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8.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA: POR UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO

8.3.1 Registro da memória

Para refletir como está sendo a atuação do supervisor escolar nos processos de formação, em relação ao registro, busco a contribuição de Fernandes (1999) para destacar a importância da “memória como fonte de compreensão do passado”, registro da voz, do

pensamento coletivo na escola, o registro do conhecimento do grupo.

Partindo dessa perspectiva, o registro dos projetos de formação na sua totalidade, enquanto intencionalidade e execução, poderiam constituir indicadores de produção de conhecimento da/ na escola, assumindo uma posição política, superando uma possível “dicotomia entre ensino e pesquisa” (SHOR ; FREIRE, 2008, p. 19) e possibilitariam visibilidade às reflexões, questionamentos vivenciados pelos professores enquanto sujeitos cognoscentes/ de conhecimento. O registro caracterizado também seria uma opção metodológica para o distanciamento e estranhamento da realidade e possível reflexão.

Ainda sobre a importância do registro da memória das formações, concordo com o entender de Linhares (2003), quando afirma que a materialidade da escola pode ser registrada por escrito, possibilitando análises que “ajudem a escola a escapar das fantasias onipotentes

das lembranças, sempre encantadas, de um “tempo de ouro” em que, supostamente a escola seria perfeita.” (LINHARES, 2003, p. 85).

Tal registro possibilitaria, dentre outras, a investigação das “necessidades históricas dos que buscam o saber, conjugando seus apelos coletivos com os individuais” (LINHARES, 2003, p. 85) e a memória e a narração poderiam implicar na redefinição dos rumos da escola como expressa a autora, fundamentada em Benjamin apud Linhares (2003, p. 85):

O entranhamento de memória e narração poderia fazer a escola recriar-se como uma comunidade narrativa, em que a biografia de cada instituição escolar servisse de fio condutor para que professores e alunos fossem tomando contato com as lutas de instalação da escola e com aquelas outras em que vai se desdobrando seu desenvolvimento. Isto implicaria retomar antigos problemas, cujas soluções decorreram de árduo trabalho pedagógico, que foi absorvido a ponto de ser naturalizado, mas também restaurar embates ainda não resolvidos e que esperam novas oportunidades de discussão e ação.

Analiso que o registro da memória, em especial do processo de formação com professores, constitui-se como possibilidade e compromisso ético-político da supervisão, fundamentada nas experiências no campo profissional, nas evidências da presente pesquisa e das reflexões suscitadas a partir das leituras e problematizações vivenciadas neste caminho. Sobre este compromisso, encontro, ainda em Linhares, que

Provocando a restauração da memória dada como perdida, o supervisor entrará em contato com elementos que lhe ajudarão a entender a escola como um inventário de procedimentos pedagógicos que a academia nem pressente existir, até porque escapa a deduções e induções de pequeno alcance; este inventário, menos visível, conjuga- se com sonhos que insistem tenazmente em emergir, animando as lutas escolares: projetos dessa intersubjetividade de professores e alunos que se encontraram e se encontram na escola. (LINHARES, 2003, p. 87-88).

Porém, não há como desconsiderar as condições objetivas de trabalho do supervisor que, como analisado anteriormente, tem sua ação também direcionada/ pautada pelas especificidades do cotidiano escolar, às urgências da escola e que podem constituir um limite24 à possibilidade do registro e socialização das formações com a comunidade escolar.

Todavia, compreendo que a opção pelo registro da memória está inserida numa dimensão ético-política e histórica, comprometida com uma lógica de formação que considera os trabalhadores em educação como produtores de conhecimento, um conhecimento que é

24 Fundamentada em Fernandes (1999), quando constroi a ideia de memória educativa, considero também que a memória constitui-se de recortes que os sujeitos fazem dos que são a representação de suas realidades, engravidadas de significados, reinterpre tados na dialética relação escola, conhecimento e vida. (FERNANDES, 1999, p.189).

construção histórica (FERNANDES, 2011, p. 73), com uma lógica de formação que valoriza o espaço público do debate e encaminhamentos, e as relações nele construídas (GOERGEN, 2009). Uma dimensão política que procura compreender a natureza das ações realizadas na escola e problematiza sua possível continuidade diante do projeto de educação que defende. Uma dimensão política comprometida com a superação dos presentismos contemporâneos, modismos no campo educacional voltados a interesses que não a “formação do ser humano como sujeito/cidadão” (GOERGEN, 2009, p. 61). Uma dimensão ética, articulada com a política, que possibilita a “reorganização da escola como espaço aberto para o diálogo e para o questionamento crítico, tendo o ser humano como sujeito e agente de uma educação escolar que atenda às necessidades, tanto quanto possível dos diferentes grupos sociais” (GUZZO, 2011, p. 46).

Da análise das entrevistas, de modo geral, evidencia-se que as temáticas das formações são definidas pelos professores e equipe diretiva, considerando os interesses da escola e assuntos que perpassam as políticas educacionais, conforme os depoimentos que seguem:

“Eles estão voltados ao foco de interesse da escola.” (Nelva)

“É muito bom, é colocada uma caixa de sugestão, onde cada professor cita um assunto que quer, eu até nem participei dessa vez, deixei para as colegas, mas pretendo fazer minhas sugestões.” (Gledir)

“(...) sugerem vários assuntos que ... querem que sejam trabalhados (Lucimara)”

“Geralmente a gente faz o assunto que a gente não trabalhou no projeto anterior.” (Lucimara).

Importante destacar que há uma preocupação da escola em fazer a escuta dos professores para a definição do projeto de formação, atender as demandas dos docentes, mas não há evidências explícitas de que os temas tenham relação estreita com os objetivos do Projeto Político-Pedagógico da escola e sejam planejados a partir de um amplo processo de reflexão coletiva.

Outro aspecto trata da forma como as políticas educacionais são tematizadas nas formações. O contexto da produção de textos das políticas, no âmbito municipal requer a participação dos professores como um processo viável e dinâmico, mesmo diante da complexidade da produção dos textos, visto que a escola faz parte de um Sistema Municipal de Ensino, há um Conselho Municipal de Educação como órgão normativo do Sistema, o que pode significar maior participação na definição dos caminhos da rede municipal e maior agilidade nos processos de construção da política. Mas o observado faz acreditar que os textos

chegam à escola como concluídos, o que implica que os professores e demais trabalhadores passam a ser executores da política: “Então vamos supor que veio um parecer que precisa ser

passado (...), ou até trabalhar (...) um assunto que ( ...) veio do MEC, o da inclusão (Lucimara)”.

Neste sentido, Mainardes (2007, p. 109) afirma que:

Um dos desafios da implantação de políticas de forma democrática e participativa seria justamente uma abertura maior no processo de formulação de políticas e um diálogo permanente entre profissionais que atuam no contexto da prática e aqueles responsáveis pela produção do texto da política.

A supervisão, em contextos de formação continuada com professores, diante do cenário de implementação de políticas educacionais, poderia trabalhar junto com os demais professores, na construção de um novo conteúdo na escola, que transcende a territorialidade desta, construção de um conhecimento emancipação na relação com os órgãos normativos e dirigentes do Sistema (FERREIRA, 1999, p. 237). A emancipação, como meta, seria um

suleador25 da ação supervisora, implicando na sua reconceitualização e, nas palavras de Ferreira (1999), assumiria novos compromissos no processo de humanização do homem:

Eleva-se, assim, a supervisão educacional da condição de executora de políticas e planejamentos, de apenas articuladora de conteúdos e propostas, para atuar como partícipe da construção da sociedade, condição esta sim que garantirá a qualidade do trabalho pedagógico. (FERREIRA, 1999, p. 251).

Na continuidade, dentre os temas trabalhados nas formações a partir da implementação do Ensino Fundamental de nove anos, as trabalhadoras em educação recordam da

indisciplina, da inclusão, da reorganização do Plano de Estudos e da alfabetização e letramento. Destacam como temas que contribuem para o trabalho do professor na

alfabetização dos alunos o comprometimento familiar, as atividades práticas e o debate acerca das questões curriculares:

“Posso dizer participação da família? Comprometimento familiar, é mais o comprometimento dos pais ... eles largam aqui na escola e o professor que tem que se virar.” (Gledir)

“Eu acredito que seriam sugestões práticas, atividades práticas para trabalhar com as crianças, que a teoria a gente sabe e conhece agora a prática, coisas práticas, o dia -a- dia-onde tu realmente atinja o interesse da criança é que é importante, mesmo que se busque, a

25

O termo suleador é utilizado no texto fundamentada em Paulo Freire no livro “Pedagogia da Esperança” (1992, p. 24 e 218). Seu uso implica na postura crítica diante do termo “norteador” e sua perspectiva ideológica.

gente sempre, eu estou sempre buscando, procurando coisas novas, mas e depois?” (Nelva)

“(...) ele contribui no momento em que tu consegue colocá-los em prática (os temas das formações).” (Nelva)

“Seria aquele encaixe de uma série pra outra e do trabalho do professor da série anterior com a série posterior.” (Lucimara)

“Às vezes sim, outras não. (referindo-se aos temas tratados na formação e contribuição para o trabalho do professor na alfabetização dos alunos). Porque às vezes assim começa tratar um assunto, foge um pouco do, se dispersa o assunto, foge um pouco, se dispersa aquele assunto ali e tu acaba perdendo a sequência lógica das coisas. Mas se tiver uma formação bem, bem fundamentada eu acredito que a gente consiga aplicar alguma coisa, (... )a teoria pra mim pouco vai resolver, que é mais, que eu acho importante são atividades, são assuntos onde tu possa trazer pra sala de aula. E que se consiga atingir diretamente o aluno.” ( Nelva)