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3. TRANSPORTE ESCOLAR COMO ELEMENTO DE

3.2. Relação de acessibilidade e mobilidade no Brasil

Vistos os conceitos de acessibilidade e mobilidade, é importante se verificar que em países industrializados, como Estados Unidos, por exemplo, onde a população vive em altos níveis de riqueza e disponibilidade de recursos, busca-se incessantemente - pela própria cultura existente do automóvel - a promoção da mobilidade, no sentido de se poder atingir com facilidade todos os pontos desejáveis.

Fato diferente pode ser observado em nações em desenvolvimento como o Brasil, que não gozam de abundância de recursos e de riqueza. Aqui, como afirma (RAIA JR, 2000), a preocupação dos planejadores está voltada para os grupos menos possuídos (grupos de baixa renda) que têm seríssimas restrições de mobilidade. Estes grupos sofrem pela inacessibilidade devido à falta de transporte, ou quando ele está disponível, não pode arcar com o pagamento das tarifas para utilizá-lo.

A relação entre necessidade, acessibilidade e mobilidade foi citada por (PORTO, 2001). Segundo a autora, a mobilidade pode ser entendida de forma mais abrangente incorporando a acessibilidade (relacionada à oferta) e a necessidade de deslocamento (relacionada à demanda). Desta forma, para a autora, a mobilidade existe quando as facilidades de acesso oferecidas ao usuário atendem, também, às necessidades de deslocamento. Assim, ela faz a seguinte relação:

Dessa forma, a acessibilidade, precedendo a mobilidade, só fará sentido se houver necessidade de deslocamento. Por outro lado, é comum existir a restrição da mobilidade da população, principalmente, em áreas pobres, não só pela falta de desejo pelos deslocamentos, mas também pela oferta dispendiosa dos serviços de transporte. Essa é uma das graves crises que assolam áreas metropolitanas de países em desenvolvimento como o Brasil.

Um exemplo elucidativo: para uma determinada localidade não existe a atividade escolar. Um estudante que desejar estudar terá, obviamente, que se deslocar para um outro bairro

ou cidade, e esse deslocamento demandará algum modo de transporte que não seja a pé. Se a família possui veículo particular, o acesso do estudante à escola dependerá unicamente do desejo dos responsáveis em efetuar o deslocamento. Contudo, se não possui veículo particular nem a possibilidade de realizar a viagem por falta de dinheiro para pagar a tarifa do transporte público, fatalmente deixará de ir à escola. A sua mobilidade será reprimida e não exercida, pois o que é oferecido em termos de acesso ao transporte não atende às suas possibilidades de deslocamento.

Então, é necessário conjeturar que mobilidade e acessibilidade devem ser analisadas simultaneamente, pois aspectos relacionados, tanto à provisão de acessibilidade quanto às condições de mobilidade de grupos sociais, não podem ser dissociados.

Como já fora dito, as tradicionais políticas de transporte urbano baseadas na ampliação do sistema viário acabam sendo apropriadas para o uso dos automóveis, mesmo que a pretensão inicial tenha sido aumentar a mobilidade da população. Porém, o que acaba acontecendo é que o mau uso destas vias, com o automóvel cada vez mais ocupando a maior parte do espaço de circulação, acaba comprometendo a mobilidade dos menos possuídos economicamente, no que diz respeito às dificuldades de acesso ao transporte público. “Um dos maiores desafios do planejamento de transportes nos países em

desenvolvimento é viabilizar politicamente a redistribuição do espaço e de circulação. A mudança mais profunda deveria vir da reapropriação do espaço pelos papéis mais numerosos e vulneráveis, como os de pedestres, ciclistas e passageiros de transporte público” (ITRANS, 2003).

Tal descaso se configura ao observar o resultado da pesquisa de passageiros realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT, 2002), aplicada em onze grandes cidades brasileiras, que aponta a distribuição modal nacional com 73% dos veículos sendo automóveis e 11% ônibus. Nessa pesquisa, evidencia-se a grande injustiça em relação ao uso do espaço viário e número de beneficiários em cada modal, parecendo que, apesar das incansáveis preocupações dos pesquisadores com a questão da mobilidade urbana, a pobreza - além de suas características próprias de insuficiência de renda – terá ainda que conviver, por muito tempo, com duas outras dimensões de problemas decorrentes da

insuficiência ou ineficácia dos serviços de transporte público: a privação de acesso aos serviços essenciais (educação, saúde, etc.) e aos direitos sociais básicos (trabalho, seguridade social, lazer, entre outros), ambas dependentes das condições de transporte. Como afirma ITRANS (2003), “Ao lado da fome, do emprego, da habitação e dos serviços

de saúde e educação, que receberam as atenções de muitos pesquisadores e formuladores de políticas públicas, a mobilidade e a oferta adequada de serviços públicos de transporte coletivo raramente são estudadas em suas relações com a pobreza”.

Segundo Raia Jr (2000), em situações de pobreza, as famílias mudam seu comportamento de consumo para sobreviver, substituindo o item consumo por outro similar mais barato, ou até mesmo eliminando-o, mesmo considerando o caso dos transportes. Esta afirmação se confirma nos dados de uma pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República em 2002 (GOMIDE, 2003; ITRANS, 2003), que demonstra o quanto é baixo o índice de mobilidade das pessoas pobres no meio urbano. Segundo os autores, era de se esperar que um índice bem maior de mobilidade fosse constatado, uma vez que a população pobre é de baixa renda e teoricamente necessita de mais transporte coletivo para efetuar seus deslocamentos diários. Tal fenômeno é explicado pelos respectivos autores, como o baixo deslocamento dentro das cidades, fruto de questões como exclusão social e agravamento dos níveis de pobreza, que estão levando cada vez mais a população pobre a abdicar da condição do transporte (devido aos preços das tarifas) para as suas atividades diárias.

Esta tendência foi observada também na pesquisa de passageiros da CNT, sustentando a hipótese de que existe nas famílias a substituição parcial ou completa, quando possível, de transportes motorizados por andar a pé, decorrência de falta de recursos para custear o transporte coletivo (ITRANS, 2003).

Para Botelho e Fortes (1994), as estratégias utilizadas por essa população, para ‘driblar’ a falta de recursos e os aumentos de tarifas de transportes, estão condicionadas às questões ligadas às atividades econômicas dos indivíduos, sua moradia e os serviços de transporte que estão a sua disposição, de tal sorte que algumas iniciativas são cogitadas: desde a eliminação do deslocamento mudando de trabalho ou se mudando para perto dele, ou a

substituição da modalidade do transporte pela viagem a pé. Gomide (2003) interpreta este fato como uma progressiva expulsão dos mais pobres do acesso aos serviços de transporte público coletivo, e que esta expulsão contribui ainda mais para o agravamento da pobreza urbana e dos níveis de exclusão social.

Como citou Ridley (1985) sobre o documento “Urban Transport Sector”, de 1975 do Banco Mundial,“Deve-se prever uma rápida deterioração das condições de transportes

urbanos em países em vias de desenvolvimento, caso as tendências atuais continuem se desenvolvendo... Se não houver intervenção de novos métodos para resolver os problemas de transportes urbanos, o aprimoramento da produção e das condições de vida que deveriam acompanhar o crescimento da população urbana estará comprometido”.

Embora se saiba que os estudos sobre mobilidade urbana no Brasil convergem para a afirmação de que o usuário pobre está abdicando da condição de uso dos transportes públicos na realização de suas necessidades diárias, substituindo-o ou eliminando por outra forma de deslocamento mais barato, na área rural, tal fato é impossível de acontecer. Primeiro, porque é, geralmente, no meio urbano que os residentes rurais satisfazem as suas necessidades sociais e de bem-estar, não podendo deixarem de utilizar o transporte público para esta finalidade; segundo, as atividades realizadas no próprio ambiente rural são geralmente próximas, não exigindo o uso de transportes públicos. O item, a seguir, aprimora os conceitos sobre os transportes em meios rurais, e enfoca as reais necessidades dos residentes rurais no que diz respeito à acessibilidade e mobilidade.