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Regras procedimentais do memorando de entendimento sobre regras

3.7 A jurisdição internacional e o meio ambiente

3.7.4 Regras procedimentais do memorando de entendimento sobre regras

Preciosa é a contribuição de Garbelini Junior169 ao afirmar que uma das grandes inovações resultantes da criação da Organização Mundial do Comércio, foi o estabelecimento de um código de regras denominado Entendimento sobre Solução de Controvérsias; cuja finalidade era de regular os procedimentos de soluções das disputas envolvendo os membros daquela Organização.

Argumenta Pinheiro170, que a segurança e a previsibilidade do sistema são objetivos a serem assegurados pelo Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, conforme enfatiza o art. 3.2 ao dispor que o sistema de solução de controvérsias da OMC é elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio.

É preciso reforçar a tese de que a eficácia dos acordos gerados na OMC, depende de um sistema jurídico, posto que tal instituto é fundamentado em duplo mecanismo. O primeiro é preventivo e o segundo não-contencioso, implementado pelo Órgão de Exame de Políticas Comerciais, que é o órgão pleno composto pelos Estados-Membros, e outro contencioso e quase-jurisdicional, que é aplicado pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC)171. O Órgão de Solução de

Controvérsias é, desta forma, um dos elementos centrais da OMC, com o intuito de possibilitar a resolução de controvérsias comerciais entre os países.

Cumpre observar, preliminarmente, que o Órgão de Solução de Controvérsias tem como base regras procedimentais, determinadas pelo Memorando de Acordo sobre as regras e os procedimentos que regem a resolução de controvérsias (DSU). O DSU fixa um conjunto de normas específicas para os países em desenvolvimento e para os menos avançados, a fim de possibilitar condições suficientes para compensar a diferença entre países do Sul e do Norte, na implementação e no

169 GARBELINI JUNIOR, Antonio. O sistema de solução de controvérsias da OMC nos próximos dez

anos: propostas para reformas sistêmicas e procedimentais. In: BAPTISTA, Luiz Olavo. 10 anos de OMC: uma análise do Sistema de Solução de Controvérsias e perspectivas, São Paulo: Lex editora, 2007, p. 201.

170 PINHEIRO, 2007.

171 O sistema jurídico criado diferencia-se do sistema anterior do GATT, na medida em que os

relatórios são adotados, exceto se há um consenso negativo contra a sua adoção. Antes, era preciso um consenso positivo das recomendações adotadas pelo Órgão de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio In: RUIZ FABRI, H., SICILIANOS, L. – ET SOREL, J.-M.

controle de acordos da OMC. Pode-se dizer que é uma forma de concretização do princípio da desigualdade compensadora, derivada do direito do desenvolvimento.172

Ressalte-se que o DSU é, dentre os textos da OMC, o que apresenta mais normas concretas em favor dos países em desenvolvimento. O número de países do Sul que participam do sistema é muito significativo. São mais de 30 os casos tratados que já foram implicados pelo Órgão de Solução de Controvérsias. Isso demonstra que uma parte considerável dos países do Sul já recorreu a esse sistema, como Costa Rica, Guatemala, Honduras, Indonésia, Malásia, Paquistão, Peru, Filipinas, Singapura, Sri Lanka, Equador, Panamá, Trindade e Tobago. Geralmente, o sistema do GATT era utilizado somente por alguns países do Sul, mas aqui os países em vias de desenvolvimento estiveram na origem de 23% dos casos. Isso se dá pelo fato de haver uma maior confiança no sistema de solução de controvérsias, que se revelou mais neutro e mais fiável do que o seu antecessor no GATT.

Conforme argumenta Varella173, os dispositivos do DSU baseados no

princípio da desigualdade compensadora destinam-se, de modo geral, às partes aos países do Sul, e, de outra parte, aos países menos avançados.

O Entendimento sobre Solução de controvérsias prevê a composição de um Painel cujas sugestões podem ser revistas pelo Órgão de Apelação, uma instância superior, sendo que as conclusões obtidas, seja pelo Painel, seja pelo Órgão de Apelação, devem ser adotadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC para que possam ser oponíveis ao Membro demandado em um procedimento de Solução de Controvérsias174.

Thortensen175 demonstra que pelo Entendimento, os membros afirmam sua adesão aos princípios para a solução de controvérsias, aplicados com base nos Artigos XXII e XXIII do Acordo Geral, que estabelecem o procedimento para consultas e, se for o caso, para o estabelecimento de painéis176 de especialistas para solucionar o caso.

172 VARELLA, 2004. 173 Idem.

174 GARBELINI JUNIOR, Antonio. O sistema de solução de controvérsias da OMC nos próximos dez

anos: propostas para reformas sistêmicas e procedimentais. In: BAPTISTA, Luiz Olavo. 10 anos de OMC: uma análise do Sistema de Solução de Controvérsias e perspectivas, São Paulo: Lex editora, 2007, p. 202.

175 THORTENSEN, 2001.

176 Os painéis devem ser compostos por indivíduos qualificados, pertencentes ou não aos governos,

O sistema de solução de controvérsias da OMC é um elemento central para promover a segurança e a previsibilidade do sistema de comércio multilateral. Os membros reconhecem que ele serve para preservar os direitos e as obrigações dentro dos acordos, e esclarecer seus dispositivos, dentro das regras de interpretação do direito internacional público. A meta do mecanismo de solução de controvérsias é o de assegurar uma solução satisfatória para o conflito comercial. Deve ser dada preferência a uma solução mutuamente aceitável para as partes. Na sua ausência, a meta do mecanismo é o de assegurar a retirada das medidas se elas forem consideradas incompatíveis com os dispositivos de qualquer um dos acordos.177

Pelo que se observa, o sistema de solução de controvérsias é um mecanismo que visa a resolução de problemas concernentes ao comércio multilateral, promovendo a segurança entre as partes bem como a satisfação mútua, dentro dos parâmetros viáveis.

O painel tem a função de auxiliar o OSC no desempenho de suas obrigações dentro do Entendimento e dos acordos abrangidos no caso. Neste sentido, o painel deve fazer uma avaliação objetiva sobre a matéria, inclusive dos fatos e da aplicabilidade e da conformidade com os acordos, formular conclusões que auxiliem o OSC em fazer suas recomendações ou em emitir suas decisões.

Tendo alguns painéis exercido papel de destaque no âmbito das atividades da OMC, à guisa de exemplo, pode-se citar alguns casos:

- Brasil – Programa de financiamento para exportações de aeronaves – Interpelação do Canadá. O painel foi estabelecido em 1998 para analisar o PROEX – Programa de Financiamento às Exportações do Brasil, para compradores estrangeiros de aeronaves brasileiras, era incompatível com o Acordo sobre Subsídios. O painel determinou que as medidas eram incompatíveis com o Acordo. As modificações efetuadas pelo Brasil no programa de financiamento não foram consideradas suficientes pelo Canadá. O Brasil ofereceu compensações pelas vendas contratadas até a data. O Canadá não aceitou, solicitou e foi autorizado a retaliar o Brasil. O Brasil pediu arbitragem para a determinação do valor da retaliação. O Brasil informou que estaria modificando seu programa de financiamento para torná- lo compatível com as regras do Acordo. O Canadá pediu avaliação do painel sobre o novo programa.

representante de um membro ou uma parte contratante do GATT, ou representante no Conselho ou Comitês dos acordos, ou no Secretariado, ensinado ou publicado sobre política ou legislação de comércio internacional, ou servido como funcionário nas áreas de comércio de um membro. Os membros de um painel devem ser selecionados de modo a assegurar a independência dos membros, oferecer uma base suficientemente diversificada e um amplo espectro de experiências. Os painéis devem ser compostos por três membros, ou por cinco membros, a pedido das partes. No caso das partes não concordarem com os painelistas, estes serão designados pelo Diretor Geral da OMC. Os painelistas devem servir em suas capacidades individuais e não como representantes do governo (cf. Thortensen, 2001, p. 379).

- Canadá – Medidas sobre a exportação de aeronaves civis – interpelação do Brasil. O painel foi estabelecido em 1998, para analisar se certos subsídios oferecidos pelo Governo do Canadá e suas províncias tinham o objetivo de apoiar as exportações de aeronaves civis, em violação ao Acordo de Subsídios. O Brasil solicitou o exame das medidas adotadas pelo Canadá, alegando que não estariam de acordo com as determinações do painel. O painel O painel e o Órgão de Apelação determinaram que o Brasil não conseguira provar que o Canadá não estivesse cumprindo com as determinações do painel.

- CE – Medidas que afetam a importação de carne – interpelação dos EUA. O painel foi estabelecido em 1996, para analisar as medidas da CE contra a importação de carne tratada com hormônios, o que estaria contra os Artigos III e XI do GATT e o Acordo de Medidas Sanitárias. O painel estabeleceu que tais medidas eram incompatíveis com as regras da OMC e definiu um prazo para a implementação da decisão. A CE indicou que não iria cumprir com a decisão dada a sensibilidade política do caso e ofereceu compensações. Os EUA e Canadá pediram e obtiveram autorização para retaliar a CE.

- EUA – Proibição de importação de camarões – interpelação da Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia. O painel foi estabelecido para analisar se a proibição imposta pelos EUA sobre importações de camarões pescados sem as redes de proteção às tartarugas, estavam em violação aos Artigos I, XI, XIII do GATT. O painel determinou que a proibição era incompatível com as regras da OMC, e não aceitou os argumentos dos EUA baseados nas exceções gerais do Artigo XX do GATT de proteção ambiental. Painel determinou um período de implementação de 13 meses. A Malásia solicitou reabertura do painel acusando os EUA de não estarem cumprindo com as determinações do OSC.178

O exposto mostra que a atuação dos painéis é plausível, porque, em muitos casos, definiram posições a respeito de questões polêmicas como práticas comerciais de proteção ao meio ambiente, ademais mostraram os limites da OMC para tratar de questões que ainda não estavam incluídas dentro de suas regras.

As palavras de Baptista179 direcionam e concluem a linha de pensamento do

exposto até aqui, esclarecendo que a resolução das incompatibilidades quanto à aplicação das diversas obrigações dos tratados não é função do Painel nem do Órgão de Apelação, é, sim, responsabilidade dos próprios membros da OMC. Quando da inconveniência dos meios para tomar decisões e alterar acordos, deve- se recorrer a outras formas para a melhoria do processo legislativo da OMC, para torná-la mais eficaz, em vez de designar ao Órgão de Apelação a tarefa de carregar a responsabilidade do sistema como um todo.

178 THORTENSEN, 2001, p. 381. 179 BAPTISTA, 2007.