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A relação com a escola e com o saber nas trajetórias destes jovens

A terceira constatação foi a de que todos esses estudantes cursaram o ensino médio em colégios reconhecidos, pela sociedade, como sendo de referência no ensino como por exemplo, o Colégio da Polícia Militar, o CEFET/IFPB e outros colégios Estaduais dos estados do Ceará e Rio de Janeiro (com exceção de ANA MARIA, que estudou numa “escola comum”). Essa avaliação foi feita pelos próprios jovens ao afirmarem que o ensino médio foi decisivo para sua inserção no ensino superior, visto que a maioria não dispunha de condições econômicas para arcar com despesas de “cursinho” preparatório para o vestibular, como evoca ISMAEL (Eng. Elétrica):

Meu ensino médio foi salvo, assim ... eu já vinha mal no ensino fundamental, já vinha tropeçando. No ensino médio eu comecei sem vontade de estudar [...] realmente eu ficava “gazeando aula” e bagunçando em sala. Tava pensando seriamente em largar os estudos como os meus pais tinham feito e tentar começar a trabalhar para ganhar meu dinheiro e me virar. [...]E aí, fiz a prova do CEFET porque meu padrasto e meus amigos incentivaram fazer a prova ... e acabei passando no CEFET. No CEFET eu recebi um novo estímulo de estudo por causa do ensino técnico aí, comecei novamente a querer estudar, ter a vontade de estudar.

No CEFET, além de você assistir aula muito bem você tem que se dedicar por fora. É muito corrido, é muito assunto e os professores não tratam você como adolescente não, eles querem tratar você como adulto, quer você com responsabilidade adulta. Então, foi o CEFET que me transformou mesmo como estudante. É... lembro, várias vezes, ter ficado doente de estudar, porque eu passava semanas corridas sem dormir para dar conta dos projetos que todos os professores passavam ao mesmo tempo.

Para os jovens dos meios populares, investigados por Bernard Charlot (2009), o significado do saber, da escola, era “vago”, pois a ênfase das aprendizagens adquiridas se limitava a questão do aprender a ler, escrever e contar, com isso, concluiu-se que eles não valorizam os “saberes” escolares e também não se mobilizavam para os saberes profissionais. Assim, o colégio era visto por estes jovens apenas como uma forma de conseguir a obtenção

de diplomas, que mais tarde, proporcionariam uma oportunidade de encontrar um emprego, sem, no entanto, conseguirem estabelecer uma relação com um projeto de vida profissional (CHARLOT, 2009, 261)

Diferentemente dos jovens da pesquisa de Bernard Charlot (2009) em que o universo de suas aprendizagens estava centrado na dimensão identitária e social – aprendizagens relacionais, afetivas e ligadas ao desenvolvimento pessoal – mais do que na dimensão epistêmica – aprendizagens intelectuais ou escolares; os jovens desta pesquisa apresentam uma relação com o saber, com o processo ensino-aprendizagem mais voltado para as aprendizagens intelectuais /escolares do que para as aprendizagens afetivas e relacionais.

Quando questionados sobre “quais as aprendizagens você lembra ter adquirido no ensino médio?” aparece com constância nas suas falas as disciplinas que tiveram mais dificuldade e facilidade, as olimpíadas que participaram, as horas de estudo investidos etc, e todos eles apresentaram, nos seus depoimentos, forte motivação crescimento intelectual e profissional, sinalizando que tinham em mente um “projeto de vida”:

No ensino médio eu acho que foi melhor (do que o EF)... aumentou a quantidade de oficinas de matemática, a quantidade de cursos que você queria fazer durante o sábado, curso de grafite, curso de dança, curso de violão, e tudo gratuito, né. Os passeios também, você só conseguia se fosse um bom aluno..., os melhores eram escolhidos para poder ir em uma caravana para a Ilha de Paquetá, visitar a Serra de Teresópolis para fazer trilha, para o Caldeirão do Huck, tudo isso assim eu fiz, né.

Não, eu não tive dificuldade de aprendizagem [...] eu posso te dizer que eu realmente estudava [...] e era muito raro eu tirar nota baixa... [De onde vinha essa sua facilidade para o estudo?] Putz, não sei... porque sinceramente eu, não tem, assim, eu sou a primeira pessoa da minha família, a minha avó teve 17 filhos e tenho bastante primos, uma família extensa, e eu sou a primeira que conseguiu, que entrou na faculdade e que se formou. Porque eu não sei o que era, mas desde que eu me entendi por gente, que eu via filmes, que as pessoas falavam que ia para a faculdade, eu tinha aquilo na cabeça “eu quero estudar, é isso que eu quero para mim, eu não quero me envolver com nada que vai me tirar disso”, por exemplo, drogas. [...]Eu não, eu lá, eu estava focada nisso, o que eu queria era isso, entendeu, tanto que eu sacrifiquei ficar longe dos meus irmãos para isso, então eu não sei dizer o que é, se foi alguém que influenciou. Na família eu acho que não foi ninguém que influenciou [...] mas influenciou assim de dar o apoio “Já que é isso que você quer, então vai lá, vai estudar”. (RITA, concluinte de Eng. Civil)

Para FRED (Direito), cuja configuração familiar e econômica não lhe favoreciam o prolongamento dos estudos, a oportunidade de cursar o ensino médio em uma instituição de ensino de referência na capital do estado do Ceará foi agarrada com “unhas e dentes” de modo que, seu “desejo de um dia chegar em uma universidade” fosse realizado:

O aprendizado que eu lembro era que, na verdade, lá havia estímulo para a leitura [...]. Esse período que eu residi na Casa do Estudante, foram dois anos. Foi o período mais relevante em termos de preparação para o vestibular, talvez foi o fator essencial para que eu tivesse a aprovação no curso de Direito, porque foi lá onde eu realmente me deparei com a necessidade de estudar em bons colégios. Porque lá eles ofereciam bolsa para quem era da Casa do Estudante em razão da necessidade (financeira) que a gente tinha, em alguns colégios privados, bons colégios privados, eles ofertavam essas bolsas para a gente. E foi onde eu comecei.

Após o ensino médio eu ainda passei 1 ano de cursinho em um colégio porque eu ganhei novamente uma bolsa [...]. Nesse período, desde quando eu cheguei em Fortaleza, eu sempre tive uma preparação muito intensa. Lá tem uma biblioteca na Casa do Estudante do Ceará que é tida como modelo para muitos ambientes de estudo e lá a gente desenvolvia 10 horas de estudo diário, mais ou menos. Naquela época não tinha vida social naquele período. Em razão dessa intensidade de estudo, durante 2 anos, aí eu consegui ter sucesso para entrar na universidade.

Ainda neste contexto de ensino médio um fato que me chamou a atenção foi a forma com que estes jovens avaliaram a participação dos professores (agentes escolares) na sua trajetória de escolarização. A maioria, considerou a relação com os professores de forma mais “relacional” do que como um agente mobilizador de aprendizagem.

Ah, os professores gostavam de mim, achavam que eu era muito aplicada, eu sempre tirava notas boas (Elvira); Os professores eram bons, mas eu achei um pouco vago o aprendizado de física. Nunca peguei professores bons que realmente quisessem ensinar física. Era muito decoreba, assim. Eles não cobravam que a gente soubesse as coisas e nem fazia questão de estar ensinando (Ana Maria). Eu tinha uma relação bem próxima e uma relação bem interessante com os professores, era tanto que... por estudar tanto sozinho e me aprofundar mais, às vezes, eu conseguia adquirir um conhecimento que servia até para ajudar os professores na organização das aulas e, algumas vezes, acabava que substituindo os professores nas aulas, então [...] eles sempre tinham apreço pela minha pessoa (Fred).

4.6 A Permanência na Universidade: o cumprimento das exigências acadêmicas e a