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A REFORMA DO MERCADO EUROPEU DE AUDITORIA UM CONTRIBUTO ADICIONAL

No documento Política e Negócios (páginas 165-171)

Quer as enormes e mediáticas fraudes da última década quer a crise financeira de 2008 revelaram a existência de lacunas consideráveis no sistema de auditoria europeu. Nos mais recentes relatórios de inspecção das autoridades de supervisão nacionais, foi também criticada a qualidade das auditorias. A auditoria está mandatada para assegurar a credibilidade e fidedignidade das “contas” podendo, estes falhanços, ameaçar definitiva- mente este mandato, se nada for feito. A “criatividade” e, em especial, a fraude nas demonstrações financeiras são aqui um elemento central.

Até aqui, nada de novo. Que propostas recentes e concretas estão em cima da mesa?

A Comissão Europeia tem vindo a liderar uma reforma do mercado de auditoria europeu, perspetivando que este seja de melhor qualidade, mais dinâmico e aberto. É urgente restabelecer a confiança nas demonstrações financeiras das empresas!

Vamos aos elementos essenciais da proposta da comissão, de 30/11/2011:

a) Rotação obrigatória das empresas de auditoria: As empresas de audito- ria serão objecto de rotação após um período máximo de contratação de 6 anos (com algumas excepções). Deve ser respeitado um período de espera de 4 anos antes de a empresa de auditoria poder ser de novo contratada pelo mesmo cliente. O período que precede a rotação obrigatória pode ser alargado para 9 anos, caso sejam realizadas auditorias conjuntas, ou seja, caso a entidade auditada contrate duas ou mais empresas para realizarem a auditoria, o que pode melhorar a qualidade desta, por aplicação do «princípio dos quatro olhos». Consequentemente, a realização de auditorias conjuntas, não sendo obrigatória, é encorajada.

b) Concurso obrigatório: As entidades de interesse público serão obrigadas a utilizar um processo de concurso aberto e transparente para a selecção de um novo auditor. A comissão de auditoria (da entidade auditada) deve participar activamente no processo de selecção.

c) Serviços distintos dos de auditoria: As empresas de auditoria não poderão prestar serviços consultoria (non-audit) aos seus clientes de auditoria. Além disso, as grandes empresas de auditoria terão de separar as actividades de auditoria das restantes actividades, para evitar os riscos de conflitos de interesses.

d) Supervisão europeia do sector da auditoria: Por outro lado, tendo em conta o contexto mundial da auditoria, é importante assegurar a coordenação e a cooperação em matéria de supervisão das redes de auditoria, tanto a nível da EU como a nível internacional. Assim, a Comissão propõe que a coordena- ção das actividades de supervisão dos auditores seja assegurada no âmbito da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (AEVMM).

e) Oferecer aos auditores a possibilidade de exercerem a sua actividade em toda a Europa: A Comissão propõe a criação do mercado único da revisão legal de contas mediante a instituição de um passaporte europeu para a profissão de auditor. Para o efeito, as propostas da Comissão permitirão que as empresas de auditoria ofereçam serviços em toda a UE e exigirão que os revisores oficiais de contas e as empresas de auditoria respeitem as normas internacionais de auditoria quando efectuam revisões legais de contas.

f) Reduzir a burocracia para as empresas de auditoria de menor dimensão: A proposta prevê ainda uma aplicação proporcionada das normas no caso de pequenas e médias empresas. “

Sendo de saudar toda a dinâmica que tem vindo a ser criada pela Comissão Europeia, à volta da reforma do sistema de auditoria, e reconhe- cendo o utilidade das medidas acima propostas, é, contudo, de lamentar o seguinte:

Não foi considerado (também) essencial e prioritário, desde já, obrigar à integração de, pelo menos, um especialista na prevenção e deteção de fraude (Fraud Examiner /Forensic Accountant) nas equipas de auditoria /revisão de

contas das entidades consideradas de interesse público (PIE´s), nas quais, qualquer Fraude que ocorra, pode ter efeitos sistémicos devastadores (como tem vindo a acontecer).

167 FRAUDE NAS INSTITUIÇÕES

As normas de auditoria atuais autorizam e incentivam que assim seja (e.g. ISA 240);

O trabalho de auditoria tem limitações, uma vez mais reconhecidas no último livro verde da Comissão, não estando diretamente vocacio- nada para a prevenção e deteção de fraudes;

Existe a nível internacional este tipo de especialistas, devidamente acreditados por prestigiadas associações profissionais (EUA);

A dimensão das Public Interest Entities (PIE´s) e o facto da audito-

ria nestas empresas estar assegurada, com elevada concentração, pelas Big Four, certamente, permitiria diluir algum ajustamento que

fosse necessário efetuar nos honorários para integrar um Fraud Examiner ou Forensic Accountant nas respetivas equipas. Ou seja

a Fraud Examination ou Forensic Accounting, seria sempre um

complemento ou extensão da auditoria “tradicional, o qual, nestas PIE´s, continuaria certamente a ter uma interessante relação custo /benefício.

De uma carta que tomei a iniciativa de enviar no passado mês Dezembro de 2011 à Comissão Europeia, ficou a promessa (na resposta) de possivel- mente vir ainda a acolher futuramente esta sugestão, após uma análise mais aprofundada da margem de manobra dada pelo normativo de auditoria (ISA 240), bem como, depois de avaliar adequadamente como tem vindo a ser a sua aplicação no “terreno”.

Seria útil, seguramente!

Nuno Moreira 2012-01-26

Uma notícia recente chamou-me a atenção, ao confirmar algo já muito debatido: em alturas de (de)pressão económica, a prática de fraude cresce, analogamente à economia paralela.

De acordo com a notícia, veiculada pela BBC [http://www.bbc.co.uk/ news/uk-16998687], a seguradora AXA (a 9ª maior empresa do mundo no FT500 de 2010) realizou um inquérito a 2000 clientes de várias segurado- ras, visando avaliar o impacto da crise sobre a atitude dos segurados face à prática de fraude.

No inquérito, 9% dos segurados admitiu ter exagerado o valor dos pedidos de compensação que submeteram, sendo o exagero típico na ordem dos 700€ por pedido. Mais de 10% dos inquiridos admitiram serem mais capazes de recorrer a este tipo de práticas agora, do que seriam há três anos atrás. Também a Association of British Insurers comunicou que a fraude em seguros subiu 10% no passado ano.

De acordo com a ACFE, no seu Report to the Nations de 2010, mais de 85% dos perpetradores de fraude nunca tinham sido condenados por delitos desta natureza. Isto pode sugerir uma mudança progressiva de atitude e comportamentos que, parece-me, não é independente dos problemas económicos que os países industrializados atravessam.

Na prática, estes números vêm apenas provar a base teórica que caracte- riza a prática de fraude, o já anteriormente descrito “triângulo da fraude”, que indica que a ocorrência de fraude requer a existência de motivos, de uma oportunidade e de capacidade para racionalizar o acto. Analisando este instrumento na perspectiva da crise económica, verificamos que existem:

motivos: o desemprego e, consequentemente, as dificuldades financeiras subiram acentuadamente;

169 FRAUDE NAS INSTITUIÇÕES

capacidade de racionalização: existe uma justificação clara para a prática deste tipo de delitos, já que manter a habitação e alimentação são necessidades primárias;

oportunidade: os controlos existentes (e.g. cálculo de risco de um pedido de reembolso) têm dificuldades em adaptar-se e acompanhar a evolução dos métodos e volume da prática de fraude; é precisa- mente na fraqueza dos controlos que reside a oportunidade.

Esta base teórica, aliada às constatações mencionadas, deixa pouca margem para dúvidas de que haverá um aumento da economia paralela e da fraude em todas as indústrias, nomeadamente no sector segurador.

Face aos três factores descritos acima, constata-se que é difícil influen- ciá-los a todos. Eliminar os motivos implicaria resolver ou minimizar o impacto da actual crise económico-financeira e melhorar as condições de vida dos segurados, algo que não está ao alcance de uma organização. Eliminar a capacidade de racionalização implicaria uma (importante) transformação cultural, actuando sobre o sentido de ética e cidadania das pessoas.

Não obstante, está perfeitamente ao alcance das organizações reduzir o factor “oportunidade”, o que não só é mais fácil como mais produtivo para as organizações, já que a oportunidade é essencial à prática de fraude. Reduzir as oportunidades implica ter controlos mais eficazes e eficientes.

Acredito, face ao que relatei até agora, que o aumento da fraude previsto será verificado mais por via da quantidade do que pelo valor. Isto, porque é o cidadão comum que, face às dificuldades, vê-se forçado a recorrer à prática da pequena fraude, o único método que lhe é acessível. Existirão mais pedidos de reembolso, com um “exagero” de menor valor; uma prática, aliás, comum, já que um defraudador normalmente testa o método com valores baixos, incrementando-os em caso de sucesso. Adicionalmente, como “a necessi- dade é a mãe da invenção”, estimo que surgirão também novos métodos de fraude que visem escapar aos controlos actuais.

Posto isto, afigura-se como necessária a actualização ou moderniza- ção dos controlos existentes, tanto para lidar com o aumento de volume como com novos métodos que venham a surgir. O volume fará com que os controlos (e.g. auditores, peritos, mecanismos de validação) tenham que conseguir analisar um número substancialmente mais elevado de pedidos de reembolso. Os novos métodos implicam essencialmente que os controlos antigos (e.g. grelhas de risco, questionários) não serão eficazes a detectar

risco e que as organizações terão que, proactivamente, implementar contro- los que se adaptem rapidamente à dinâmica tradicional da fraude, bem como aumentar a sua eficiência na investigação.

Importa destacar a importância das tecnologias de informação para a implementação de controlos, dada a sua comprovada capacidade de proces- sar automaticamente grandes volumes de dados e de detectar anomalias e/ ou padrões de risco em informação complexa.

Para finalizar, resta considerar que os perpetradores de fraude vão ser cada vez mais criativos e proactivos na sua actividade. As organizações que não acompanharem esta dinâmica estarão numa posição de maior vulnera- bilidade directa (perdas operacionais) e indirecta (reputação).

João Gomes 2012-03-22

No documento Política e Negócios (páginas 165-171)