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O Estado, ente político, necessita de seus agentes para o alcance de seus fins. Seus agentes “representam o elemento físico e volitivo por meio do qual o Estado atua no mundo jurídico” (MARINELA, 2014, p. 242). Os agentes públicos são autoridades investidas de competência decisória e, possuem poderes, bem como deveres e responsabilidades inerentes ao cargo ou função que ocupam.

Usar esses poderes significa empregá-los segundo as normas legais, a moral administrativa, a finalidade do ato e as exigências do interesse público.

Como sabido, a atividade administrativa é um encargo para quem a exerce, portanto, o administrador deve zelar pelos bens, serviços e interesses da coletividade.

Para a doutrina são 03 (três) os principais deveres dos administradores:

1) Dever de eficiência: consiste na produtividade, perfeição do trabalho, celeridade, coordenação, adequação técnica aos fins a que visa a Administração;

2) Dever de probidade: a conduta do administrador no exercício de suas funções deve estar em consonância com os preceitos da moralidade e honestidade;

3) Dever de prestar contas: consequência natural da administração como encargo de gestão de bem e interesse alheio (MARINELA, 2014, p. 243). Além das prerrogativas e deveres dos administradores encontramos os poderes administrativos elencados pela doutrina - Poder Vinculado, Poder Discricionário, Poder Hierárquico, Poder Disciplinar, Poder Regulamentar e Poder de Polícia. Estes se relacionam com aqueles, e, por conta disso, representam os instrumentos por meio dos quais o administrador público persegue o bem comum, por permitirem a aplicação da supremacia do interesse público.

Nesse contexto, ressaltamos o Poder Hierárquico dentre os citados acima, o qual estabelece as relações hierárquicas e os graus de subordinação entre os diversos órgãos e agentes da Administração Pública.

Segundo Di Pietro (2012, p.97):

A hierarquia corresponde a um ordenamento hierárquico definido por lei e que implica diversidade de funções atribuídas a cada órgão. (...) Sob outro aspecto, a hierarquia corresponde também a uma relação pessoal, obrigatória de natureza pública, que se estabelece entre os titulares de órgãos hierarquicamente ordenados; é uma relação de coordenação e de subordinação do inferior frente ao superior, implicando um poder de dar

ordens e o correlato poder de obediência. Vale dizer que o ordenamento hierárquico é fixado pela lei e que desse ordenamento resulta uma relação de coordenação e subordinação, que implica os já referidos poderes da Administração.

Assim compreendemos que cabe ao superior hierárquico, no estrito cumprimento da lei, a faculdade de dar ordens, fiscalizar as atividades desenvolvidas pelos seus subordinados, aplicar sanções no caso de infrações disciplinares, bem como delegar e avocar atribuições de sua competência e a revisão de atos de seus inferiores.

Ao subordinado cabe cumprir as ordens superiores, observando as normas legais e regulamentares, não se obrigando, no entanto, a cumprir ordens manifestamente ilegais.

É justamente nesse ponto, nas relações de hierarquia que os relacionamentos no ambiente de trabalho vêm sofrendo um grande desgaste. Segundo os pesquisadores do tema e como já abordado aqui, os servidores públicos, não raro, são vítimas de discriminações, perseguições, agressões verbais, humilhações, constrangimentos e aborrecimentos que deixam marcas profundas de ordem emocional e psíquica, causando perda da motivação, baixa autoestima, depressão, ansiedade.

Nesse sentido, quando o administrador não utiliza adequadamente as prerrogativas inerentes à função que ocupa, caracteriza o que conhecemos por abuso de poder. Quando o agente público pratica um ato ou conduta que ultrapasse os limites das suas atribuições ou competências, ou se desvia da finalidade pública, ambas expressas por lei, nos deparamos com o abuso de poder. Este pode ser verificado tanto na conduta comissiva, quando não deveria ter feito ou, omissiva, quando deveria ter agido.

Para Helly Lopes Meirelles (2003, p. 176), “o abuso de poder ocorre quando a autoridade embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas”.

Conforme o entendimento doutrinário, o agente público pode incorrer em abuso de poder por excesso de poder ou desvio de finalidade. Na primeira situação, o agente extrapola os limites de sua competência, isto é, a autoridade atua além do permitido, ultrapassando os limites legais. Já no caso do desvio de finalidade, o agente público, embora dentro dos limites de sua competência, afasta-se do interesse público que deve nortear todo o desempenho administrativo.

O desvio de finalidade, que mais nos interessa, representa o uso inadequado da competência em que o agente, apoiado na hierarquia, mas afastando-se da moral

administrativa, pratica inúmeras ilegalidades e arbitrariedades, causando danos aos direitos individuais dos servidores.

Na maioria dos casos, o assédio moral tem início com uma conduta de abuso de poder. Sobre o assunto Fernandes pontua:

Em boa parte dos casos, o assédio moral começa pelo abuso de um poder (qualquer que seja a sua base de sustentação), e segue por um abuso narcísico – no qual o outro perde a autoestima e pode chegar, às vezes, ao abuso sexual. O que pode começar como uma leve mentira, um flagrante de falta de respeito, pode se tornar uma fria manipulação por parte do indivíduo perverso, que tende a reproduzir o seu comportamento destruidor na maioria de suas relações sociais.

Por vezes, o agente público utiliza-se de mecanismos legais para atingir seus desafetos, mascarando sua verdadeira finalidade, persegue e prejudica servidores, buscando alcançar seus próprios interesses em detrimento do interesse público.

Nesse sentido, Marinela (2014, p. 244) comenta como o desvio de finalidade pode se manifestar:

1) Quando o agente busca uma finalidade, contrariando o interesse público, como por exemplo, quando ele usa de seus poderes para prejudicar um inimigo, ou para beneficiar-se a si próprio, ou um amigo ou parente; 2) Quando o agente busca uma finalidade ainda que de interesse público, alheia à categoria do ato que utilizou, este será invalido por divergir da orientação legal. Um exemplo é o administrador que remove um servidor público com o objetivo de aplicar-lhe uma penalidade, todavia, esse ato de remoção, de acordo com a previsão legal, serve para acomodação das necessidades do serviço e não está na lista das possíveis penalidades aplicáveis por infrações funcionais.

Portanto, todo abuso de poder caracteriza uma afronta ao princípio da legalidade, uma vez que a conduta do agente incompetente ou contrária à finalidade da lei não possa compatibilizar com o ordenamento jurídico vigente.

A ilegalidade mais grave é a que oculta sob a aparência de legitimidade a violação maliciosa encobre os abusos de direito com a capa da virtual pureza. A competência é utilizada à margem de qualquer interesse público, para dar vazão a intuitos particulares de favoritismo ou perseguição, amizade ou inimizade. A autoridade pratica um ato administrativo movido pela amizade ou inimizade, pessoal ou política, ou em proveito próprio (FERRAZ, 2014, p. 94).

Quando a autoridade administrativa atua dentro dos limites de sua competência, observando a formalidade legal e, usa de seu poder para uma finalidade que não a prevista em lei, fere a moral administrativa e a boa-fé. Assim, agindo de má-fé reveste de legalidade os abusos de direito.

Ocorre que o gestor público não está acima do ordenamento jurídico, nem dos princípios que regem a atividade administrativa, não devendo a Administração ser regida por abuso de poder ou desvio de finalidade.

Nesse sentido, já estudamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que considerou a prática de assédio moral como um ato de improbidade administrativa que viola os princípios norteadores da Administração Pública e, ainda, da proposta do Senado Federal de enquadrar o assédio moral como uma conduta expressa caracterizadora de improbidade administrativa.

Nos órgãos públicos são diversas as causas que podem gerar o assédio moral, como o modo de operar das organizações, a cultura organizacional, o autoritarismo, o relacionamento com os servidores, sendo nesse contexto que ocorrem as agressões em níveis de relações interpessoais. Diante desse cenário, é normal que os servidores tenham comportamento reprimido, deixando de expressar suas opiniões por medo de represálias, perseguições, humilhações.

Conforme nos traz Hirigoyen (2002, p. 151 apud GOSDAL, SOBBOL, 2009, p. 22), “a ocorrência do assédio moral no setor público e em entidades filantrópicas evidencia que esta prática não está ligada somente a critérios econômicos, rentabilidade ou concorrência de mercado, mas muito mais a uma vontade de exercer o poder”, ou seja, exercer o poder unicamente por exercer, não se importando com as responsabilidades legais e sociais inerentes a ele, cometendo todo tipo de arbitrariedade.

Assim temos que o administrador público, superior hierárquico, que se vale do cargo que ocupa para atormentar e humilhar a vida de seus subordinados, viola de forma inegável a dignidade humana e os demais princípios administrativos, tais como a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a finalidade pública.

CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado, compreendemos que o assédio moral no serviço público é toda conduta reiterada dos agentes públicos, no âmbito da Administração, que degrada o ambiente de trabalho, viola a dignidade humana e causa dano à integridade física e psíquica do servidor.

Trata-se, com efeito, de uma prática, diretamente lesiva ao princípio da dignidade humana, tão caro ao Estado Democrático de Direito, uma vez que já consagrado como seu fundamento pela Constituição Federal de 1988.

O agente público utiliza-se dos poderes inerentes ao cargo ou função que ocupa, persegue interesses próprios, desvia-se da finalidade pública e fere inúmeros princípios que orientam a atividade administrativa aos quais tem o dever de obediência, causando dano à vítima e à atividade administrativa.

Fica evidente que a conduta do agente público assediador viola a supremacia e a indisponibilidade do interesse público quando busca satisfazer seus próprios interesses, em detrimento do interesse público; fere a legalidade quando deixa de observar as normas legais que conduzem a sua conduta enquanto agente público; agride a impessoalidade quando favorece ou persegue seus pares ou subordinados; viola a moralidade administrativa quando age intencionalmente para prejudicar outro servidor, de forma desonesta e antiética; excede os limites da publicidade quando invade a garantia à intimidade e à vida privada; desrespeita a finalidade pública quando se afasta da finalidade legal com o objetivo de causar danos a outrem.

Não resta dúvidas de quão cruel e desumana é a prática abusiva do assédio moral, seja na iniciativa privada, seja na Administração Pública. O terror psicológico que sofre a vítima, tão bem exposto pela estudiosa Margarida Barreto, gera danos psicológicos e físicos imensuráveis.

A grande frequência das condutas assediadoras no âmbito do serviço público evidencia o descaso para com a qualidade de vida dos servidores públicos, que estão expostos a constantes desafetos por gestores despreparados no seu ambiente de trabalho. A dificuldade nos relacionamentos e as falhas na comunicação devem demandar maior atenção na organização, pois são fatores essenciais ao desenvolvimento e a prestação de serviços de qualidade.

Conforme vimos, a vítima do assédio moral, além de sofrer grande violação aos seus direitos fundamentais, ainda, está sujeita a graves consequências psíquicas. Ambos são preocupantes e, as organizações públicas devem se atentar para a saúde de seus servidores em detrimento da prática desse mal.

É cristalino o entendimento dos estudos desenvolvidos pelas diversas ciências que o fenômeno assédio moral, é um processo altamente nocivo à vida do trabalhador vitimado, trazendo consequências à sua saúde física e psíquica e, consequentemente, à organização de trabalho como um todo.

Dessas consequências decorrem prejuízos para a vítima e para a organização. No entanto, os prejuízos suportados pela Administração são mínimos se comparados aos danos físico e psicológico causados ao servidor, que vitimado pela conduta de má-fé de seu superior ou colega muda o seu comportamento, perde a autoestima, e, principalmente a capacidade interagir com o outro, levando ao desconforto e, principalmente adotando uma prática de isolamento e impotência, atraindo doenças físicas e emocionais, em que a vítima vai aos poucos perdendo a confiança na capacidade que tem de reagir e pensar numa resposta positiva para a sua vida.

A prática de assédio moral somente se perdura e concretiza diante da negligência, da conivência ou do estimulo da Administração Pública. Seja o assédio moral interpessoal ou organizacional, a atuação dos gestores públicos deve sempre estar direcionada para a organização do trabalho e para as políticas organizacionais, que devem coibir e punir tais condutas e não estimulá-las.

Assim, objetivamos com este estudo, levar as consequências do assédio moral ao conhecimento dos servidores e dos gestores públicos, para refletirem e tomarem atitudes que propiciem melhor qualidade de vida no ambiente de trabalho, com intuito de prevenirem- se de possíveis causas de assédio moral. Há a necessidade de conscientização da importância de zelar pela saúde física e psicológica dos servidores e preservar o meio ambiente laboral, uma vez que todos são potenciais assediadores ou vítimas do assédio.

Outro aspecto bastante relevante a ser disseminado às autoridades competentes é a necessidade de legislação específica no âmbito da Administração Pública para coibir a violência moral. Pois a lei dá amparo aos indivíduos e deixa claro a inadmissibilidade da prática do assédio moral. Como a reparação total do dano sofrido pela vítima jamais será possível, a punição do agressor é uma maneira de afirmar que o abuso vivenciado pela vítima

é inaceitável. Portanto, se torna imperativa a prevenção e a punição dessa agressão, garantindo aos servidores a dignidade ao trabalho em sua plenitude.

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