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Relação cidade-campo e rural-urbano

2 A FUGA DA CIDADE: A BUSCA DOS CITADINOS POR OUTRO MODO

2.1 A CONSTRUÇÃO MATERIAL E SIMBÓLICA DAS CIDADES AO LONGO

2.1.1 Relação cidade-campo e rural-urbano

Diferenciar e delimitar o campo e a cidade, o rural e o urbano, são necessidades historicamente percebidas desde os povos primitivos, que cercavam suas aldeias para proteger-se do desconhecido. Posteriormente voltando-se as disputas por territórios e para proteger-se de guerras e invasões, materializaram-se as muralhas das cidades da idade antiga e média, chegando à contemporaneidade, onde as modernas e complexas sociedades urbanas constroem muros simbólicos, por meio de normativas e leis. (SILVA, Karen, 2009).

Por outro lado, o desejo por dominar a natureza sempre permeou os sentimentos humanos, seja pela necessidade dos recursos necessários à reprodução da vida ou pelo arcabouço mítico que envolve a natureza selvagem. Para Santos (2003) a relação do homem com a natureza passou por diversas alterações ao longo da história humana, conforme as necessidades de cada período, ocorrendo um momento de ruptura paradoxal, ao mesmo tempo em que o homem assume uma postura de dominação hostil pautado no desenvolvimento técnico crescente, há uma relação de dependência da natureza, que passa a ser mecanizada e artificializada.

As concepções acerca da diferenciação entre homem e natureza, culto e selvagem, moderno e tradicional, sempre serviram de base para as distinções estabelecidas para especificar o que compunha a teoria sobre cada espaço e seu modo/modelo de vida:

Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O

campo passou a ser associado a uma forma natural de vida — de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações — de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. O contraste entre campo e cidade, enquanto formas de vida fundamentais, remonta à Antiguidade clássica. (WILLIAMS, 2011, p. 11).

A carga simbólica positiva que envolvia o próspero e culto ambiente urbano, constituiu a formação da ideologia que colocava a cidade hierarquicamente acima do natural, também como campo, pois era o espaço que concentrava o saber, as tomadas de decisões políticas, os centros de manufatura e venda de bens. Somada a isso, também ocorre à expulsão dos moradores do campo para os centros urbanos à procura de habitação e trabalho, decorrente da substituição do campesinato tradicional pelo capitalismo agrário, que culmina com o crescimento urbano não planejado e em um processo de ruptura gradativa com o meio natural.

No final do século XVIII, a Revolução Industrial chegava a toda a Europa. Nesse período, as cidades já representavam uma forma de organização de grupamentos humanos, com menor representatividade quantitativa. Mas os novos sistemas de produção advindos da indústria influenciaram na organização das cidades. Nesses espaços começava ocorrer concentração de pessoas, expropriados vindos do campo para trabalhar nas crescentes indústrias; esses sujeitos aglomeravam-se nos centros urbanos, vivendo em situação precária. Por consequência, os problemas urbanos se intensificaram, também como resposta a perda de poder de instituições de forte influência na organização social, como a Igreja. (SILVA, Ângelo, 2009).

Para Almeida (2002), outro fator relevante na compreensão da percepção simbólica acerca de campo e cidade diz respeito ao viés econômico, pois antes da Revolução Industrial o campo era o espaço de produção agrícola e a medida que a industrialização e a urbanização avançavam, mais se almejava espaços ‘intocados’ de natureza.

A Revolução Industrial impulsionou o aceleramento tecnológico. De acordo com Virílio (1996) a máquina a vapor, o motor à explosão, a eletricidade, e mais tarde os avanços dos sistemas de satélites e da informática, considerados por ele como os cinco motores da história humana, alteram diretamente as concepções e os conceitos, modificando ainda as práticas sociais, as apropriações simbólicas e

ressignificando as relações sociais sobre o espaço. Logo, influenciaram na relação do ser humano com a natureza.

Com o desenvolvimento do pensamento moderno74, a razão pautada no pensamento científico interfere na estrutura do pensamento dos sujeitos. A modernidade, enquanto crença da sociedade na razão implica em compreender que o conhecimento é poder. Poder de domínio da ciência sobre a crença, do homem sobre a natureza. A fé se estabelece no progresso material ilimitado. A proximidade do ser humano com a natureza esvaece.

Para Santos (2003) há dois tipos de relações do sujeito com o meio natural: a relação com uma natureza racional, voltada à materialidade e a lógica; e com a natureza mágica, pautada na fabulação, nas crenças e mitos. Ambos os sistemas de relação se modificam no decorrer da história, evoluindo e/ou sendo recriados.

De tal maneira, os conceitos e definições que tratam sobre as distinções entre cidade e campo e rural e urbano também se modificaram, bem como a valoração que se dá a cada espaço pela população – que varia conforme o momento histórico.

Conforme Marafon (2011) há dificuldade em abordar e definir o que seria o espaço rural no período hodierno, uma vez que esse espaço passa por um processo de reestruturação. De acordo com o autor, têm sido produzidos muitos trabalhos que abordam rural, urbano, cidade, campo e a relação entre esses dois espaços; e muitas abordagens são simplistas ao apenas tecer críticas sobre a atual forma de conceituação dos órgãos gestores (a cidade é comumente definida dentro de um município com base em decisões político-administrativas e tudo que sobra, ou seja, o que não é cidade, é campo). Todavia, há que se considerar que o campo contemporâneo é uma realidade complexa, multiescalar, palco de diversos atores sociais antigos e novos, com crescente tecnificação e politização, inserido no mercado local e global, existindo modificações intensas nesse território.

O campo por muito tempo foi considerado como o espaço de atraso, antiquado. No campo era necessário grande esforço para se obter as condições mínimas de vida. Pela percepção de tempo mais lenta e desvinculada de obrigatoriedade de cumprir horários fixos para a realização das atividades, também

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Para Cruz (2011) com base no pensamento filosófico e científico é difícil demarcar o início do pensamento moderno, mas está entre os séculos XVI e XVIII, na ruptura com o pensamento medieval. Pautado em pensadores como Descartes, Foucault e Nietzsche, define a modernidade como a época da absolutização da razão, do abandono do homem mítico e das divindades.

era considerado como mais tranquilo que a cidade, onde era possível ter contato com a terra e onde se encontravam as paisagens mais naturais.

Segundo Rua (2006) há um discurso dominante, vindo das esferas de poder burguês, que enaltece a cidade em detrimento do campo, abordado como sendo um espaço de atraso, sem desenvolvimento. Entretanto, esse discurso é diverso, contraditório e varia de acordo com o momento histórico, alterando a representação do rural. Outro fator importante nessa representação é a influência vinda dos movimentos sociais que são forças de resistência e reivindicação por outra representatividade do rural.

Há de certa maneira um consenso de abordagem que discute o campo como sendo espaço onde há baixa densidade populacional, onde a atividade agrosilvopastoril ainda tem predominância e onde o modo de vida das pessoas é voltado à vivência comunitária e identidade camponesa. Contudo, é necessário considerar a presença do espaço natural, o desenvolvimento tecnológico (desde a engenharia, a biotecnologia, etc.), o papel da tradição e da herança histórica, das novas corporações que chegam a esse espaço e da inserção econômica local e global, com maior intensidade e dinamicidade. (MARAFON, 2011).

Com o desenvolvimento do sistema capitalista, da globalização, consequentemente do avanço tecnológico nas comunicações e transportes, o crescimento das cidades, a aproximação geográfica com esses espaços e a vinculação crescente ao setor econômico da sociedade, no campo passaram a se desenvolver atividades que antes eram peculiares das cidades. Bens de consumo e símbolos característicos da vida urbana foram gradativamente integrados ao cotidiano dos moradores do campo, sobretudo as atividades de lazer, prestação de serviços especializados e produtos, integrando ao campo particularidades urbanas e de modernização, sem descaracterizar, contudo, suas especificidades:

Campo, por sua vez, é definido como região mais ou menos afastada dos grandes centros onde os habitantes se dedicam à agricultura e à criação de gado; onde há baixa densidade populacional. Campo, nesse sentido, significa terra para plantar, propriedade, limites, território. O campo pode ser compreendido como recurso a partir de seu uso produtivo (agricultura, pecuária, agroindústria, turismo, etc...); como modo de vida enquanto local e residência e de lazer; e como natureza enquanto ecossistema, espaço natural, contribuição com a diversidade biológica. (MEDEIROS, 2011, p. 58/9).

De acordo com Medeiros (2011), o campo passou por um processo de revalorização ligado às novas funcionalidades atribuídas a esse espaço – muitas já realizadas antes como atividades integradas a rotina e agora exploradas como fonte de renda, por exemplo, os espaços de pescaria, a produção e venda de frutas e verduras em escala local, etc. Com a implantação de novas atividades econômicas, o espaço rural deixou de ser apenas de produção agropecuária para ser espaço de lazer e residência (seja ela primária ou secundária), recebendo o reconhecimento e valorização da cultura do campo.

Para Rua (2006) o que ocorre no campo, é parte das contradições inerentes a lógica capitalista, onde há momentos desiguais de igualização e diferenciação que se expressam na abordagem e construção do espaço, existindo momentos de revalorização de espaços, que se tornam mercadorias valiosas. De acordo com o autor, há duas vertentes principais de discussão acerca da relação campo - cidade, rural - urbano. A primeira aborda a urbanização do campo, utilizando o conceito de continuum e preconiza sobre o gradativo fim do rural, diante do urbano, existindo diferentes graus de urbano do campo. A segunda é a urbanização no campo, onde a ideia central gira sobre a perspectiva da integração desses espaços, absorção de elementos urbanos no campo, mas sem a perda das especificidades rurais; pelo contrário, haveria a apropriação de elementos do rural e da cultura desse espaço pela cidade.

De acordo com Marafon (2011) a agricultura já não mais estruturaria o campo, uma vez que deve ser considerada a inserção crescente da lógica capitalista nesse espaço, a presença do Estado por meio de medidas econômicas, projetos de crédito e financiamento da infraestrutura e pesquisa, a inserção da economia rural brasileira com maior intensidade na escala mundial, com produção modernizada e integrada a rede global e as novas formas da organização produtiva do campo, que integram, por exemplo a pluriatividade, crescente nesse espaço.

Contudo, não é possível analisar esses dois espaços geográficos de maneira isolada, já que campo e cidade são interdependentes e ocorre um processo de aproximação cultural crescente e dinâmico da “invasão” do urbano no rural, uma vez que mantém relações impactadas pelas forças políticas, culturais e econômicas locais e globais.

Carneiro (2002) aborda a reflexão acerca dos termos rural e urbano e campo e cidade na contemporaneidade. De acordo com a autora, conceitos e categorias

servem aos interesses políticos na definição e delimitação de criação e aplicação de políticas públicas. Contudo, frente à complexidade da relação contemporânea entre esses espaços e vivências, guiados por visões de mundo distintas já não serviriam à abordagem sociológica e antropológica, que deve ultrapassar essas delimitações para abarcar a nova realidade que se modifica com a relação dinâmica entre os universos simbólico e cultural entre campo e cidade e de seus habitantes.

Quando se utiliza os termos rural e urbano, é possível interpretá-los como modos de vida característicos de cada espaço. No entanto, o rural extrapola o campo, e o urbano extrapola a cidade. De acordo com Endlich (2010) rural e urbano são dimensões de vida produzidas ao longo da história, que balizam o sistema de vida dos sujeitos em cada espaço.

Para Medeiros (2011) o espaço rural é o que pertence ou é relativo ao campo, próprio desse espaço, e diz respeito a vida campestre, ao predomínio das atividades agrícolas, bem como as zonas de vilegiatura, não incluindo as praias. Também é considerada área rural toda aquela fora do perímetro tido como urbano ou suburbano pelos órgãos político-administrativos, que estabelecem suas delimitações no plano diretor, por vezes sem conhecimento de causa apropriado. Segundo a autora, o discurso sobre rural deve ir além da compreensão desse espaço enquanto natureza, pela paisagem e pela produção de alimentos, uma vez que na relação espaço-tempo, novas populações e atividades chegam ao campo, redefinindo a realidade rural.

De acordo com Marafon (2011), além de desempenhar o papel de produtor de alimentos e matéria-prima, a reestruturação do campo passa pela inclusão de novas atividades ligadas ao setor de produção industrial e serviços ligados ao turismo e lazer. Para o autor, o campo também passou a ser lugar procurado por (ex-)citadinos que buscam além da (re)colocação no mercado de trabalho, mais qualidade de vida. Concomitante a esse processo de reestruturação produtiva, também ocorre um processo de (re)valorização da natureza e reconhecimento da cultura rural. Todos os elementos tornam o campo um espaço de interesse e redefinem a abordagem dada a ele, assim como tornam as fronteiras entre rural e urbano cada vez mais difusas.

Para Lemes et al. (2009) rural e urbano são mais que modos de produção vinculados a espaços geográficos, pois representam também o modo de consumo, de sentir e viver dos moradores do campo e da cidade. Assim, representam a

maneira como ocorrem as relações sociais, econômicas (produção e consumo), políticas e até individuais sobre campo e cidade.

O modo de vida urbano se concretiza além da cidade, pois o meio urbano exerce um poder de encantamento sobre os moradores do campo, no que se refere ao poder das instituições e das personalidades, que chegam ao meio rural, por intermédio dos meios de comunicação. (ENDLICH, 2010).

A extensão funcional das cidades grandes e de seus habitantes vai além das barreiras físicas, pois se expande até a área de influência espacial e dos efeitos capazes de impactar espaços que vão muito além das fronteiras territoriais. (SIMMEL, 1973). Dessa maneira, o urbano não se restringe a vida da cidade, mas leva suas caraterísticas a outros espaços, sobretudo no que concerne a atributos culturais, difundidos pelos meios de comunicação.

O modo de vida urbano quando chega ao campo, altera determinados elementos característicos a esse espaço ou atribui novos valores e funções, de tal maneira que o modo de vida rural agrega as novidades de maneira completa ou as reformula de acordo com as novas necessidades. (SOBARZO, 2010).

De acordo com Rua (2006) o rural e o urbano passam por um processo de fusão sem, contudo, perder cada um suas especificidades. Isso seria resultado da transformação produtivo-organizacional da (re)valorização do campo, da natureza e da cultura desse espaço. A nova representação do campo, elaborada pela lógica capitalista, é voltada a exploração produtiva do campo, mas não deixa de enaltecer as particularidades do mundo rural, sobretudo frente à nova dinâmica de relação com a cidade, que torna ainda mais complexa a realidade que constitui o espaço rural contemporâneo.

De certa maneira, a nova realidade do campo brasileiro, integra novos atores, novas atividades e a conexão com a dinâmica globalizada. O campo contemporâneo é um espaço politizado, economicamente vinculado ao sistema econômico global, culturalmente dinâmico, ao mesmo tempo em que preserva características e elementos do passado, fortemente impregnados na ruralidade – características essas que baseiam o patrimônio cultural do campo e são utilizados como chamarizes de um espaço atrativo ao turismo e lazer, ou que se tornam parte da construção do imaginário social urbano, como o local de vida perfeito, oposto a cidade, cheio de paz e tranquilidade.

O rural recebe novos atores, os neorurais, que são compostos por citadinos aposentados e com profissões distintas, pessoas que amam a natureza e buscam no mundo rural uma nova realidade de vida, distinta daquela que viveram na cidade. Ao mesmo tempo, esse espaço é palco da vida dos latifundiários, dos sem-terra, dos ruralistas, camponeses e agricultores familiares. (MEDEIROS, 2011).

De tal maneira, a nova ruralidade, o novo rural, é uma amalgama de personagens e intenções, palco da reprodução da vida, da concretização dos sonhos, da base econômica, da produção de alimentos, das transformações e da manutenção de um modo de vida peculiar.

Destarte, o maior contato entre rural e urbano, cidade e campo não determina que se tornem iguais, ou que o urbano acabe com o rural. Para Bagli (2010) apesar de que as transformações denotem para um quadro de homogeneização entre os espaços, pela propagação de atributos comuns, as relações se intensificam justamente porque há a tentativa de suprir as ausências que existem na busca pelo outro, o que se dá pela manutenção das especificidades de cada um.

Quando o citadino busca a experiência da vida no campo, por meio da segunda residência, procura vivenciar aquelas sensações e sentimentos que não encontra na cidade, ou quando o morador do campo se desloca até os centros urbanos procura aquilo que não encontra no campo. De modo geral, pode-se dizer que apesar do constante fluxo material e simbólico entre os dois espaços e que muitas características sejam partilhadas em maior ou menor intensidade, as especificidades espaciais físicas e culturais do campo e da cidade são preservadas.

O rural é o modo de vida da pessoa do campo expresso pela ruralidade. É a forma como se relaciona com seu espaço cotidiano e como emoldura suas relações sociais. Cada modo de vida contem suas especificidades, relacionadas com o processo histórico-social do espaço geográfico sobre o qual se desenvolvem. É formado por símbolos e significados que dão sentido e estruturam a vida diária, assim como é estruturado pelo espaço e pelas relações que ocorrem sobre ele.

O rural não deve ser entendido como oposição, mas na relação que estabelece com o urbano. Já não pode ser explicado apenas pelas atividades agropecuárias, uma vez que estão sendo desenvolvidas no campo profissões e atividades que são tipicamente urbanos de maneira crescente. Assim, é necessário

que a compreensão o modo de vida rural considere a atual dinâmica da realidade e contemplar o crescimento do trânsito de relações entre campo e cidade.

Enquanto forma de expressão da identidade rural, a ruralidade congrega os hábitos, sistemas de valores, formas de vivência cotidiana e costumes atrelados à formação identitária do morador do campo. Ao entrar em contato com outros grupos culturais, o que permite ao indivíduo manter sua cultura é a vinculação identitária que tem com seu grupo cultural. (CARNEIRO, 1998).

A ruralidade é a expressão externalizada e construída internamente, contextualizada com o espaço de vida, que caracteriza a condição sociocultural do campo, sendo historicamente construída e transmitida entre as gerações. Ela define a sociabilidade do mundo rural, diferenciando-a do contexto social urbano e demarcando a capacidade dos moradores do campo a se adaptarem as influências externas, definindo o modo de ser e viver, permeado pela cultura e território. (MEDEIROS, 2011).

As diversas culturas podem coabitar num mesmo espaço, cruzarem-se e interpenetrarem-se, sem perder as suas características, mas na construção do eu em relação a sua identidade, é impossível que sejam adotadas atitudes, crenças e hábitos variados (CLAVAL, 2007). Assim, quando os moradores do campo ou da cidade entram em contato com outro estilo de vida, podem permitir que alguns ou muitos símbolos, valores, hábitos e rituais aconteçam no cotidiano, mas as especificidades culturais tendem a ser mantidas mesmo quando em outro espaço.

Para os sujeitos que vivenciam a relação entre o urbano e o rural mais intensamente, como os donos de casa de campo, novas práticas e representações surgem desse contato, especialmente no tocante a maneira de ocupar e vivenciar cada espaço, as distintas temporalidades, e as características inerentes à cultura local. A cultura não é algo permanente e imutável e ao longo da vida do sujeito, por diversas ocasiões haverá o contato com novas culturas. Dessa maneira, a identidade cultural dos sujeitos pode receber influência dos novos contatos.

Diante da intensificação da relação campo-cidade, pode-se dizer que na contemporaneidade esses espaços não são separados, mas existe uma continuidade que se estabelece não apenas no plano espacial. As relações sociais, econômicas, políticas e culturais, formam uma conexão, sobretudo entre os atores sociais que passam a vivenciar o urbano, o rural, ou ainda o misto entre eles.

A identificação cultural com o rural garante o sentimento de pertencimento ao lugar, para o morador urbano e o rural. Pautada na existência de uma vinculação identitária, é possível afirmar a existência de uma identidade rural ou com o rural, que é formada sobre as experiências individuais, as lembranças e no caso dos moradores de segunda residência, seria o motor que os impulsiona a desejar viver, mesmo que temporariamente, no campo. A experiência de aproximação com o rural