubro de 2009, cit. 224, p 16, dispõe apenas 23 Estados-Membros onde há possibilidade de pedido de imunidade ou redução de coimas nos casos Tipo 1A. Todavia, Eslovênia, Estado excluído do Relatório, actualmente também possuem este recurso: ver Anexo V – List of authorities accepting summary applications as provided by the ECN Model Leniency Programme in Type 1A cases, com última actualização de 19 de Janeiro de 2010. Luxembourg: European Comission 2010- ,[Consult. 11 Maio 2010]. Disponível em WWW: <URL: http://ec.europa.eu/competition/ecn/list_of_authorities.pdf>; e ECN Brief - Issue 1/2010, cit. 124, p. 19.

252 Report on Assessment of the State of Convergence, and Annex 1: list of applicable leniency programmes, de

13 Outubro de 2009, cit. 224, p 16.

solicitada. Este entendimento encoraja os envolvidos em cartéis a denunciarem e fornecerem informações sobre a prática:254

In practice, these safeguards enable the authorities to exchange and use in evidence leniency related information without jeopardizing their respective programmes. Experience shows that the ECN members apply these rules in very strict manner. A leniency applicant can therefore rest assured that it will not expose itself to any additional risks by voluntarily disclosing information to a Network member. An applicant is however not automatically protected against investigations, which have been initiated on the basis of information received from other sources such as complaints or another leniency application

A atenção especial voltada para as informações fornecidas em Pedidos de Clemência decorre, essencialmente, de duas questões. A primeira existe em função da cooperação disciplinada do artigo 11.° do Regulamento n.° 1/2003, segundo a qual é possível que um Pedido de Clemência direccionado a autoridade da concorrência de um Estado-Membro desencadeie investigações por autoridades de outros Membros da REC perante as quais o requerente não tenha ainda pedido por Clemência, até mesmo porque uma autoridade que não recebeu informações resultanres do Pedido podem eventualmente abrir procedimentos próprios baseada em informações obtidas de outro modo.255 A segunda questão diz respeito à potencial transferência de dados fornecidos pelo autor do Pedido/ requerente, juntamente com todas as informações descobertas pela autoridade receptora do Pedido de Clemência como consequência das informações voluntariamente cedidas, às demais autoridades no âmbito da REC nos termos do artigo 12 .° do Regulamento n.° 1/2003, e uso destas informações como meio de prova para imposição de sanção.256

No que se refere a primeira questão, é preciso destacar que cada membro da Rede é responsável por suas investigações e executa seu Programa de Clemência independentemente dos outros membros. O facto de uma entidade parecer particularmente bem posicionada para lidar com um caso, não impede outras autoridades, também bem posicionadas, de agirem contra a mesma infracção. A apresentação de um Pedido de Clemência para uma determinada autoridade, incluindo a Comissão, não gera expectativa legítima de que o caso será processado somente por ela. A única situação em que o requerente pode ter certeza que

254 WILS, Wouter P. J., 2005, cit. 3, p 57.

255 Comunicação sobre a cooperação na REC, cit. 26, parágrafo 38.

256 BLAKE, Stephen - Directorate-General for Competition, unit E-2; SCHNICHELS, Dominik - Directorate-

General for Competition, unit A-4 – Leniency Following Modernisation: safeguarding Europe‘s leniency programmes, p. 8. O autor defende essa posição embora o n.° 2 do parágrafo 41 da Comunicação sobre a cooperação na REC estabeleça o contrário. As informações produzidas na sequência de medidas de esclarecimento dos factos relatados no Pedido também são consideradas relativas à Clemência. As hipóteses de transferência de informações relativas a Pedidos de Clemência com ou sem consentimento do requerente são regulamentadas nos parágrafos 40 1 41 da Comunicação da REC.

nenhum membro da Rede irá também proceder às investigações é quando a Comissão inicia um processo nos moldes do n.° 6 do artigo 11.° do Regulamento n.° 1/2003.

As autoridades nacionais devem comunicar à Comissão e podem informar “às autoridades homólogas dos outros Estados-Membros – assim determina o n.° 3 do artigo 11.° do Regulamento – quando aplicarem os artigos 101.° e 102.° do Tratado, no que está incluída a abertura de procedimentos resultantes de Pedidos de Clemência. Significa dizer que mesmo sem o consentimento do autor do Pedido exigido para a transmissão de informações nos moldes do parágrafo 40 da Comunicação sobre a cooperação na REC, as demais autoridades nacionais também bem posicionadas tomam ciência dos procedimentos contra o autor e são indiretamente advertidas quanto à necessidade de investigá-lo. Além do mais, a informalidade das relações entre os Membros da Rede leva, inevitavelmente, à adertencia das outras autoridades da concorrência para a investigação das actividades informadas no âmbito da Clemência e instauração de procedimentos a partir de evidências adquiridas por “iniciativa própria”.

A segunda discussão complementa a primeira. É previsível que autoridades da concorrência perante às quais não foi apresentado Pedido de Clemência em relação a determinado caso, decidam instaurar procedimentos com base em informações transmitidas regularmente dentro da REC (nos termos do artigo 12.° do Regulamento). Por esse motivo, o parágrafo 38 da Comunicação alerta para a obrigação de apresentação de Pedidos de Clemência múltiplos e independentes às diversas autoridades consideradas bem posicionadas. A contraposição desse parágrafo aos parágrafos 40 e 41 suscita, todavia, o questionamento sobre a lógica e razão de existir da obrigação imposta pelo parágrafo 38, já que os parágrafos 40 e 41 exigem o consentimento do requerente para que haja transmissão de informações nos termos do artigo 12.° do Regulamento. Logo, bastaria o não consentimento da transferência de dados pelo autor do Pedido, sem a necessidade de apresentar Pedidos a outras autoridades.

Posto isso, no intuito de assegurar o tratamento diferenciado das informações colectadas nos procedimentos de Clemência pelas autoridades nacionais na dinâmica de troca de informações dentro da REC, a Comunicação sobre a Cooperação determina que tais informações só podem ser transmitidas ao abrigo do artigo 12 º do Regulamento n.° 1/2003 nas seguintes hipóteses:257 1) se o requerente da Clemência consentiu com a transmissão das

257

These conditions will apply to the protected information irrespective of whether or not the applicant meets the criteria for leniency under the programme of the relevant authority; suffice it that the information was either voluntarily submitted as part of a leniency application or was obtained as a result of or following an inspection or other fact-finding measure that could not have been carried out but for such an application”; BLAKE,

informações integrantes do Pedido por ele fornecidas, uma vez que a transmissão de informações nos termos do artigo 12.° do Regulamento n.° 1/2003 não exige o consentimento prévio da fonte da informação, mesmo tratando-se de informações confidenciais; 2) se o Estado-Membro que solicita informações também recebeu um Pedido de Clemência relativo à mesma infracção, pois se o requerente submeteu Pedido também à autoridade solicitadora de informações, ele tacitamente concorda que as informações podem ser transferidas a esta autoridade sem consulta prévia;258 ou 3) se a autoridade a qual as informações serão transmitidas deu garantias quanto ao uso dessas ou de quaisquer outras informações que pode vir a obter consequentemente.

A transmissão de informações provenientes de Pedidos de Clemência dentro da REC só ocorrerá se a autoridade que solicita informações garantir que não só a informação que lhe será transmitida, mas também qualquer outra que pode posteriormente obter, não serão utilizadas por essa autoridade, ou por qualquer outra autoridade à qual as mesmas informações venham a ser posteriormente transmitidas, para impor sanções ao autor do Pedido de Clemência ou às pessoas singulares (a exemplo de funcionários) e jurídicas (empresas subsidiárias, empresas do mesmo grupo empresarial, etc.) envolvidas nos dados do Pedido.259

As declarações colectadas na forma de Pedido Oral de Clemência estão igualmente amparadas pelos dispositivos de segurança aos direitos dos acusados previstos na Comunicação sobre a cooperação na REC. O ECN Model Leniency Programme determina que as trocas dos registos das declarações orais são realizadas somente nos termos da Comunicação da REC, do 12.º do Regulamento n.° 1/2003, e se a autoridade da concorrência receptora oferecer um nível equivalente de protecção às informações ao oferecido pela autoridade transmissora.260

Stephen - Directorate-General for Competition, unit E-2; SCHNICHELS, Dominik - Directorate-General for Competition, unit A-4, cit. 256, p. 9-10. Comunicação sobre a Cooperação na REC, cit. 26, parágrafos 40 e 41.

258 A primeira hipótese pode ser flexibilizada “No caso de informações obtidas por um membro da rede nos

termos do n.° 1 do artigo 22.° do Regulamento do Conselho em nome e por conta do membro da rede a quem foi apresentado o pedido de imunidade […], não é necessário o consentimento para a transmissão de tais informações ao membro da rede a quem foi apresentado o pedido, nem para a utilização das mesmas” – n.° 3 do parágrafo 41 da Comunicação sobre a cooperação na REC. Relativamente a segunda hipótese, para que o descrito aconteça há uma condição acessória: no momento da transmissão de dados, não pode estar aberta ao requerente a opção de retirar seu Pedido perante a autoridade a qual as informações serão transmitidas.

259 “Será transmitida ao requerente uma cópia do compromisso escrito da autoridade receptora”, Comunicação

sobre a Cooperação na REC, cit. 26, n.° 2 do parágrafo 41.

260 “30. Oral statements made under the present programme will only be exchanged between CAs pursuant to Article 12 of Regulation No 1/2003 if the conditions set out in the Network Notice are met and provided that the protection against disclosure granted by the receiving CA is equivalent to the one conferred by the transmitting CA”, ECN MODEL LENIENCY PROGRAMME, cit. 221, p. 7. Ver também: idem, parágrafos 28 e 29; idem,

No actual regime comunitário de concorrência, aos interessados em gozar do benefício da imunidade ou redução do valor da coima em casos de atentado a concorrência é oferecida através da REC plena garantia de que um Pedido, ou um Pedido com Summary Applications, será suficiente para obter Clemência em um Estado-Membro ou no âmbito comunitário, sem enfrentar condenações nos demais Membros. A Comunicação sobre a Cooperação em si não possui força legal vinculativa sobre as autoridades nacionais da concorrência, mas determina que só receberão informações desta natureza as autoridades que se comprometeram com respeito aos princípios por ela dispostos. Significa dizer que todos os Estados-Membros da REC são impelidos a respeitar os princípios da Comunicação se tiverem interesse em receber informações recolhidas por Pedidos de Clemência, uma vez que todos os Membros assinaram uma declaração nesse sentido.261 O parágrafo 42 da Comunicação é claro:

A informação relativa a processos iniciados em resultado de um pedido de imunidade em matéria de redução de coimas ou de redução do seu montante submetido à Comissão nos termos do n.° 3 do artigo 11 do Regulamento do Conselho (17) será apenas acessível às ANC que se comprometerem a respeitar os princípios acima estabelecidos (ver ponto 72 infra). Quando o processo tiver sido iniciado pela Comissão em resultado de um pedido de imunidade em matéria de redução de coimas ou de redução do seu montante apresentado à Comissão, aplica-se o mesmo princípio. Este facto não afecta o poder de qualquer autoridade de lhe ser facultada informação nos termos do artigo 12.° do Regulamento do Conselho, desde que as disposições dos pontos 40 e 41 sejam respeitadas.

3.3) A REC, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades