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Relação entre Lógica e Filosofia

1 CONCEITO DE INDIVÍDUO

1.1 LÓGICA

1.1.2 Relação entre Lógica e Filosofia

A lógica se propunha, desde os gregos antigos, ao desenvolvimento de uma técnica em que o modo de pensar não era considerado linear, mas dualista: o pensar por oposição. Sua manifestação mais antiga remonta a Xenófanes, Parmênides, Heráclito e Zenão. O conhecimento formado pela dialética nasceu do conflito de opiniões, convictas da verdade: “de um modo geral os indivíduos estão sempre prontos a dar suas opiniões a respeito de tudo, mas sem pensar, ou seja, fazem o seu discurso como se as palavras nele contidas fossem por si só portadoras de verdade” (SPINELLI, 2006, p. 148-149).

Em Abelardo, na maior parte das vezes, a lógica foi concebida como sinônimo de dialética:

Quando Abelardo assume “dialectica” e “logica” como equivalentes, o faz sob a influência da tradição estoica através de Boécio, contaminada pela concepção ciceroniana e boeciana que o permite, assim, de acolher na lógica ou dialética tanto a “scientia inveniendi” como a “scientia dijudicandi11 (FUMAGALLI, 1964, nota 6, p. 16).

Foi a partir de Sócrates que a dialética iniciou um processo de sistematização: “num método de investigação racional dialógico, agregando-lhe um novo significado: o de uma polida discussão a dois” (SPINELLI, 2006, p. 160). A maiêutica de Sócrates proporcionava o embate de opiniões aceitas na comunidade (éndoxa), mas que visava a busca de uma verdade, de um conhecimento que não decorresse da opinião. Em Aristóteles, a dialética se enunciava nos silogismos, nas discussões lógico- argumentativas. Entre os estoicos, ela foi amplamente sistematizada e foi por essa via que os medievais, de fato, a conheceram. Na Idade Média, principalmente após os séculos XI e XII, ela se manifestou como instrumento racional de validação dos problemas tanto os de cunho filosófico quanto os de cunho teológico. Foi marcada em

11 “Quando Abelardo assume « dialectica » e « logica » come equivalenti, lo fa sotto l’influsso della tradizione stoica giuntagli attraverso Boezio, contaminata dalla concezione ciceroniana e boeziana che gli permette così di accogliere nella logica o dialettica sia la « scientia inveniendi » sia la « scientia dijudicandi »”.

grande parte por uma racionalidade ou mentalidade que propunha a lógica para resolução de problemas.

O pensamento dialético de Abelardo remonta à época patrística, de Santo Agostinho (354-430), que já chamava a atenção para a dificuldade de aplicação da dialética ou “ciência das ciências” na teologia (CANTIN, 1996, p. 59). A partir de Porfírio e Boécio, os medievais tiveram acesso ao estudo de algumas obras do Organon aristotélico, e, por sua vez, ao aprofundamento da dialética. O que sempre esteve em evidência foi o uso da razão para interpretação de preceitos teológicos e das Sagradas escrituras, que não deveriam simplesmente ser aceitos como dogmas. Abriu-se um espaço para que as “verdades da fé” pudessem ser questionadas e até mesmo demostradas.

No século XI, o pensamento antidialético se tornou corrente e o embate entre fé e razão mais acentuado. Pedro Damião (1007-1072), que se tornou herético pelo uso da dialética, e Berengário de Tours (1000-1088), que reconhecia “em Cristo um

dialético”12 (CANTIN, 1996, p. 36), foram considerados os primeiros cristãos da Baixa

Idade Média que se utilizaram da dialética como método de investigação. Abelardo considerava a dialética uma disciplina integrante da filosofia e distinta da retórica e da sofistica. Em Abelardo, ela “se configura (...) como a ciência que fornece os instrumentos lógico-racionais para a busca e a resolução dos problemas a ela

relacionados, uma vez que reúne em si as regras do saber demonstrativo”13

(CROCCO, 1979, p. 89). Estava presente em seu método de ensino (quaestio), com o objetivo de “alcançar, por meio de argumentações favoráveis e discordantes, o consenso (consensus), ou melhor, o provável (probabititer)” (SPINELLI, 2013, p. 161). A disciplina também estava presente nas disputas (disputationes) que travava com autoridades da Igreja e na sua forma de analisar problemas, tanto os de ordem ético- teológico como os de ordem lógica.

A atividade filosófica do tempo de Abelardo pode ser dividida em duas partes, a que se desenvolveu antes e depois do nascimento das primeiras universidades: i) primeiro renascimento, período que compreende até a metade do século XII, foi

12 “in Cristo un dialettico”.

13 “si configura (…) come la scienza che appresta gli strumenti logico – razionali per la ricerca e la soluzione dei problemi ad essa connessi, in quanto assommante in sé le regole del sapere dimostrativo”.

demarcado pelo desenvolvimento da filosofia de Abelardo, nascimento das escolas urbanas, além das existentes monásticas e ao estudo das artes liberais, divididas em: trivium – gramática, dialética e retórica; quadrivium - música, aritmética, geometria e astronomia, currículo herdado de Alcuíno, do século VIII; ii) segundo renascimento, período que compreende a metade do século XII e até meados do século XIII. Ficou conhecido principalmente pelos trabalhos de traduções das obras de filosofia greco- romanas, realizadas pelos árabes e pelos monges da Escola de Tradutores de Toledo. Somente nesse período é que, de fato, as obras dos filósofos gregos puderam ser traduzidas de forma mais ampla, o que possibilitou um acesso maior aos temas da filosofia que ainda não tinham sido explorados em plenitude, como os de cunho aristotélico, e esse advento viabilizou, a partir do século XIII, uma nova modalidade de ensino, o ministrado no interior das universidades, que não se concentrava só nas escolas monásticas e urbanas, mas pôde alcançar um nível de pesquisa maior e também um estudo mais autônomo da filosofia.

Abelardo, pertencente ao período do primeiro renascimento, teve acesso a uma pequena parte da tradução do Organon aristotélico, sendo principalmente as Categoriae e De interpretatione, ambas traduzidas e comentadas por Boécio e foi a partir dessas obras que pode iniciar seus estudos em filosofia.