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Reforma Francisco Campos – 1930: “formação do homem para todos

1. CAPÍTULO

2.2. RUPTURAS CONCEITUAIS NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL: DE

2.2.1. Reforma Francisco Campos – 1930: “formação do homem para todos

Quando da promulgação da Reforma Francisco Campos em 19308, que organizou o ensino secundário, anteriormente com caráter propedêutico, reconheceu oficialmente o ensino secundário. Esta reforma firmou-se com o Decreto nº 21.241, de 1932. É notória a nova situação da escola secundária, impregnada pelos exames

preparatórios para o ensino superior. De acordo com o então Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, a finalidade do ensino secundário deve ser a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, habilitando-o a viver por si só, levando em conta seus hábitos, atitudes e comportamentos. (ROMANELLI, 2007). Segundo Silva (1969) o conceito de ensino secundário está relacionado ao significado de ensino médio, de segundo grau ou pós-primário.

O conceito de educação está relacionado à transmissão de processos e técnicas intelectuais. Para Campos (2001, p. 66) “se há alguma finalidade além da aquisição de conhecimentos e de técnicas, é uma questão a que o nosso sistema educativo não responde, porque não a julga incluída no seu syllabus”. Para o autor a educação deve estar a serviço de certos valores, haja vista que a educação não tem o seu fim em si mesma.

A reforma estava em harmonia com o Estado autoritário instaurado a partir do governo de Getúlio Vargas. Segundo no projeto político de construção do Estado Nacional “há um lugar de destaque para a pedagogia” (...). “Ao Estado caberia a responsabilidade de tutelar a juventude, modelando seu pensamento, ajustando-a ao novo ambiente político, preparando-a, enfim, para a convivência a ser estimulada no Estado totalitário” (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 83).

Naquele momento político a educação era um instrumento estratégico, pois conseguiria institucionalizar a doutrina e a prática. A Igreja seguiria com o seu papel catequético e o Estado ampliando sua interferência na educação. A preocupação de Francisco Campos com essa reforma “é com a integração política, tendo em vista o crescimento das massas e a necessidade de arregimentá-las segundo um ideário comum”. (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 81).

Essa reforma instituiu o currículo seriado, ao estabelecer os dois ciclos: fundamental e complementar. O primeiro com duração de cinco anos e o segundo, com dois anos. Este, obrigatório para o ingresso ao ensino superior. A frequência às aulas era obrigatória para os alunos aprovados no exame de admissão ao ensino secundário, com idade mínima exigida de 11 anos.

A distribuição curricular para o curso fundamental era a seguinte:

Quadro 6 - Distribuição curricular do curso fundamental do ensino secundário, segundo a reforma de 1931.

Disciplinas 1ª. Série 2ª. Série 3ª. Série 4ª. Série 5ª. Série

Português X X X X X Francês X X X X --- Inglês --- X X X --- Latim --- --- --- X X Alemão (facultativo) --- --- --- X X História da civilização X X X X X Geografia X X X X X Matemática X X X X X Física --- --- X X X Química --- --- X X X Ciências físicas e naturais X X --- --- --- Desenho X X X X X História natural --- --- X X X Música (canto orfeônico) X X X --- --- Fonte: Pesquisadora

Para o curso complementar, obrigatório para os candidatos à matrícula em determinados institutos de ensino superior, era feito em dois anos e compreendia as seguintes disciplinas: Alemão ou Inglês. Latim, Literatura, Geografia, Geofísica, Cosmografia, História da Civilização, Matemática, Física, Química, História natural, Biologia geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia, Noções de Economia e Estatística, História da Filosofia e Desenho. O currículo era intensivo com exercícios e trabalhos práticos individuais.

Quanto à inspeção de funcionamento dos estabelecimentos de ensino secundário ficou a cargo do Departamento Nacional do Ensino. No que diz respeito à organização e gestão escolar, coube ao Conselho Nacional de Educação a inspeção e emissão de relatórios.

Os inspetores, nomeados por concursos, além de outras atribuições, deveriam “assistir, igualmente, pelo menos uma vez por mês, a aulas de exercícios escolares ou de trabalhos práticos dos alunos, cabendo-lhe designar quais destes devam ser arguidos e apreciar o critério de atribuição das notas” (BRASIL, 1931, art. 56). Pode-se entrever que a reforma de 1931 assinala o início do processo de centralização do governo em relação à educação.

Assim, a reforma do ensino secundário foi fundada a partir das ideias de uma escola com formação propedêutica para o ensino superior. Quanto ao ensino comercial, a conclusão dos cursos não permitia o acesso à universidade. Com isso, conclui-se que o ideário do reformador para o ensino secundário era a atualização da escola para o desenvolvimento industrial da sociedade brasileira. Essa interação, do adolescente, com o processo de produção e modernização deveria ultrapassar as exigências de “um curso de passagem” ou de um “instrumento para a preparação de candidatos ao ensino superior” (SILVA, 1969; ZOTTI, 2004).

Segundo Nunes, M. T. (1962, p. 110), “a Reforma Francisco Campos, com o aspecto de cultura geral, sem flexibilidade entre os diversos ramos do ensino médio, não satisfazia à mobilidade social que se processava no país”. Com o caráter propedêutico a educação era destinada à elite, que podia passar 5 anos em formação de cultura geral.

Os dados abaixo evidenciam o movimento escolar, com relação às matrículas no ensino secundário, no Brasil, no período de 1932 a 1941:

Tabela 1 - Movimento escolar: matrículas, frequência, aprovações e conclusões do ensino secundário, Brasil, 1932 – 1941.

Especificação Anos Matrículas Frequência Aprovações em geral Conclusões de curso Geral Efetiva Ensino Secundário (ensino secundário geral comum – fundamental e complementar) 1932 56.208 - 51.244 - 5.827 1933 65.420 - 60.585 - 8.080 1934 79.055 75.455 70.177 63.625 9.269 1935 93.829 89.463 82.631 72.736 8.092 1936 107.649 103.430 94.621 85.203 10.562 1937 123.590 117.788 108.462 99.083 12.716 1938 143.289 134.734 122.297 111.255 16.330 1939 155.588 146.334 135.208 127.831 18.795 1940 170.057 160.164 148.745 133.269 19.828 1941 182.260 172.356 160.732 147.341 23.225 Fonte: IBGE – Estatísticas do século XX

Tabela elaborada pela pesquisadora.

A Tabela 1 apresenta uma visão panorâmica do ensino secundário no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940. Os dados mostram os números do inicio do ano, a frequência e a quantidade de concluinte do ensino secundário. Esse conjunto de

dados ilustra que em dez anos houve um aumento de 230% nas matrículas. Da mesma forma que cresciam as matrículas, aumentava, também, a evasão. Em 1932 tinha 56.208 alunos matriculas e só 5.827 concluíram o ensino secundário, 90% dos estudantes abandonavam a escola. Em 1941, dos 182.260 ingressantes, 13% concluíram. De 1933 a 1968 este nível de ensino cresceu rapidamente, aumentando em mais de 30 vezes em todo o período. Por trás desse incremento estava o processo de urbanização do país e o crescimento populacional.

As estatísticas acima corroboram com um ensino sem atratividade para os jovens. Segundo Lima L. O. (1961) essa escola desinteressada estava relacionada a uma aprendizagem automatizante, a escola reproduz o mundo em que vivemos. Para o autor, em uma democracia não podemos pensar em duas escolas: uma secundária para a elite e a outra profissional para o povo. O que se deve indagar da escola do “futuro” (1961) é se “é uma escola de adestramento profissional ou se mesmo usando máquinas e ferramentas fá-lo para ensinar a refletir e a criar” (p. 52).

Finalmente, com relação à Reforma Francisco Campos, a Exposição de Motivos, percebe-se uma ruptura de conceitos e de concepção do ensino médio. Contudo, não houve uma articulação com os demais níveis de ensino, consolidando a preferência pelo ensino acadêmico. Assim, em 1942 o então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, reforma o ensino secundário.

2.2.2. Leis orgânicas do ensino – 1942: “Ensino preparador da elite intelectual