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SISTEMAS E TEORIA DOS SISTEMAS

No documento Thiago Buschinelli Sorrentino.pdf (páginas 49-58)

1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1.2. SISTEMAS E TEORIA DOS SISTEMAS

Ao longo do discurso, iremos nos referir diversas vezes a “sistema jurídico”. Cumpre precisar o sentido que daremos à expressão.

A noção de base para “sistema” toma como referência a idéia de “ordem”. “Sistema”aparece na linguagem natural como “conjunto de elementos organizados em razão de conceitos ou critérios comuns”. Paulo de Barros Carvalho82 fala no princípio unitário que rege os elementos do conjunto. Tércio Sampaio Ferraz

Júnior83 aponta dois pontos da estrutura dos sistemas: os elementos que o

compõem (“repertório”) e as relações mantidas reciprocamente entre tais elementos, que lhes dão coesão. Walter Buckley84 examina a questão a partir de “graus sistêmicos ou graus de sistematização” (“systemness”).

Para Claus Wilhelm-Canaris85, a noção de ordem jurídica fundamenta-se na segurança jurídica, entendida como “valor supremo”, verbatim:

Também ela [a segurança jurídica] pressiona, em todas as suas manifestações – seja como determinabilidade e previsibilidade do Direito, como estabilidade e continuidade da legislação e da jurisprudência ou simplesmente como praticabilidade da aplicação do Direito – para a formação de um sistema, pois todos esses postulados podem ser muito melhor prosseguidos através de um Direito adequadamente ordenado em sistema, do que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares desconexas e em demasiado fácil contradição umas com as outras.

O texto constitucional possui diversas referências à necessidade de certeza e previsibilidade nas relações entre os sujeitos de direito.

Assim se dá quando a Constituição determina a estabilização das normas alcançada pelo ato jurídico perfeito, pelo direito adquirido e pela coisa julgada (art. 5º, XXXVI), bem como a observância obrigatória da orientação constante do entendimento do Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, § 1º, incluído pela EC 45/2004), a razoável duração do processo judicial ou administrativo (art. 5º, LXXVIII, incluído pela EC 45/2004) e a irretroatividade das leis.

82 Curso de Direito Tributário, p. 132. 83 Teoria da Norma Jurídica, p. 140.

84 BUCLKEY, Walter. Sociology and Modern Systems Theory. Nova Jérsei: Prentice Hall, 1967, p.

42.

85 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste

Com as devidas cautelas que o sincretismo metodológico inspira, vamos utilizar alguns conceitos de Teoria dos Sistemas desenvolvidos por Niklas Luhmann.

A utilização do modelo de sistemas de Luhmann pode, a primeira vista, “[...] passar a impressão de serem desnecessariamente complicadas e de exclusivo interesse epistemológico”86. O objetivo, contudo, não é envolver as questões

tratadas em densa linguagem para dificultar-lhes ainda mais a compreensão, mas apenas buscar maior precisão no discurso. Pretende-se aqui o aprimoramento da argumentação, e não a sofisticação das palavras.

Os dois conceitos-chave iniciais à compreensão do modelo de Luhmann são os conceitos de “complexidade” e de “contingência”.

A incerteza, no campo social87, deriva da existência de incontáveis soluções possíveis para orientação da conduta humana (complexidade88) e pela possibilidade da ocorrência de qualquer uma daquelas soluções, a despeito da expectativa que se tem (contingência).

A complexidade e a contingência tornam difícil aos jurisdicionados processar suas expectativas quanto à conduta recíproca.

Uma das formas possíveis de adaptação ao problema é a criação de “estruturas seletivas de expectativas”89, que reduzem a complexidade e a

contingência ao processarem as informações com operações predefinidas.

Primeiramente, o sistema do direito adota as normas, programas condicionais, que determinam de antemão quais são as conseqüências que deverão

86 LUHMANN, Niklas. Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal

system. In: Cardozo Law Review. v. 13:1419, p. 1421, 1991-1992. Tradução livre do candidato.

87 LUHMANN (Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985, p. 45.)

sustenta que a complexidade e a contingência são desproporcionais à aptidão do ser humano de percepção e assimilação de informações, bem como para atuação. No contexto, “incerteza” é utilizada para denotar a dificuldade de compreensão e processamento daquelas possibilidades.

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“Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar. Com contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências podem ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir a algo inexistente, inatingível ou algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta [...] não mais está lá”. (LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 45.)

advir da verificação de fatos tidos por relevantes. É o papel operativo da função legislativa, ou seja, a “tomada de decisões coletivamente vinculantes”90.

A criação antecipada de normas, contudo, não é suficiente, pois é possível que a aplicação daquelas normas se desvie da expectativa dos jurisdicionados. Para resolução deste segundo problema, surge a noção de “estabilidade” de sentido das normas jurídicas, independentemente da fase do fluxo de positivação. Noutro dizer, sem prejuízo da profundidade e da complexidade do problema enfrentado perante outro sujeito de direito, cada jurisdicionado espera pelo término definitivo do processo91.

Diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior que

para Luhmann, sendo a função de uma decisão absorver e reduzir insegurança, basta que se contorne a incerteza de qual decisão ocorrerá pela certeza de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la.92

Naquele contexto, segurança jurídica corresponde à expectativa de estabilidade que as relações jurídicas assumirão por conta da impossibilidade de alteração indefinida do alcance e forma de aplicação de dada norma. A permanência do sentido das normas jurídicas é alcançada por programas específicos de cada sistema jurídico.

Assim, o sistema jurídico consegue alcançar segurança jurídica a partir da insegurança, não porque se prevê com precisão qual conduta será adotada por este ou por aquele sujeito de direito, mas porque se pode determinar artificialmente, sem possibilidade de modificação, que uma dada relação jurídica tem certa extensão.

Entra no discurso a idéia de expectativa contrafática. Luhmann utiliza a expressão “contrafática” para qualificar as expectativas que, a despeito da frustração, podem ser mantidas em novos processos de comunicação. Disse:

De uma maneira que qualquer outro sistema não pode fazer, o direito processa expectativas normativas capazes de manterem-se em situações de conflito. O direito não garante, claro, que estas expectativas não serão

90 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max

Limonad, 2002, p. 71.

91 Como sugere Gustavo Valverde, com apoio na teoria de Luhmann. Notas taquigráficas coligidas

durante aula no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), no Distrito Federal, em junho de 2005.

92 FERRAZ, Tércio Sampaio. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB,

frustradas. Mas ele pode garantir que elas possam ser mantidas, como expectativas, mesmo no caso de frustração, e que ninguém pode prever e comunicar isto antecipadamente. Do ponto de vista sociológico, a normatividade nada mais é do que estabilidade contrafática. Noutras palavras: no que protege as expectativas, o direito nos libera da obrigatoriedade de aprender com as frustrações e de ajustar-nos a elas.93

Assim, o sistema jurídico resiste às desconfirmações pragmáticas (falta de eficácia social)

O segundo ponto relevante são os elementos que compõem o sistema e o conceito de “fechamento operacional”. O direito positivo manifesta-se por meio de linguagem verbal94 e articula-se em operações de comunicação. Como diz Niklas Luhmann, a comunicação, no sistema jurídico,

surge cindindo a realidade através de uma distinção altamente artificial entre enunciação e informação, ambas tomadas como eventos possíveis dentro de um processo contínuo que recursivamente utiliza os resultados dos estágios antecedentes e antecipa os futuros.95

Em algumas concepções do sistema jurídico como ordenamento, costuma preponderar a nota de hierarquização unidirecional entre as normas jurídicas.

No modelo de sistema adotado, a comunicação jurídica é redundante e circular, e a respectiva linguagem é marcada pela diferenciação96.

93 LUHMANN, Niklas. Law as a Social System. In: Northwest University Law Review, v. 83, p. 140,

1988-1989.

94 Cf. LUHMANN, Niklas. Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal

system. In: Cardozo Law Review, v. 13:1419. Nova Iorque: Benjamin N. Cardozo Law School, 1991- 1992; CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. São Paulo: Saraiva, 1999; ROBLES, Gregório. O direito como texto: Quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri: Manole, 2005.

95 Operational closure and structural coupling: the differentiation of the legal system. In: ______, p.

1424. Tradução livre do autor a partir do seguinte original: “communication comes about by splitting reality through a highly artificial distinction between utterance and information, both taken as contingent events within an ongoing process that recursively uses the results of previous steps and anticipates further ones”.

96 Afirma Gunther Teubner (The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF,

David; NOBLES, Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003.) que “[…] what occurs within modern society is the growth of specialist languages. This is a system of differentiation. But the differentiation is not at the level of role or function (law is a dispute resolution system, politics is a decision making system, etc), but in language. Different systems of communication encode the world in different ways. The legal system encodes the world into what is legal and illegal. Medicine encodes the world into what is healthy and unhealthy. Science encodes the world into what is true or false. Accountancy constructs the world into debits and credits. The Economy perceives the world in terms of profits and losses”.

As etapas que compõem o encadeamento da comunicação não se relacionam apenas no viés unidirecional, no sentido único do estágio tido por hierarquicamente superior ao estágio hierarquicamente inferior.

O sistema jurídico ainda reduz a complexidade97 inerente à experiência humana, e o faz com base na diferenciação binária entre o que pertence e o que não pertence ao sistema98. Identificada a pertinência, passa-se à distinção à razão da legalidade.

Afirma Gunther Teubner99 que

[…] o que ocorre com a sociedade moderna é o crescimento de linguagens especializadas. Este é um sistema de diferenciação. Mas a diferenciação não ocorre no estrato da diferenciação funcional (direito é um sistema de resolução de disputas, política é um sistema de tomada de decisões), etc, mas na linguagem. Diferentes sistemas de comunicação codificam o mundo em formas diferentes. O sistema legal codifica o mundo no que é legal e ilegal. A medicina codifica o mundo no que é saudável e insalubre. A Ciência codifica o mundo no que verdadeiro ou falso. A Contabilidade constrói o mundo em débitos e créditos. A Economia percebe o mundo em termos de lucros e perdas.

Para alcançar tal grau de especialização, o sistema jurídico é operacionalmente fechado, por produzir

[...] suas próprias operações, suas próprias estruturas, e seus próprios limites por suas próprias operações; não pela aceitação de qualquer determinação externa ou, certamente, por qualquer outro tipo de delimitação. [...] Como parte do sistema social, o sistema jurídico é sistema auto-organizado, autodeterminado. Não há nada mais, nenhum outro sistema externo, que poderia cumprir tal papel.100

97 O sentido em que se usa “complexidade” será mais bem abordado no tópico sobre segurança

jurídica, 3.1.2.

98 O sistema jurídico reproduz a sociedade em um aspecto específico por meio de comunicação. O

aspecto retrata a manutenção de expectativas contrafáticas.

99 The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF, David; NOBLES,

Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003. Tradução livre do candidato a partir do seguinte trecho original: “[…] what occurs within modern society is the growth of specialist languages. This is a system of differentiation. But the differentiation is not at the level of role or function (law is a dispute resolution system, politics is a decision making system, etc), but in language. Different systems of communication encode the world in different ways. The legal system encodes the world into what is legal and illegal. Medicine encodes the world into what is healthy and unhealthy. Science encodes the world into what is true or false. Accountancy constructs the world into debits and credits. The Economy perceives the world in terms of profits and losses”.

100 LUHMANN, Niklas. Operational Closure..., op. cit., p. 1425. Tradução livre do candidato a partir do

seguinte trecho original: “Nevertheless, the legal system is a closed system, producing its own operations, its own structures, and its own boundaries by its own operations; not by accepting any external determination nor, of course, any external delimitation whatsoever. To put it even more pointedly, just because the legal system operates as part of the social network of societal operations,

Eis a autopoiese.

O fechamento operacional do sistema jurídico pressupõe a adoção da idéia de circularidade, em que a produção de normas jurídicas (“programas”) somente se dá com base nos próprios “elementos” do sistema, isto é, de comunicações anteriores. É o próprio sistema, no constante impulso, que distingue uma dada norma como “legal”.

Luhmann apontada que sua Teoria de Sistemas tomava como ponto de partida a idéia de diferenciação. “O sistema não é apenas uma unidade, mas é também uma diferença"101.

Como afirma Luhmann, dizer que um sistema é operativamente fechado não implica o reconhecimento de isolação102. A saturação de sentido para as normas

jurídicas sofre o influxo de acoplamentos estruturais103, que operam como mecanismos altamente seletivos para a colheita e versão104 de irritações contidas

no ambiente, dentro do qual se inserem outros sistemas.

No plano sintático, observa-se que as relações entre as normas jurídicas são eminentemente prescritivas. A imputação deôntica permite o abandono do modelo de verdade por correspondência, para imputar aos antecedentes normativos conseqüências arbitrárias.

Os conceitos, como operadores internos pertinentes às diferenças internas do sistema jurídico105, somente se tornam jurídicos com explícita referência nos textos de direito positivo.

there is no sense in looking for external sources of determination and delimitation. As part of the societal system, the legal system is a self-organizing, self-determining system. There is nothing else, no external system that could do the job”.

101 LUHMANN, Niklas. Introducción a la Teoria de Sistemas. Santa Fé (México): Javier Torres

Nafarrate, 1996, p. 77. Tradução livre do candidato a partir do seguinte trecho original: “El sistema no es simplesmente uma unidad, sino una diferencia”.

102 Ibid., p. 1431. 103

A expressão “acoplamentos estruturais” refere-se aqui a quaisquer elementos do sistema jurídico, sejam estruturas, sejam normas, que determinem como o conjunto deve reagir aos demais sistemas presentes no ambiente, inclusive quanto ao plano semântico (o que implica a necessidade de conceituação especial para a idéia de “abertura cognitiva”). Compare-se com a acepção empregada por Luhmann (op. cit.), especialmente em Introducción a la Teoria de Sistemas. Alamos: Javier Torres Nafarrate, 1996.

104 É importante salientar que para a Teoria dos Sistemas, como concebida por Luhmann, não há

trocas diretas entre sistema e ambiente, no sentido de transferência recíproca de “elementos” ou “informações”. O sistema jurídico, de acordo com seu código e programas, irá recodificar os “elementos” externos na própria linguagem, como determinado pelas próprias operações.

Prosseguindo ainda mais na idéia, o significado e a significação das palavras usadas nos textos de direito positivo podem ser previamente definidos pela função política (geralmente pela indicação de critérios de uso), ou construídos dinamicamente durante a aplicação do direito pelos órgãos jurisdicionais, administrativos ou políticos106.

Durante a aplicação do direito, os influxos provenientes das vicissitudes às quais está sujeito o aplicador devem ser reconstruídos, i.e., vertidos e re-significados para o “mundo legal”107.

Sobreleva-se da observação do direito positivo à luz da idéia de autopoiese que o sistema jurídico se distingue por intermináveis fluxos de positivação, em que se reproduz sentido jurídico por meio de comunicação.

Nesse contexto, uma norma jurídica inválida não deixa de pertencer ao sistema pela simples observação externa108. A pertinência está ligada primordialmente à existência da comunicação jurídica anterior à qual a comunicação atual se refere, isto é, à recursividade. Uma multa “ilegal”, por exemplo, não deixa de ser “jurídica”, isto é, de pertencer ao sistema jurídico, pelo juízo que o suposto infrator faz dela 109.

O fenômeno da autopoiese ajuda ao esclarecimento do aparente paradoxo da existência de normas jurídicas inválidas, destacando quando o direito positivo é observado exclusivamente a partir da perspectiva de ordenamento, i.e., em função de hierarquia unidirecional.

Com efeito, a autopoiese não se exaure, já que “[...] todas as operações ganham a própria unidade pela produção de operações subseqüentes”110. É

tautológica a proposição que afirma ser possível111 a criação de norma

106 O modelo corresponde à noção de “strange loop”.

107 Cf. TEUBNER, Gunther. The autonomy of the law: an introduction to legal autopoiesis. In: SCHIFF,

David; NOBLES, Richard. Jurisprudence. Londres: Buttleworth, 2003.

108 Senão pela inexistência de acoplamentos estruturais, que tomem a metalinguagem como

relevante ao direito positivo. Um exemplo é o direito à resistência.

109 O exemplo é de Teubner (op. cit.). O autor ainda utiliza a produção de células cancerosas ou

“doentes” como metáfora biológica para explicar o juízo de existência de normas jurídicas inválidas. As células cancerosas continuam a ser células, compostas pelos mesmos elementos das células “sadias”, mesmo que cada arranjo seja dissonante dos programas empregados pelo sistema celular. Complementando a idéia, a “cura” da célula deviante, tal como da própria norma jurídica inválida, dá-se dentro e pelas operações do próprio sistema.

110 LUHMANN, Niklas. Op. cit., p. 1419. 111 Note-se: possível, e não válida.

(comunicação) que contrarie o sentido tido por estável de norma anterior. Isso não quer dizer que a criação de norma desconforme ao sistema seja permitida.

Para controle do desvio112, o sistema jurídico desenvolve novas comunicações sobre si mesmo. O fluxo de positivação pode, então, ser alterado, para afirmar, confirmar ou infirmar as comunicações anteriores, sem perda do caráter dinâmico. A autopoiese que gera “anomalias” é a mesma autopoiese que as “corrige”.

Como sustenta Paulo Pimenta, “é válida a norma à medida que o editor consegue ficar imunizado contra reações de desconfirmação da mensagem normativa, o que se dá por outra norma”113.

Assim, a validade de uma norma poderia ser controlada indefinidamente, perante as normas que lhe servem de fundamento sintático e semântico. Contudo, o sistema deve conter programas específicos enviesados à vedação do controle, independentemente de eventual discrepância entre a norma e os parâmetros de validação invocados.

Todo jurisdicionado deve ter a expectativa de que, em algum momento, o processo acabará e o que se espera da própria conduta ou da conduta alheia será decidido de forma terminativa e irretratável.

Portanto, a ânsia por estabilidade de sentido é inerente ao sistema jurídico114.

Com efeito, a estabilidade de sentido depende de estruturas específicas no sistema jurídico em observação, sem que lhes possam ser adjudicados sentidos universais. A questão é saber em quais partes do fluxo de positivação do crédito

112 LUHMANN (Sociologia do direito II. São Paulo: Edições Tempo Brasileiro, 1985. p. 84/88.) define

controle como “[...] o exame crítico de processos decisórios objetivando uma intervenção transformadora no caso de o processo decisório, em seu desenrolar, seu resultado ou suas conseqüências, não corresponder às considerações do controle”. Prosseguindo, diz que “a mais concreta e mais objetiva dessas formas de controle, o controle hermenêutico da interpretação do sentido de normas jurídicas e da persuasão de argumentos, deriva sua necessidade da circunstância de que o processo da decisão jurídico está tipicamente orientado não em função do seu resultado, mas sim em função de que seus diversos procedimentos e argumentos possam ser controlados. [...] Um controle adequado do direito tem que acompanhar o processo decisório ou repeti-lo”.

113 PIMENTA, Paulo. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São

Paulo: Dialética, 2002, p. 20.

114 Como sugere Cristiano Carvalho (op. cit., p. 210), “a estabilidade de sentido se dá quando não há

controvérsia em relação ao significado das palavras”. Como as sociedades complexas tendem à instabilidade, porquanto o constante fluxo de comunicações modifica os conceitos em curtos espaços de tempo (e.g., as comunicações jurídico-dogmáticas e as comunicações jurídico-jurisdicionais), o sistema jurídico apresenta mecanismos artificiais de estabilização (a proibição de novas comunicações enviesadas à modificação de normas específicas).

tributário ou do crédito por responsabilidade há norma que proíba a modificação do sentido de relação jurídica já construída.

Entendemos que a Teoria dos Sistemas traz alguns benefícios ao nosso discurso. Com ela e com a noção de “rede de transição aumentada”,

No documento Thiago Buschinelli Sorrentino.pdf (páginas 49-58)

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