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3.3 As diferentes vertentes das trajetórias de sucesso escolar

3.3.2 Bernard Charlot: a relação com o saber e os casos de êxitos paradoxais nos

3.3.2.2 A relação com a escola

No discurso dos jovens de meios populares não há menção ao fato de aprender, de crescer intelectualmente. A maioria deles não vê a escola como aquisição de conteúdos de saberes, mas como uma “obrigação social” que se reflete na forma do diploma e do emprego. O estudo é importante no sentido de obter o diploma para ter um trabalho e assim, conquistar seus objetivos: ter autonomia, construir uma família e vencer na vida.

Nesse sentido, Charlot identifica que não existe, salvo as exceções, uma “cultura anti-escolar”, mas a relação do aluno com a instituição escolar não inclui o saber como questão central no processo de mediação entre o presente e o futuro. O importante para estes jovens é frequentar a escolar e, mais tarde, conseguir um bom emprego, sem que se estabeleça uma relação forte consistente entre escola e saber, saber e trabalho:

A escola faz sentido para o futuro mas não no quotidiano [...]. O que falta à instituição escolar é um presente. Em princípio, o presente da instituição é o saber que ela transmite e o desejo por esse saber por parte dos alunos. Mas de facto, para um grande maioria dos alunos este saber não tem importância, excepto de um ponto de vista institucional – de forma que a escola só é apreendida na sua lógica institucional, lógica de rituais e das obrigações que é preciso suportar se se quer aceder à salvação que a instituição promete (o trabalho, o futuro, a vida). (CHARLOT, 2009, p.80)

Apesar da escola ser vista como a chave para conseguir um futuro melhor e de ser bem aceita enquanto lugar de saber, os jovens entendem que o que ela ensina está distante do que é importante para eles (conhecer a vida e aprender a se relacionar com os outros).

Assim, o estudo no ensino secundário apresenta-se de forma vaga e mecânica na medida em que aquilo que lhes é ensinado não faz sentido para eles no momento atual, em termos de conhecimento, mas somente em um futuro distante quando relacionam a obtenção do diploma com a conquista de uma profissão.

Dessa forma a escola representa uma mediação entre o presente e o futuro que se deseja construir, ou seja, um emprego (se possível “bom”) e uma vida normal (se possível “bela”), logo, o importante é não chumbar (reprovar), continuar, ir o mais longe possível e obter o diploma com boas notas (p.78). Isto implica dizer que, para passar de ano basta adquirir um saber mínimo, o requerido pela instituição avaliadora.

Nesse caso, a mobilização dos estudantes nas atividades de aprendizagem é considerada como algo frágil ou mínima, pois eles valorizam pouco o saber ou mesmo a atividade profissional nos seus conteúdos específicos. Daí o desafio atual da escola, segundo Charlot (2009), consiste em recuperar o sentido do aprender e o desejo em estudar. A atividade escolar precisa se apresentar de forma significativa, prazerosa, para merecer o esforço intelectual dos alunos em apropriar-se dos diversos tipos de saberes produzidos pela humanidade.

Em pesquisas de campo, Charlot e sua equipe identificaram que esse "direcionar-se para o saber" pressupõe um movimento de mobilização e não simplesmente de motivação. O conceito de mobilização aponta, por sua vez, para os conceitos de móbil e de recursos. Entende-se por móbil a razão para agir, a entrada em atividade, o desejo que o resultado da atividade pode produzir (portanto, deve ser distinguido da meta, que está vinculado a resultados esperados). Recursos seriam, então, os trunfos, as forças de diferentes ordens, de que se dispõe e que são atualizados, acionados.

A mobilização implica mobilizar-se (“de dentro”), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (“de fora”). É verdade que, no fim da análise, esses conceitos convergem: poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me. Mas o termo mobilização tem a vantagem de insistir sobre a dinâmica do movimento. [...] Mobilizar é pôr recursos em movimento. Mobilizar-se é reunir suas forças, para fazer uso de si próprio como recurso (CHARLOT, 2000, p.55).

Portanto, no que diz respeito à relação dos sujeitos (crianças e jovens) com o processo de escolarização três dispositivos precisam ser analisados de forma simultânea: mobilização, atividade e sentido54.

Para haver atividade (“trabalho” e “práticas”) a criança deve mobilizar-se; para que se mobilize, a situação deve apresentar um significado para ela (“desejo de”) (CHARLOT, 2000, p.54).

Embasado em suas investigações, Charlot (2009, pp.178 a 181) afirma que a mobilização escolar articula vários processos, no entanto, os três processos a seguir são apresentados como sendo uma configuração “ideal-típica” e por isso é raro encontrar todos os elementos num só aluno:

a) o sentimento de êxito, materializado através de boas notas e de boas avaliações. Para os alunos que vivenciaram histórias de fracasso escolar isso representa uma “revalorização radical da imagem de si” implicando, diretamente, a relação consigo próprio e com os outros.

b) a lógica da prática, do trabalho (estudo/ esforço): o aluno tem consciência que o seu êxito está ligado a uma mudança dos conteúdos, dos métodos de ensino e até de hábitos de estudo.

c) a relação com os professores contribui para alimentar esta dinâmica positiva de mobilização, principalmente, quando demonstram interesse pela aprendizagem dos alunos.

Essa figura de mobilização “ideal-típica” é considerada como um instrumento conceitual para analisar histórias e situações singulares, mas um caso singular nunca é a aplicação pura de um modelo. Até porque, nos casos singulares dos jovens pesquisados “a dinâmica da mobilização é realizada de forma desigual, incompleta e contraditória e por vezes nem funciona” (CHARLOT, 2009, 181).

54 Mobilização, atividade e sentido, emergem como noções centrais da relação com o saber e a problemática da mobilização na escola é trabalhada na perspectiva de distintas formas de relação com o saber e aprender (VIANA, 2003).