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2.2. O modelo para estudo dos conectores desenvolvido por pesquisadores do IDS

2.2.2. Definição semântica

2.2.2.2. Tipo de relação estabelecida

2.2.2.2.1. Relação de similaridade

As relações de similaridade são simétricas. Nessas relações, a

sequência dos relata é irrelevante. Os dois relata possuem o mesmo papel relacional e a mesma função na frase, portanto a sequência das duas orações pode ser alterada sem mudar o sentido da frase. Na língua, essas relações podem ser prototipicamente codificadas através das conjunções coordenativas e e ou.

(2.24) Pedro e Paulo vs Paulo e Pedro. (Blühdorn, 2006a)

(2.25) (...) um refrigerante ou um chope vs um chope ou um refrigerante. (Blühdorn, 2006a)

Na relação de similaridade, de acordo com Blühdorn (2006a), os

relata se inserem na mesma categoria superior, chamada por Ewald Lang

(1984) de common integrator. Pedro e Paulo são homens; chope e refrigerante são bebidas. No interior da categoria superior, os relata estão

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em contraste, assim essas relações se caracterizam pela semelhança e pelo contraste entre os relata.

As relações de similaridade podem ser estabelecidas em cada um dos quatro domínios, segundo Blühdorn (2006a).

Os exemplos (2.24) e (2.25) ilustram a similaridade entre objetos físicos no domínio do espaço.

No domínio do tempo, a similaridade se dá entre dois estados de coisas.

(2.25a) José Dirceu participou com a apresentação de emendas no processo de discussão da Lei de Licitações Públicas e foi um dos responsáveis pela criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. (Blühdorn, 2006a)

No domínio epistêmico, a similaridade se dá entre duas proposições. (2.26) Paulo esperava conquistar Atenas para Cristo. Esta cidade era a rainha da Grécia,

e Paulo gostava de um grande desafio. (Blühdorn, 2006a)

No domínio deôntico, a similaridade se dá entre dois atos de fala. (2.27) Eu sou do meu amado e meu amado é todo meu! (Blühdorn, 2006a)

Contudo, discordamos do presente modelo teórico quanto ao fato de que a relação de similaridade ocorre no domínio temporal.

Anteriormente, apresentamos que um dos testes para haver leitura temporal de um enunciado seria o teste da negação, em que ao negar o E, o R deveria entrar no escopo da negação para haver a leitura temporal. Além disso, segundo Blühdorn (2008), uma maior integração sintática e prosódica favorecem interpretações no domínio temporal e quanto menor a

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integração sintática e prosódica, maior a possibilidade de uma ambiguidade entre as leituras temporal e epistêmica.

Vimos ainda nesta parte do trabalho que na relação de similaridade a sequência dos relata é irrelevante, e que os dois relata possuem o mesmo papel relacional e a mesma função na frase, portanto não há uma integração sintática entre eles. No exemplo mostrado pelo autor:

(2.25a) José Dirceu participou com a apresentação de emendas no processo de discussão da Lei de Licitações Públicas e foi um dos responsáveis pela criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. (Blühdorn, 2006a)

Se o E for negado, R não entra no escopo da negação:

(2.25b) José Dirceu não participou com a apresentação de emendas no processo de discussão da Lei de Licitações Públicas e foi um dos responsáveis pela criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.

Os dois relata são independentes.

Com base nos traços sintáticos para caracterizar os conectores apresentado pelo modelo teórico em que nossa tese se apoia, o enunciado acima possui as seguintes características: traço i (posiciona-se no segundo

relatum), traço ii (ocupa posição inicial em relação a um relatum) e + traço

iii (neutro quanto ao fato de atribuir papel relacional). Dessa forma, o conector e do referido enunciado é uma conjunção coordenada, segundo o modelo. Em Blühdorn (2006b), o autor observa que a coordenação ocorre entre dois elementos da mesma categoria morfossintática que se unem para formar outro elemento mais complexo, e acrescenta que esses dois elementos são independentes; ao contrário da subordinação em que há uma relação de dependência entre as orações, as conjunções subordinadas exigem complementos oracionais.

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As observações de Blühdorn (2006b) apresentadas acima reforça o fato de que o exemplo apresentado acima, retirado de Blühdorn (2006a), possui duas orações independentes, assim não havendo uma integração sintática entre elas.

Podemos apresentar o referido enunciado da seguinte forma para confirmar que não há integração sintática entre eles:

(2.25c) José Dirceu participou com a apresentação de emendas no processo de discussão da Lei de Licitações Públicas. E ele foi um dos responsáveis pela criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.

Em nossa tese, encontramos os conectores während e enquanto estabelecendo relação de similaridade, em uma construção contrastiva. Sobre esse tipo de construção, Sweetser (1990:100), ao dissertar sobre o conector but, tece a seguinte objeção10: but conecta segmentos que contrastam entre si ou mesmo “colidem” (clash é o termo usado), mas esse contraste e essa colisão só são perceptíveis nos níveis espitêmico e conversacional.

Mostraremos dois exemplos dados pela autora para corroborar o exposto acima:

(2.28) “Do you know if Mary will be in by nine this evening?

10 Texto original Sweetser (1990:100): But presents two conjuncts which clash with each other in some

way – it is contrary to our expectations to see the two presented side-by-side. The clash can occur in at least two of the three domains we have previously mentioned. At the epistemic level, the available premises may clash with other apparent premises:

(49) “Do you know if Mary will be in by nine this evening?

Answer: Well, she`s nearly always in by then, but (I know) she has a lot of work to do at the library, so I`m not sure.”

(The two premises, “Mary’s usually in by then” and “Mary has lots of library work” clash in that the first supports the conclusion that Mary will be in by nine, wihile the second supports the conclusion that she will not.)

At the conversational level, apparently clashing speech acts may be conjoined with but: (51) King Tsin has great mu shu pork, but Chine First has excellent dim sum.

(The initial indirect suggestion of going to eat at Kin Tsin apparently clashes with the subsequent indirect suggestion of going to eat at Chine First; both suggestions cannot, presumably, be followed simultaneously.)

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Answer: Well, she`s nearly always in by then, but (I know) she has a lot of work to do at the library, so I`m not sure.”

(Você sabe se Mary vai estar em casa às nove esta noite? Resposta: Bem, ela sempre chega por volta das nove, mas (eu sei) ela tem um monte de trabalho a fazer na biblioteca, então não tenho certeza.)

(2.29) King Tsin has great mu shu pork, but China First has excellent dim sum. (King Tsin tem um ótimo mu shu pork, mas China First tem um excelente dim sum.)

Sweetser observa que as relações de sentido indicadas por but nos exemplos (2.28) e (2.29) não ocorrem no domínio do conteúdo porque, no mundo real, é possível que Mary sempre chegue a casa por volta das nove e que em um dia determinado tenha muito trabalho a fazer na biblioteca; no mundo real é possível que se sugira ir ao King Tsin por ele ter um ótimo mu shu pork e que se sugira ir ao Chine First por ele ter um excelente dim sum. A colisão se dá entre conclusões processadas no nível epistêmico, no caso do exemplo (2.28): se Mary chega a casa sempre até às nove, é possível que chegue hoje também; se Mary tem muito trabalho a fazer, é possível que não chegue a casa no horário de sempre. A colisão pode se dar entre atos de fala no nível conversacional, no caso do exemplo (2.29): o locutor sugere comer no King Tsin por ter um ótimo mu shu pork, e também sugere comer no restaurante Chine First por ter um excelente dim sum; o locutor oferece ao interlocutor a opção de escolha, sabendo que as sugestões são excludentes.

Pelos exemplos com but apresentados por Sweetser, percebemos que no mundo real não existe o contraste, ele é baseado na crença do locutor, assim como ocorre com os conectores während e enquato. Analisemos o seguinte exemplo:

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(2.30a) Nossa proposta insistiu na certificação de destino (E), enquanto a maioria dos modelos recomenda a certificação de empresas (R).

[COMET-12.07.2007]

Esse enunciado possui uma leitura exclusivamente epistêmica e o conector estabelece relação de similaridade (contrate). Pelas seguintes paráfrases, confirmamos que esse exemplo é uma construção contrastiva e não temporal, apesar do conector ser de tempo:

(2.30b) *Nossa proposta insistiu na certificação de destino, durante o momento em

que a maioria dos modelos recomenda a certificação de empresas.

(2.30c) Nossa proposta insistiu na certificação de destino, ao passo que a maioria dos modelos recomenda a certificação de empresas.

Pela primeira paráfrase, verificamos que o referido enunciado não é uma construção temporal, mas contrastiva. Pelo teste da negação confirmamos que esse exemplo não possui uma leitura no domínio temporal (domínio do conteúdo para Sweetser), mas sim exclusivamente no domínio epistêmico:

(2.30d) *Nossa proposta não insistiu na certificação de destino, ao passo que a maioria dos modelos recomenda a certificação de empresas.

(2.30e) *Nossa proposta insistiu na certificação de destino, mas não ao passo que a maioria dos modelos recomenda a certificação de empresas.

Nos testes acima, a segunda oração não entra no escopo da negação, corroborando a hipótese de que a relação de similaridade, por ser simétrica e pelo fato de nela não haver uma integração sintática entre os relata, não ocorre no domínio temporal.

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Em nossa tese, na parte que coube à análise dos dados dos corpora, a relação entre a conexão de similaridade e os domínios temporal e epistêmico será melhor explorada.

Queremos deixar claro, portanto, que, para o nosso estudo, o domínio temporal está relacionado à integração sintática entre os relata; e para tanto fizemos uso do teste da negação para a confirmação dessa leitura (no domínio temporal).