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2.3. Outros estudos sobre conectores

2.3.1. Tempos verbais, aspectos verbais e modos verbais

Pretendemos mostrar, nessa parte do trabalho, que certas construções temporais se estabelecem em dependência do tempo, do aspecto e do modo verbal, ou seja, esses fatores podem influenciar o tipo de relação semântica que o conector estabelece e o tipo de leitura possível de um enunciado (temporal, epistêmica e/ou deôntica). Para tanto, apresentamos a seguir alguns estudos que mostram a possibilidade dessas influências em construções com os conectores quando e enquanto.

Neves (2000) aponta três tipos de construções temporais com o conector quando do tipo lógico-semânticas associadas à relação temporal, são elas: relação causal, condicional e concessiva.

As construções temporais com quando com sentido causal abrigam o traço télico e o tempo verbal das duas orações deve ser o pretérito perfeito. Quanto aos valores semânticos das duas orações, a autora observa que o estado de coisas da oração temporal (relatum R para esta tese) antecede o da oração principal (relatum E para esta tese) e é entendido como a causa dele, numa relação de causa e efeito.

Brito (2003), ao dissertar sobre os valores semânticos das orações causais, afirma que essas construções exprimem uma relação de dependência semântica entre duas proposições, assim se dando no domínio epistêmico, de acordo com o modelo que apoia a presente tese. Porém, a autora observa que sob a designação de causalidade incluem-se diferentes valores e um deles corresponde o de causa e efeito apresentado por Neves (2000), com relação à construção temporal com quando com sentido causal. Segundo Brito, essa relação causal se dá entre estados de coisas, portanto no domínio temporal segundo o modelo desenvolvido no IDS, e a oração causal deve ser a causa da oração principal. Para ela, essa é uma relação de causalidade pura. A relação causal pura ocorre em condições

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especiais, segundo Brito. Dessa forma, verificam-se três condições: a oração principal deve pertencer ao mundo selecionado pela oração temporal; os conteúdos das duas orações devem verificar-se no mundo real, no intervalo de tempo relevante e; as duas orações devem estar linearmente ordenadas no tempo: o estado de coisas da oração causal antecede o da principal, ou seja não podem ser concomitantes.

Quanto à relação temporal estabelecida por quando com sentido condicional, Neves (2000) observa que uma interpretação condicional dessa relação é favorecida por construções que envolvem simultaneidade e que abrigam o traço não-télico (aspecto imperfectivo). Ela ainda aponta outro complexo que favorece uma interpretação condicional das relações temporais com esse conector. Ela mostra que os estados de coisas das duas orações, ao ocorrerem no presente do indicativo, faz com que o enunciado indique uma perspectiva global imperfectiva de estados de coisas simultâneos, possibilitando a indicação de habitualidade e assim favorecendo uma interpretação condicional. Por exemplo:

(2.50a) É geralmente tratado como trilha (E) quando se refere a caminhos já demarcados (R).

[COMET-11.07.2007]

Na ocorrência acima, os estados de coisas das duas orações ocorrem no presente. O tempo presente nas duas orações aliado ao fato de que o enunciado não se dirige a nenhuma pessoa em particular, sendo uma proposição genérica, fez com que o enunciado indicasse uma perspectiva global imperfectiva. Os estados de coisas são simultâneos, possibilitando a ideia de habitualidade. Podemos dizer:

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(2.50b) É geralmente tratado como trilha (E) sempre quando se refere a caminhos já demarcados (R).

[COMET-11.07.2007]

O sentido condicional pode se dar de duas formas nessas construções, segundo Neves: eventual e factual, sendo que os dois sentidos ocorrem entre estados de coisas no domínio temporal.

As construções com esse conector com sentido condicional eventual são favorecidas pelas seguintes características: nas duas orações ocorrem o presente ou o pretérito imperfeito; os estados de coisas das duas orações são simultâneos e; os dois estados de coisas possuem aspecto imperfectivo, podendo implicar interação, isso ocorre quando esse conector equivaler à expressão todas as vezes que.

Construções desse tipo com sentido condicional factual são favorecidas pelas seguintes características, segundo Neves: nas duas orações ocorrem o presente ou o pretérito imperfeito; a relação temporal de simultaneidade entre os estados de coisas é tênue; a factividade da oração temporal tem relevância e; o fato expresso na oração temporal pode ser entendido como justificativa para o que é afirmado na oração principal. Nessas construções, o conector quando pode equivaler ao já que.

As relações temporais com sentido concessivo se caracterizam pelo aspecto imperfectivo; pelo fato de nas orações ocorrerem o presente ou o futuro do pretérito; pela simultaneidade dos estados de coisas das duas orações; e pela relevância da factualidade contida na oração temporal, sendo que esse fato está em contraste com o que é apresentado na oração principal.

Segundo Neves, as relações temporais com sentido adversativo ocorrem em construções com enquanto. Neves observa que as relações temporais com esse conector são marcadas pela simultaneidade, o que

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implica estados de coisas durativos. Essa simultaneidade, segundo ela, pode favorecer a atenuação ou até mesmo a anulação da relação temporal e a aquisição de um valor de contraste, sendo que esse valor não sofre restrições quanto à correlação temporal.

Neves (2000) fala da possibilidade das correlações de tempo e de aspecto favorecerem certos tipos de relações semânticas estabelecidas pelos conectores quando e enquanto. Esse estudo nos fornece informações prescindíveis para a tese, pois nos mostra que as relações semânticas podem ser favorecidas por fatores morfossintáticos, como os citados acima. Essa informação nos deu base para a realização da análise dos dados dos

corpora.

Além da correlação de tempo e de aspecto, o modo verbal também pode favorecer certas leituras semânticas.

Tanto a língua alemã como a língua portuguesa codificam no mínimo três modos verbais: indicativo, subjuntivo ou conjuntivo e imperativo. Os

modos estão relacionados com a modalidade de diferentes maneiras. Com efeito, o Imperativo relaciona-se com a modalidade deôntica e os outros modos estabelecem diversos nexos em grande medida com modalidades epistêmicas. (Oliveira, 2003:254).

Pelo fato de os modos estarem relacionados com a modalidade de diferentes formas, eles são importantes para a tese na medida em que podem influenciar, em combinação com outros elementos da frase em que forem codificados, o tipo de leitura possível de um enunciado (temporal, epistêmica e/ou deôntica).

Oliveira (2003a) traz um estudo sobre os modos verbais que é pertinente para nossa tese. Segundo a autora, o modo imperativo diferencia-se dos outros modos pelo fato de que ele se especializou na expressão da modalidade deôntica, relacionada com ordens, conselhos, instruções, convites, súplicas, entre outros.

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Quanto ao modo subjuntivo, a autora afirma que seu uso, em grande medida, está dependente do contexto linguístico, ou seja, surge apenas por exigências das construções sintáticas. Porém, a autora observa que há contextos em que a alternância entre os modos indicativo e subjuntivo implica distinções semânticas. Analisemos os exemplos abaixo:

(2.51) O Manuel disse que partem agora. (Oliveira, 2003:258) (2.52) O Manuel disse que partam agora. (Oliveira, 2003:258)

No primeiro exemplo, o modo indicativo permite atribuir uma leitura informativa, que se dá no domínio temporal, segundo o modelo adotado nesta tese; já o modo subjuntivo do segundo exemplo permite atribuir uma leitura de ordem, uma leitura que se dá no domínio deôntico, segundo o modelo desenvolvido no IDS.

Dessa forma, a autora afirma que o modo subjuntivo pode aparecer em construções condicionais, temporais, concessivas, finais, entre outras, sendo que em alguns casos obrigatoriamente e em outros optativamente, contrastando com o modo indicativo e apresentando distinções semânticas.

Como apresentado acima, Oliveira mostra que o modo subjuntivo pode atribuir uma leitura de ordem a um enunciado. Sobre essa possibilidade, Bechara (2003) mostra que esse modo está associado não somente à ideia de ordem, mas ainda à ideia de incerteza, de dúvida, de suspeita, de desconfiança, de vontade, de aprovação, de proibição, de surpresa, de desejo, de probabilidade, de irrealidade, de hipótese, entre outras correlatas.

No caso da língua alemã, Helbig & Buscha (2000) e Dreyer & Schmitt (2000) observam que esse modo verbal (Konjunktiv II no alemão) denota, sobretudo, irrealidade, incertezas e hipóteses.

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Como visto acima, assim como o modo verbal, o aspecto e o tempo verbal exercem um papel importante na análise dos dados dos corpora. Já mostramos neste trabalho, por meio de alguns estudos, algumas características definidoras dos modos verbais, assim como seus usos; dessa forma, faz-se também necessária a apresentação das definições e dos usos dos aspectos verbais e dos tempos verbais do modo indicativo trazidos por alguns autores, nos quais nos baseamos para a realização da análise dos dados. Realizamos uma leitura crítica dos estudos de Comrie (1976), Frawley (1992) e Castilho (2002) sobre o tema aspecto verbal, e dos estudos de Bechara (2003), Fiorin (2002), Oliveira (2003b), Helbig & Buscha (2000) e Dreyer & Schmitt (2000) sobre os tempos verbais do indicativo.