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Regra I.

Todos convem que, para escrever as palavras, que são proprias e nativas da Lingua Portugueza, não se deve usar de outros caracteres, se não dos que o uso da Nação adoptou para isso.

O uso da Nação adoptou para isto 31 Caracteres fundamentaes, a saber : 5 vogaes oraes A, E, I, O, U ; 5 Nasaes Ã, Ẽ, Ĩ, Õ, Ũ ; e 21 Consoantes B, P, M, V, F, G, C, D, T, S (com

vogal diante) Z, S, (sem vogal diante), X, J, CH, N, NH, L, LH, R, RR, como se póde ver no Livro I. da Orthoepia, Cap. I, e II. Para exprimir as duas Gutturaes antes de E e I ajuntou ás Consoantes simples as duas Prolações GU, QU, e usa

muitas vezes do Ç cedilhado em lugar do S, e do G em lugar do J antes de E e I.

Este he o verdadeiro Abecedario do uso Nacional.

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O Abecedario vulgar, ou Typographico de 23 Letras, a saber : A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, X, Y,

Z, por huma parte he incompleto e falto não menos que de onze Letras, a saber : das cinco Nasaes Ã, Ẽ, Ĩ, Õ, Ũ ; das duas Consoantes J, e V, e das quatro Prolações CH, NH, LH, RR, que são humas verdadeiras Consoantes, posto que figuradas com duas Letras : e por outra parte o mesmo Abecedario vulgar he sobejo de tres Letras, a saber : o K,

e Y, que são Gregas, e o H, que, ainda sendo signal de aspiração, não deve ter lugar entre as Consoantes, mas sim entre os Accentos Prosodicos, aonde

pertence. Não falo ja na desordem fortuita do

mesmo Abecedario vulgar, em que as vozes se vem misturadas com as Consoantes, e estas sem ordem alguma entre si ; antes contra toda a serie de sua geração, e dos orgãos, a que pertencem.

Regra II.

Todos presentemente concordão em que nenhuma das Letras, ou Vogaes, ou Consoantes se deve dobrar no principio e fim das palavras.

Os nossos antigos dobravão no fim as vogaes grandes e as Nasaes, escrevendo : Sáa, Sée, Sóo, Caiir, Crúu, Maçãa, Sõos, Malsĩis. Mas huma vogal so accentuada val o mesmo. Ja em Arrazôo, Môo, Vôo, e outras semelhantes dobrão-se as vogaes ; porque as duas vozes são differentes.

Regra III.

Todos ainda os mais apaixonados pelas Etymologias, assentão não ser justo metter na escriptura

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das palavras Portuguezas Letras desnecessarias, e que lhes não competem, nem em razão

da pronunciação, nem em razão da dirivação. Como : escrever com H He, Hum, e com E no

principio Esparto, Espaço, Estatua, Espirito, Especie, Estudo &c. quando nem a pronunciação o

pede, nem as palavras Latinas Est, Unus, Spartum, Spatium, Statua, Spiritus, Species, Studium o

tem, nem o mesmo se practíca em outras semelhantes, como em Scena, Sciencia, Scipião &c.

Regra IV.

Todas as nossas Letras, tendo no presente uso da escriptura duas figuras ; huma grande como A, B, C, D, E, &c. E outra pequena como a, b, c, d, e, &c. he practica conforme não metter nunca Letra grande no meio das palavras, e pol-a sempre no principio.

1.° Dos Frontispicios, dos Livros, dos Capitulos, &c. e da primeira palavra de qualquer oração depois de ponto final, ou simples, ou de Interrogação e de Exclamação : e bem assim no principio de qualquer verso, ou de qualquer discurso que se relata de outrem, ainda que precedão so dois pontos ;

2.° Dos Nomes proprios, quer sejão de pessoas,

como Alexandre, Cesar ; quer de animaes como Bucephalo ; quer de couzas, como Portugal, Brazil,

&c.

3.° Dos nomes ainda communs, quando como titulos de honra e de dignidade são applicados a pessoas particulares, como Papa, Bispo, Rei, Desembargador ; e bem assim quando são nomes patrios e

gentilicos : Os Portuguezes, os Menezes, ou fazem o objecto principal do discurso, como Philosophia, Rhetorica, Poesia, Pintura, Lei, Decreto, Alvará &c.

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Todos convem em que, para representar todas as nossas 10 vozes oraes, mostradas na Taboa Cap. I. da Orthoepia, nos sirvamos so das cinco vogaes a, e, i, o, u ; porêm com a differença dos Accentos vogaes, com que se distinguem, todas as vezes que esta distincção for necessaria para huma palavra univoca se não confundir com outra, como sem elles se confundirião Pára verbo com Para preposição, nome com verbo e Se conjuncção, Avó feminino com Avô masculino, e Amárão preterito com

Amaráõ futuro.

As nossas duas vozes Grandes Fechadas ê, ô

nunca occorrem nas palavras sem nas mesmas vozes cahir o accento agudo, e assim o seu mesmo accento vogal serve tambem de acccnto prosodico, como em Barrête, Môco. Porêm não succede ja o mesmo com as nossas tres vozes Grandes Abertas á, é, ó, quando nas palavras se achão antes da Syllaba aguda como em Vadio, Pregar, Sozinho e outras muitas. Preoccupado o accento pela Syllaba aguda, ja com elle se não podem notar as vozes abertas, que o precedem.

Havendo porêm necessidade de distinguir com

isto duas palavras equivocas como Prégar (praedicare), e Pregar (figere) : seria bom para estes casos

tornar a introduzir o ę dobrado de que usa para os mesmos casos o nosso João de Barros, ou dobrar a vogal, escrevendo Vaadío, Prégar, ou Preegar, Sosínho. Pelo que pertence ás duas escripturas do ô

Grande Fechado, figurando-o, ou com o accento circumflexo por cima, ou com o u adiante deste modo

ou : quando elle he final, pode-se adoptar a primeira para os nomes, escrevendo Avô, e a segunda para

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os verbos, escrevendo Amou, Dou, Sou, Vou, &c. e geralmente quando o au Latino se converte no ou Portuguez, como Ouço, Pouco, Rouco.

Regra. VI.

Para na escriptura distinguir as vozes, que na pronunciação são surdas e ambiguas, e saber se havemos de escreuer i ou e, o ou u : ou estas vozes vem antes da Syllaba aguda, ou depois. Se vem d’antes, não ha outro meio para as conhecer e determinar se não o de variar com outra formação, ou declinação a mesma palavra de sorte que a voz ambigua passe a ser huma das grandes ; e então o seu som confuso se fará distincto para se escrever com a sua vogal propria.

Assim, para eu saber com que vogal hei de escrever as primeiras vozes surdas dos dois verbos Cear, e Ciar, e dos dois Soar e Suar ; não tenho mais

do que pol-as no presente do Indicativo Cêo, Cío, Sôo, Súo, e logo vejo a vogal com que os devo escrever nas mais fórmas dos mesmos verbos. O mesmo

succede nos nomes. Assim, por ex : Asseado,

Fofice sei que se hão de escrever deste modo ; porque digo Assêo, Fôfo, donde os primeiros se dirivão.

Se porêm as dictas vozes surdas vem depois da Syllaba aguda ; a que sôa como i, deve-se escrever com e como Coíme, Prudénte, Sángue, Ténue ; e a que sôa como u deve-se escrever com o como António, Márcos, Affécto, Amamos, Lemos, Ouvimos ;

e sendo duas as que sôão como u, a primeira deve-se escrever de ordinario com esta vogal, e a segunda com o, como Continuo, Assiduo, Arduo. Nos Diphthongos o uso mesmo não tem feito escrupulo em escrever as subjunctivas surdas de hum mesmo Diphthongo ja com e, ja com i em Bôi, Poes ; e ja com o,

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ja com u, como Eu, Mêo, Têo. Mas da Orthographia destes Diphthongos falaremos logo.

Regra VII.

Todos concordão em que as nossas cinco vozes Nasaes claras se podem escrever ou simplesmente com o til por cima deste modo : ã, ẽ, ĩ, õ, ũ ; ou com M ou N adiante : com a differença porêm que sendo finaes, ou ficando antes de B, P, M, sempre se devem escrever com M, e em todos os mais casos com N, como , ou São, Santo, Campa, Tenro, Tempo, Sĩ ou Sim, Sinto, Simples, Sõ ou Som, Sonda, Zombo, Ũ ou Um, Atum, Tunda, Tumba.

Regra VIII.

A respeito da Orthographia dos nossos 10 Diphthongos oraes, nenhuma discrepancia ha pelo que

pertence á escriptura das suas prepositivas, qual se vê na Taboa do mesmo Cap. III. Da Orthoepia. Pelo que pertence porêm á das suas subjunctivas, que sempre são surdas, póde haver duvida se se hão de escrever com e ou com i em huns Diphthongos, e em outros se com o ou com u.

Todos porêm concordão que, escrevendo-se as primeiras uniformemente com i deste modo ai, éi, êi, ói, ôi, ui, nenhum inconveniente ha nisto : e a

respeito das segundas o uso concorde de todos he escrevel-os com u estando no principio, ou meio do

vocabulo, e com o, sendo finaes deste modo : Páuta, Páo, Céo, Cêuta, Lêo, Ouvío. O mesmo uso

porêm, escrevendo o pronome Eu sempre com u, não obstante vir do Latino Ego varía nos possessivos, escrevendo ja com o Mêo, Têo, Sêo, segundo a Analogia Orthographica dos mais adjectivos em us ; ja

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com u Mêu, Têu, Sêu, apegando-se á origem e conformando-se com a escriptura do primitivo Eu.

Quem seguir constantemente qualquer destas duas Orthographias, escreve bem.

Regra IX.

Pelo que pertence á Orthographia dos nossos 6 Diphthongos Nasaes ; as escripturas são varias e desconformes, como se póde ver na mesma Taboa. Porêm todos assentão não haver inconveniente algum, em as suas prepositivas se escreverem uniformemente, quer no singular, quer no plural dosnomes e dos

verbos com o til por cima. E pelo que pertence ás

vozes surdas e ambiguas que compõem as suas subjunctivas, nas que tem o som confuso de o ou u escrever

sempre o, assim ão, õo, e nas que soão entre e, e i por e no Diphthongo de õe e ẽe ; e i nos de ãi, e ũi, deste modo : Mão, Mãos, Bõo, Bõos, Põe, Pões, Lição, Lições, Bẽe, Bẽes, Mãi, Mãis, Rui, Ruis ; escripturas as mais auctorizadas pelo uso de nossos antigos Escriptores.

Todos pelo contrario assentão haver nas mais

escripturas estes tres grandes inconvenientes, a saber : 1.° O de equivocar a escriptura dos Diphthongos

Nasaes com a das Nasaes simples, e por consequencia as palavras, que nada tem de equivoco na

pronunciação, escrevendo por ex : Irmão como Irmam, Bõo com a pronunciação da Extremadura como Bom com a do Minho, e Bendizer como Benzêr. 2.° A de pôr nos pluraes dos Nomes o N, signal

de Nasalidade, fóra do seu lugar, depois do Diphthongo, quando, como o Til, devia cahir sobre a

prepositiva do mesmo, escrevendo deste modo Saons, em lugar de Sãos, Bons em lugar de Bõos, Tostoens em lugar de Tostões, Refens em lugar de Refẽes,

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fẽes, Caens em lugar de Cães, e Ruins em lugar de Rũis.

3.° O de furtar a alguns Diphthongos a sua subjunctiva com escrever com huma vogal so Pam, Bom,

Bem, que val o mesmo que Pã, Bõ, Bẽ, em lugar de duas Pão, Bõo, Bẽe &c.

Regra X.

Nenhuma Orthographia dobra nas palavras as quatro consoantes V, Z, J, X nem tão pouco as cinco prolacões CH, LH, NH, GU, QU. As mais, fóra estas nunca se dobrão, se não entre vogaes, como o R quando he forte e aspero escrevendo Carro, Carregar com dois RR ; porque está entre vogaes

e pelo contrario Abalroar, Honra, Genro com hum so R, porque não se acha entre vogaes.

Regra XI.

Como, para figurar cada huma das nossas duas

consonancias Gutturaes, temos dois caracteres Litteraes, hum simples G, C, dos quaes nos servimos

como Gutturaes so antes de a, o, u ; e outro composto como GU, QU, dos quaes usamos so antes de

e, e i : todas as Orthographias convem neste uso. Porêm todas tambem deverião na escriptura fazer distincção do U quando he mudo, como o he em Quatorze, Gueto, Quoto, Quita, e quando o não he, mas sim vogal, como em Qual, Guarda, Equestre, Quinquagesima &c. E para tirar toda

a equivocação bem seria introduzir na nossa Orthographia o signal da Dierese chamado Trema pelos

Francezes, que são dois pontos horisontaes sobre o ü quando tem valor, e fazer o mesmo no concurso das duas vogaes, quando fazem Diphthongo ; e quando

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não : usando do mesmo signal na primeira vogal, quando não faz Diphthongo, como em Rîo (Fluvius) e não, quando o faz, como em Rio (Risit)

O que se deverá practicar sempre que o accento agudo esteja na primeira vogal. Estando porêm na segunda o mesmo accento tira toda a duvida como em

Caia, Caía, Teu Teúdo, Môio Moído, Lauda Alaúde, Rui Ruína etc.

Regra XII.

Para partir as palavras pelas Syllabas, e não partir nunca estas ; póde servir de Regra geral na Orthographia Portugueza o seguinte : ou a palavra se parte entre vogaes, ou entre vogal e consoante, ou entre consoantes.

Se se parte entre vogaes, huma deve ficar no fim da regra e outra vir para o principio da regra seguinte, excepto havendo Diphthongo, ou Synerese ; porque então huma couza e outra deve ficar inteira no fim da regra, ou vir inteira para o principio da outra. Assim partiremos Leal, Joia, Luar, Joeira, Qualidade deste modo : Le-al, Joi-a, Lu-ar,

Jo-eira, Qua-lidade.

Se a palavra se houver de partir entre vogal, e huma consoante ; a vogal ficará no fim da regra, e a consoante, não sendo final, passará para a regra seguinte para fazer Syllaba com a voz, que se lhe seguir, deste modo. A-mi-go, A-mi-za-de. Se a palavra se houver de partir entre muitas

dellas for huma destas sete B, D, L, R, S,

e tambem M, N, não tendo vogal diante ; por esta mesma se dividirá, ficando no fim da regra, e trazendo as mais para o principio da regra seguinte, como pertencentes á voz immediata, deste modo :

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Ob-rigar, Ab-soluto, Ad-mittido, Con-stante, Comprehender, Al-tar, Ar-ma, As-tro, Inde-mnizar,

O-mnipotente. Em Obra ha syncope de Obera. (opera). Por isso o B vai para a vogal seguinte como em

O-peração. Se as consoantes são da mesma especie ; huma fica no fim da regra, e a outra passa para o principio da outra.

Esta regra não tem se não huma excepção, que

he nos vocabulos compostos de duas ou mais palavras, nos quaes, como se devem partir so pelas junctas dos membros de sua composição, ás vezes succede pertencer o S ao seguinte membro, e não ao antecedente como : em De-struir, Re-stituir, Re-star,

Pre-star, Pre-screver, De-scender, In-sculpir, Obscurecer, Con-spirar, Re-sponder, Re-splendecer,

A-spergir &c. Mas isto acontece em mui poucas

palavras, e em todas as mais a excepção mesma entra na Regra geral da sua divisão. Taes são as regras communs a todos os Systemas de Orthographia. Passemos ja ás que são proprias a cada hum delles.

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Capitulo II.

Regras proprias da Orthographia Etymologica,