• Nenhum resultado encontrado

Regulamentação do mercado de trabalho para pós-graduados e efeitos da pós-

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.5. Regulamentação do mercado de trabalho para pós-graduados e efeitos da pós-

graduação stricto sensu

Outra dimensão a ser explorada, de natureza contextual, é o efeito da regulação da qualidade do ensino no Brasil sobre a demanda de professores com título de pós-graduação stricto sensu. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é

responsável por regular e avaliar todos os programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil. As dimensões avaliadas pela CAPES a cada quadriênio são: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, produção acadêmica e inserção social dos programas. Especificamente, na dimensão corpo docente, a CAPES exige que todos os professores do corpo permanente de programas acadêmicos sejam doutores titulados em instituições de ensino brasileiras ou internacionais, enquanto, para os mestrados profissionais, exige-se um equilíbrio entre doutores, profissionais e técnicos com experiência em pesquisa aplicada, desenvolvimento e inovação5. Na medida em que as IES seguem a regulamentação ao exigir o título para atuar numa das posições mais almejadas pelos recém titulados, ocorre um incremento na demanda por doutores no mercado acadêmico.

Além da pós-graduação, a graduação é outra opção de carreira frequente do titulado no doutorado e também dos mestres. A graduação no Brasil passa por um processo de avaliação do Ministério da Educação (MEC). Os cursos no Brasil são avaliados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), por meio de instrumentos de avaliação que contemplam uma série de indicadores como a qualidade dos alunos ingressantes e concluintes; a organização didático-pedagógica; o corpo docente; o corpo técnico-administrativo; instalações físicas e visitas in loco. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB)6 em seu artigo 66 diz que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”. Esse dispositivo legal se relaciona com um dos indicadores utilizados para o cálculo do Conceito Preliminar de Curso (CPC)7, que consiste em um indicador agregado de qualidade dos cursos nível superior.

Dentre os indicadores que compõem o índice, estão a proporção de mestres, com peso de 7,5%, e proporção de doutores, com peso de 15%. Vale ressaltar que a regulamentação permite a atuação de docentes com titulação inferior ao mestrado, porém esta prática é penalizada na avaliação. O início do cálculo do CPC, em 2007, foi um marco ao incentivar o incremento ao longo do tempo da participação de mestres e doutores nos cursos de graduação no Brasil. Conforme mostra a Figura 1, o número de mestres e doutores atuando na graduação teve um aumento significativo entre 2007 e 2013, passando de 186 mil para 267 mil docentes com titulação na pós-graduação

5 Portaria Normativa MEC no 17, de 28 de dezembro de 2009 6 Lei 9.394 (LDB) de 20/12/1996

7http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/notas_tecnicas/2014/nota_tecnica_daes_n582015_calculo

stricto sensu, o que corresponde a uma taxa de crescimento de aproximadamente 43% no período analisado. Em termos proporcionais, a participação dos pós-graduados no total de docentes atuando na graduação passou de 59% para 72% após a inserção do CPC como meio de avaliação dos cursos.

Figura 1 – Proporção de mestres e doutores com atuação na graduação.

Fonte: Elaborado a partir dos dados do CPC/INEP

Diante desse contexto, a regulamentação exige um nível mínimo para que os titulados atuem no mercado acadêmico, ou seja, ter mestrado ou doutorado. Pelo lado dos trabalhadores, esses decidem investir em um curso de pós-graduação stricto-sensu tendo consciência do nível de escolaridade necessário para atuação nesse mercado regulado. Por outro lado, as IES não tem o poder de estabelecer individualmente o nível de sinal e, se assim o fizerem, podem ser penalizadas com avaliações que podem, no limite, levar ao descredenciamento dos cursos. Assim, a regulamentação gera uma demanda, mais que por professores qualificados, por um atributo dos professores em si mesmo: a titulação. Nos modelos da TCH e de sorting, a relação entre escolaridade e renda é indireta, mediada pela produtividade (observada no caso da TCH e inferida no caso de sorting). O que se propõe aqui é um mecanismo causal representado por um efeito direto da titulação sobre os rendimentos, independentemente dos seus possíveis

efeitos sobre a produtividade. 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 N ú m e ro d e p ro fe ss o re s Até Especialização PG Início do cálculo do CPC

A existência deste efeito da titulação em si derivada dos critérios de avaliação do ensino superior poderia ter consequências diversas, gerando possíveis externalidades negativas. Se as instituições - em especial as privadas com fins lucrativos – buscarem satisfazer a regulamentação por meio do incremento do número de docentes que tenham um diploma de mestrado ou doutorado, podem ter incentivos para contratar aqueles com salários menores de maneira a minimizar o custo de aquisição da cota necessária de docentes titulados. Isto poderia implicar a contratação de professores com menores custos de oportunidade, possivelmente provenientes de cursos de menor qualidade, já que o CPC não considera a qualidade do curso em que o professor se titulou.

Pelo lado dos potenciais candidatos a um mestrado ou doutorado, o valor do diploma abriria espaço para candidatos com níveis de habilidades mais baixas buscarem mestrados ou doutorados em instituições menos seletivas (e possivelmente de menor qualidade) para utilizar o diploma como sinal no mercado. Uma vez titulados, receberiam o prêmio na remuneração pelo diploma. O incentivo para estes candidatos a se titular seria reforçado pela incerteza na observação da sua produtividade e impossibilidade de screening fraco dado que a legislação brasileira não permite a redução de salários de trabalhadores enquanto no mesmo empregador. Em suma, este mecanismo poderia aumentar a demanda por mestres e doutores menos qualificados e incentivar candidatos menos qualificados a se titular.

O teste empírico deste mecanismo causal, no entanto, não é trivial, dado que suas predições se confundem parcialmente com as da teoria do capital humano e dos modelos de

sorting. Dificuldades adicionais vêm do aumento simultâneo da demanda por pós-graduados e

do número de pós graduados formados, o que afeta o equilíbrio de mercado e, por consequência a remuneração. No entanto, ao menos três predições diferenciais são possíveis em um mercado regulado como o do ensino superior no Brasil.

A primeira refere-se à existência de efeito diploma. Apenas a titulação seria relevante, enquanto a incorporação de capital humano durante a pós-graduação não seria explicitamente valorizada pela regulamentação. Esta predição no entanto, enquanto se diferencia da teoria de capital humano é idêntica à dos modelos de sorting.

A segunda predição trata da qualidade do curso. Enquanto ambas as teorias de capital humano e sorting preveem um efeito positivo da qualidade do curso sobre a remuneração (o que tem obtido amplo apoio empírico em todos os níveis de escolaridade) (Chevalier, 2014b; Grove & Hussey, 2011), na perspectiva da regulamentação, a qualidade seria menos relevante no mercado regulado, e apenas o nível (mestrado ou doutorado) estaria relacionado ao

incremento nos rendimentos - já que os indicadores consideram igualmente os professores titulados em quaisquer programas reconhecidos pela CAPES.

A terceira está associada à experiência no mercado de trabalho. O modelo de sorting prevê que o efeito da escolaridade sobre a remuneração se reduziria com a experiência. Por outro lado, se a titulação é remunerada como um valor em si - na medida em que atende a regulamentação – e não como um sinal de produtividade, o efeito da experiência de mitigar a relação entre escolaridade e rendimentos deveria ser de menor magnitude.