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Regras de reconhecimento Existência, pertinência e validade

No documento Thiago Buschinelli Sorrentino.pdf (páginas 43-46)

1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.1. NORMA JURÍDICA E NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA

1.1.10. Regras de reconhecimento Existência, pertinência e validade

Diante de infindáveis fluxos de comunicação que se estruturam como normas, tanto o órgão jurisdicional como o jurisdicionado precisam de referencial para identificar quais dessas regras podem ser consideradas regras jurídicas, isto é, regras que se reputam cogentes e com amparo estatal.

61 Curso de Direito Tributário, p. 47.

62 Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

63 Documento normativo é o suporte físico que contém as marcas percebidas como signos. O

conjunto de signos leva aos enunciados, que por sua vez darão lugar às proposições. A articulação das proposições produz sentido que não se confunde com a respectiva soma – as normas jurídicas.

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“[...] a norma veículo introdutor resulta da aplicação da norma sobre a produção jurídica e é da espécie concreta e geral, construída a patir da leitura da epígrafe e do preâmbulo do documento normativo, responsável por introduzir enunciados prescritivos no sistema” (MOUSALLEM, Tárek. Fontes do Direito Tributário, p. 142).

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“[...] o que entendemos por fonte do direito não é a enunciação enunciada, mas, sim a atividade exercida por órgão credenciado pelo sistema do direito positivo, que tem por efeito a produção de normas, atividade essa inacessível ao conhecimento humano, por carecer de linguagem” (MOUSALLEM, Tárek. Fontes do Direito Tributário, p. 138).

H. L. A. Hart utiliza o conceito de “regra de reconhecimento” como mecanismo de controle do ingresso de proposições normativas na órbita jurídica. Disse ele, textualmente:

If this use of an accepted rule of recognition in making internal statements is understood and carefully distinguished from an external statement of fact that the rule is accepted, many obscurities concerning the notion of legal “validity” disappear. For the word "valid” is most frequently, though not always, used in just such internal statements, applying to a particular rule of a legal system, an unstated but accepted rule of recognition. To say that a given rule is valid is to recognize it as passing all the tests provided by the rule of recognition and as a rule of the system. We can indeed simply say that the statement that a particular rule is valid means that is satisfies all the criteria provided by the rule of recognition. This is incorrect only to the extent that it might obscure the internal character of such statements; for, like the cricketers “Out‟” these statements of validity normally apply to a particular case a rule of recognition accepted by the speaker and others, rather than expressly state that the rule is satisfied.66

Bulygin67 sugere que a regra de reconhecimento é muito mais próxima do

conceito de regra conceitual do que de normativa68. Oferecem interessante exemplo

para desenvolver o modelo de regra de reconhecimento. Contam a história de um fictício monarca Rex, que governa há muito tempo. A desobediência às suas normas é punida com extremo rigor, então seus súditos têm grande interesse em saber quais são as normas expedidas. Ocorre que Rex enuncia as normas quando está sentado em seu trono. Quando não está, delega a incumbência a ministros.

Paulo de Barros Carvalho69 ensina que validade não é predicado da

norma. Trata-se de relação de conformidade mantida entre a norma e o resto do sistema jurídico70. Riccardo Guastini71 observa que as proposições sobre a

validade devem ser metalingüísticas, isto é, lavradas em nível de linguagem que tome o nível de linguagem das normas jurídicas como objeto.

66 HART, H. L. A. The Concept of Law, p. 103.

67 BULYGIN, Eugenio. Sobre la regla de reconocimiento. In: BULYGIN, Eugenio; ALCHOURRON,

Carlos. Analisis Logico y Derecho. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 383-391.

68 Bulygin não exaure os conceitos de “regras normativas” (ou de conduta) e “regras conceituais”. Diz

apenas que um dos traços necessários às regras normativas é o caráter prescritivo: elas articulam- se com o apoio dos modais deônticos.

69 Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, p. 59.

70 Posto que o modelo de validade sugerido seja mais complexo do que estamos deixando entrever,

Tércio Sampaio Ferraz Junior também afasta a concepção de “validade” como mero predicado da norma jurídica, como algo que “a norma teria”. Cf. Teoria da Norma Jurídica. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 102-105.

Para Marcelo Neves, os conceitos de existência e validade são confundidos na teorização de H. L. A. Hart. A norma existe, é pertinente ao sistema, porque é válida tal como reconhecida pelo órgão jurisdicional ou por outra entidade de aplicação. Não é necessário que a entidade de aplicação afirme textualmente a regra de reconhecimento a cada ato de aplicação, mas essa afirmação está pressuposta (se o órgão aplica a norma n1 é porque a considerou válida e existente).

Concordamos com o modelo proposto por Marcelo Neves, em que há a diferenciação e dissociação dos conceitos de “existência” e “validade”. Segundo concebe, a presunção de constitucionalidade72 garante o funcionamento do sistema, ao impedir que a imperatividade das normas jurídicas seja desafiada a todo instante, por qualquer pessoa e por qualquer meio73. Diz:

Contudo, o ordenamento jurídico, por constituir espécie de sistema normativo dinâmico, tolera a incorporação irregular de normas jurídicas, que permanecerão no sistema enquanto não houver produção de ato jurídico ou norma jurídica destinada a expulsá-las, isto é, até que se manifeste o órgão competente desconstituindo-as. Portanto, ao passo que nos sistemas normativos estatísticos, onde as normas são explicitadas mediante processo de derivação lógico-dedutiva desenvolvidos a partir da norma básica, a pertinência da norma implica a sua validade interna e vice-versa, os sistemas jurídicos, construídos e desenvolvidos através dos processos políticos e técnicos de produção-aplicação normativa, caracterizam-se por uma nítida distinção entre pertinência e validade das normas.

[...]

A explicação semiótica desta situação – pertinência ao ordenamento de normas inválidas – encontra-se nas características semânticas e pragmáticas do discurso jurídico. A plurivocidade significativa da linguagem jurídica (problema semântico), utilizada pelos diversos órgãos que exercem o poder e também pelos destinatários do poder (problema pragmático), implica a exigência prática de que a norma permaneça no sistema enquanto não seja desconstituída por órgão competente, caracterizando-se a presunção júris tantum de validade das normas emanadas de órgãos do sistema (pertinentes ao ordenamento), pois a hipótese contrária (presunção de invalidade) conduziria ao não funcionamento do sistema, por haver interpretações as mais divergentes entre os utentes das normas [...].74

Para nós, há certo grau de descolamento entre existência e validade. Uma norma pode existir, mas ser inválida. Ela persistirá no sistema até ser desconfirmada por linguagem competente. Nossas regras de reconhecimento não dizem respeito

72 Entendemos que a constatação pode ser estendida à validade, não apenas à constitucionalidade. 73

“O princípio da presunção de constitucionalidade exerce uma função pragmática indispensável à manutenção do sistema de Direito Positivo” (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 196.

à relação de conformidade. Apontam apenas notas mínimas que permitem identificar um enunciado como pertencente ao direito positivo. Usualmente esses critérios dizem respeito ao órgão emissor do enunciado e do procedimento adotado, como no caso do Rex sugerido por Alchourron e Bulygin (pronunciamentos vindos de Rex, enquanto ele está sentando no trono, devem ser obedecidos). Tais critérios não são, contudo, muito rigorosos. É possível que o procedimento do enunciado seja imperfeito em algum detalhe. Mas, se as marcas da enunciação-enunciada apontarem órgão que possui hipotética competência para expedir normas e hipotético procedimento, as normas gozarão de presunção de validade. Portanto, até desconfirmação, haverão de ser tidas por jurídicas.

No documento Thiago Buschinelli Sorrentino.pdf (páginas 43-46)

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