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RELAÇÃO COM A TRUPE

No documento A cenografia no palco de Skakespeare (páginas 31-36)

“A primeira condição para o sucesso de Shakespeare era que houvesse ordem e harmonia em sua trupe, mas atores eram pessoas intemperadas e costumavam viver segundo seus sentimentos. As brigas nos bastidores eram notórias. Os atores da trupe de Shakespeare não eram particularmente perigosos, mas casos extremos provavelmente sugerem um traço subjacente de comportamento. John Heminges casara-se com uma viúva de dezesseis anos cujo falecido marido, um ator, fora assassinado por outro ator. O ator mais tarde assassinado por Ben Jonson havia, ele próprio, matado um homem. Robert Dawes foi morto por um colega ator. John Singer, que na época estava trabalhando como “cobrador”, matou um espectador que protestou contra o preço do ingresso. O criador de Mercúcio e Teobaldo tinha muito a observar, a começar pelos casos amorosos, comoções, brigas (como com os amantes no Sonho), discussões mesquinhas, ciúmes e pequenos tumultos entre os atores de seu próprio grupo. E, no grupo dos membros participantes, Shakespeare tornou-se parte de uma falange conservadora que, pelo menos tacitamente, procurava manter a ordem. Os bufões eram artistas mais independentes, com uma tendência a agir por conta própria, e Will Kempe, pode-se presumir, não fazia parte do círculo íntimo do dramaturgo. A julgar por testamentos e doações, Shakespeare não fez grandes amizades entre os bufões, embora talvez se desse melhor com o pequenino, sutil e literato Robert Armin do que com Pope ou Kempe. É possível que tivesse amigos a respeito dos quais testamentos e doações nos dizem pouco, como os meninos que viriam a ser suas Julietas e Rosalindas e que costumavam ter, cada qual, um ator do grupo como mestre.”34

A grande trupe de Shakespeare, ou melhor, a qual ele se dedicou durante quase toda a sua carreira com uma dedicação pouco comum, visto que as companhias sempre tinham uma grande rotatividade de seus membros, foi os Chamberlain‟s Men. Esta era a principal companhia do período e tinha como um de seus membros Richard Burbage – que se tornaria o ator mais importante do período - o filho mais novo de James Burbage, dono do Theatre, e que levaria a trupe a ocupar esse teatro por muitos anos. Os Chamberlain‟s Men só abandonariam o Theatre por um problema no arrendamento das terras onde este estava localizado, e o transformariam no Globe Theatre, onde temos as primeiras provas de Shakespeare como um „sócio‟ da companhia.

Normalmente uma companhia de atores tinha cerca de oito homens com capital investido, gerando um lucro que seria dividido proporcionalmente a esses investimentos, além do acervo, comum a todos, de peças, figurinos e objetos de cena. Alguns meninos eram aprendizes que seriam responsáveis pelos papéis femininos – atrizes só entrariam no teatro público depois de meio século mais tarde – e havia alguns noviços e atores mais velhos contratados para papéis secundários. Além de serem um bem comum, as peças normalmente eram escritas com a ajuda de uma equipe de colaboradores, e muitas vezes eram alteradas pelos próprios atores que costumavam improvisar no palco.

“...e, para ele e seus colegas, uma peça era uma realização coletiva. (...) a maneira como abraçavam a idéia de que uma peça era atividade grupal – e não palavras numa página – é um dos legados mais valiosos que os atores do teatro medieval nos deixaram.”35

Apesar de ter se tornado um membro participante da trupe, Shakespeare não seria tão importante como os principais atores, como era o costume da época, e “via a si próprio como

um poeta útil e prático cuja função era dar novas formas a materiais retirados de crônicas e histórias em benefício de atores competentes: era um fornecedor”.36 Ele pode ser visto mais

como um servidor do grupo que escrevia os scripts para trazer o reconhecimento da trupe e de seus atores. Além disso, era preocupação de todos que uma peça não ofendesse as autoridades ou os nobres de alguma maneira que gerasse problemas para o grupo, o que nos prova que tudo deveria ser passado pela anuência dos membros participantes.

“Nas manhãs, no Bankside, os King‟s Men testavam o trabalho de seu poeta. Um script recitado para a trupe e examinado no meio de uma taberna barulhenta podia parecer bem diferente à luz mais fria e objetiva de um ensaio. A parte administrativa de uma produção ficava a cargo do ponto, que tinha de estar bem familiarizado com o texto inteiro de uma peça. Como já observamos, o ponto tinha a obrigação de verificar se os atores estavam seguindo suas deixas, e os seus auxiliares de cena ajudavam-no a providenciar para que os acessórios do cenário estivessem à disposição dos atores quando necessários. Fora isso, os atores aparentemente tinham em geral de se arranjar por conta própria. As práticas deviam variar de caso para caso, mas é provável que o ponto e os atores veteranos por vezes cortassem cenas, mudassem a ordem de algumas falas, inventassem outras ou chamassem o autor ou alguma outra pessoa para fazer revisões. Shakespeare era muito respeitado, mas mesmo suas grandes tragédias sofreram cortes e modificações consideráveis. Homens como Burbage, Heminges e Condell talvez achassem que sabiam das intenções do autor tão bem quanto ele próprio.”37

Após os anos de peste, em 1597 e 1598, alguns scripts de Shakespeare tiveram que ser vendidos para levantar dinheiro para a sobrevivência da companhia. As peças que foram vendidas tornaram-se as primeiras do ator a serem editadas em formato in-quarto, ou seja, impressão em folhas de tamanho reduzido, sem encadernação e com apenas uma página de rosto. Os textos de Ricardo III, Ricardo II, 1º Henrique IV e Trabalhos de amor perdido, foram vendidos para o editor Andrew Wise. Como já dissemos anteriormente as peças eram bens da companhia, e a venda provavelmente foi um ato desesperado, visto que, apesar de

36HONAN, Park. Shakespeare: uma vida. 37HONAN, Park. Shakespeare: uma vida, p.411.

haver um respeito entre as companhias com as peças uma das outras, o que um editor pagava por uma peça era uma quantia irrisória e quem mais ganhava com isso era ele próprio. Alguns anos mais tarde a trupe voltaria a vender alguns scripts para a reconstrução do Globe Theatre, depois de ser destruído por um incêndio durante a encenação de Henrique VIII. Ao todo, cerca de metade de suas peças foram publicadas em formato in-quatro.

A partir de 1609, os Chamberlain‟s Men passariam a manter duas casas de espetáculos, o que mostra a importância da trupe, já que nenhum outro grupo teria cacife para tanto. Durante o verão, de maio a setembro, eles usariam o Globe, que era um teatro aberto, e durante os meses mais frios passariam a ter um teatro em Blackfriars, este fechado. Os teatros fechados eram mais seletos e voltados para um grupo mais abastado da população, onde os preços dos ingressos começariam a partir de seis pences, enquanto no Globe era de um penny.38 É neste momento que se inicia a divisão de classes dentre os espectadores. E o teatro elisabetano, que teria como uma das suas principais características peças que agradavam tanto a um público culto e nobre quanto à população da „geral‟ – que ficava em pé na arena -, passa a ter peças diferenciadas, e com isso inicia-se o declínio do teatro elisabetano, que desaparecia por completo alguns anos depois.

PUBLICAÇÕES

As publicações no período shakespeariano não eram tão comuns, a não ser o que chamamos de in-quartos e maus in-quartos; este último seriam as peças roubadas por algum editor, ou mesmo escritas a partir do que se lembrava da representação.

“Todo livro, peça ou panfleto deveria, supostamente, ser lançado no Registro da Stationers‟ Company (Companhia dos Papeleiros), o que protegia quem os publicava, pelo pagamento de seis pence, contra toda infração de seus direitos, mas não havia ninguém que protegesse o infeliz do autor ou a companhia de atores à qual ele vendera a sua peça – normalmente por cinco ou seis libras – de qualquer editor inescrupuloso que conseguisse obter uma cópia da mesma. (...) As peças de modo geral eram publicadas no formato in-quarto, termo que descreve o tamanho da página impressa, e a esses textos corruptos tem sido dado o nome de „maus‟ in-quartos.”39

Um grande mistério de suas publicações são os Sonetos. Acredita-se que Shakespeare tenha revisado e organizado seus poemas antes da publicação, provavelmente durante os meses de peste. Outro fato é que ele não teria publicado os Sonetos antes em respeito a sua mãe, visto que o conteúdo de alguns deles tratam de questões sexuais. O que se sabe é que Mary Shakespeare foi enterrada no dia 9 de setembro de 1608, e oito meses depois, em 20 de maio de 1609, “um volume de poemas seus foi registrado em Londres, e impresso por George Eld para Thomas Thorpe, um editor de qualidade que desde 1600 vinha lançando obras de Jonson, Marston e Chapman e tinha contato com as universidades.”40

Em 1623, no mês de novembro, sete anos após a sua morte, foi organizado e lançado por John Heminges e Henry Condell, o primeiro Fólio do ator, contendo trinta e seis de suas peças, sendo dezoito dessas, inéditas. O Fólio era um volume grosso e caro, bem diferente dos formatos in-quarto, e só surgiu na Inglaterra após o lançamento das obras de Ben Jonson em 1616.

“Em seu prefácio „À grande Diversidade de Leitores‟, no entanto, Heminges e Condell são bem mais calorosos: „Lede-o, portanto: não uma, mas muitas vezes.‟ O Fólio também é agraciado com um poema

39HALLIDAY, F.E. Shakespeare, p. 57.

de dez versos de Jonson, bem como com sua elegia „À memória de meu amado, O AUTOR sr. William Shakespeare: E tudo o que ele nos deixou‟. A elegia de Jonson é generosa, criteriosa e profética: „Alma do tempo!/ O aplauso! a delícia! o assombro dos nossos Palcos!‟, escreve Jonson sem reservas, e acrescenta: „Ele não foi de um tempo, mas para todos os tempos!‟. Se Shakespeare aqui parece um tanto horaciano ou faz lembrar por vezes uma réplica de Jonson, como escritor trágico ele é igualado a Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, enquanto comédia, a especialidade do próprio Jonson, é considerado capaz de eclipsar Aristófanes, Terêncio e Plauto.”41

No documento A cenografia no palco de Skakespeare (páginas 31-36)