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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LAÍSE SABINO DE MELO

O ASSÉDIO MORAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

.

Cuiabá Abril/2017

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LAÍSE SABINO DE MELO

O ASSÉDIO MORAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direito Administrativo e Administração Pública, oferecido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso.

Orientador: Dr. Marcelo Antônio Theodoro

Cuiabá Abril/2017

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A todos os professores do curso, que foram tão importantes no desenvolvimento desta monografia.

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RESUMO

O fenômeno assédio moral nas relações de trabalho é uma prática abusiva que fere a integridade física e psíquica de uma pessoa, em desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (Art. 1º, inciso 3º, III). Como essa agressão é pouco divulgada no ambiente do serviço público e, diante da ausência de legislação específica sobre o tema, o objetivo deste estudo é abordar o assédio moral na Administração Pública, e quais fatores influenciam na degradação das relações interpessoais no ambiente de trabalho, demonstrando por meio da pesquisa bibliográfica disponível - doutrina, legislação e jurisprudência - que ao praticar a agressão o agente público viola o princípio da dignidade humana e, inúmeros outros princípios norteadores da atividade administrativa. E, assim, levar ao conhecimento dos servidores públicos e da sociedade as consequências físicas e psicológicas sofridas pela vítima e os direitos que a ampara.

Palavras-Chave:

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ABSTRAT

The phenomenon of moral harassment in labor relations is an abusive practice that damages the physical and mental integrity of a person, in disrespect of the principle of human dignity, one of the foundations of the Federative Republic of Brazil (Art. 1, § 3º, III). As this aggression is little publicized in the public service environment, due to the absence of specific legislation about the issue, the objective of this study is to address moral harassment in Public Administration, and which factors influence on the degradation of interpersonal relations in work environment, as well as to demonstrate through bibliographical, doctrinal and jurisprudential research that when practicing aggression the public agent violates the principle of human dignity and many other guiding principles of public administration. And thus, bring to the attention of civil servants and society the physical and psychological consequences suffered by the victim and the rights that support him.

Key-words:

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1. O princípio da dignidade da pessoa humana ... 9

1.1 Breve histórico ... 9

1.2. Conceito de dignidade da pessoa humana ... 11

1.3. Fundamento do Estado democrático de direito ... 13

2. Administração Pública ... 15

2.1 Conceito de Administração pública ... 15

2.2 Princípios norteadores da Administração Pública ... 17

2.2.1. Princípio da supremacia do interesse público ... 18

2.2.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público ... 19

2.2.3. Princípio da Legalidade ... 21

2.2.4. Princípio da Impessoalidade ... 23

2.2.5. Princípio da Moralidade ... 24

2.2.6. Princípio da Publicidade ... 27

2.2.7. Princípio da Finalidade ... 28

3. O assédio moral na Administração Pública ... 30

3.1. Aspectos definidores do Assédio Moral ... 30

3.2. Sujeitos do Assédio Moral ... 37

3.2.1. Agressor ... 37

3.2.2. Vítima ... 39

3.3. Condutas e tipificação ... 42

3.4. A responsabilização na esfera administrativa... 46

3.5. Dano moral ... 48

3.6. Improbidade Administrativa ... 50

4. Relações de poder na Administração Pública e o assédio moral ... 55

CONCLUSÃO ... 59

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INTRODUÇÃO

A globalização trouxe para as relações de trabalho um alto grau de competitividade e contribuiu para a evolução da tecnologia, acelerando o desenvolvimento dos meios de comunicação e informação. Esse processo gerou insegurança na rotina do trabalhador devido à instabilidade do mercado, uma vez que as empresas foram obrigadas a se adequarem à nova realidade e grandes mudanças foram inevitáveis. Tornou-se necessário a redução dos custos, concomitante ao aumento da qualidade da prestação de serviços e produtos.

Essa mudança de paradigma atingiu todos os setores organizacionais, incluindo a Administração Pública. Exigiu-se que o trabalhador desenvolvesse novas habilidades, devendo ser eficiente, ágil, flexível, criativo, competitivo e capacitado. Nesse ambiente individualista e cruel, o trabalhador passou a sofrer todo tipo de cobrança para superação de metas e aumento da produtividade. Isso gerou um desgaste na relação entre empregados e empregadores, chefes e subalternos, transformando o ambiente de trabalho em uma zona de terror. Conforme os conflitos surgem, cada vez mais se torna propícia a prática do assédio moral.

Conforme o entendimento de Marie-France Hirigoyen, assédio moral é uma prática abusiva e perversa, repetitiva, que atenta contra a dignidade física ou psíquica de uma pessoa, degradando seu ambiente de trabalho. Como em nosso país ainda não existe uma definição legal que possa amparar na identificação de práticas de assédio moral a discussão sobre o tema se torna imprescindível.

Assim, por meio da pesquisa bibliográfica disponível, pretendemos abordar o fenômeno do assédio moral como violador do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a dignidade é um valor humano, ético e espiritual e impõe o respeito por parte das demais pessoas. Atualmente seu conceito constitui um mínimo inviolável que o nosso ordenamento jurídico deve proteger. Logo, o trabalho dignifica o homem e a Constituição Federal garante que este tenha acesso a direitos mínimos e, portanto, à dignidade.

Desta sorte, temos que a dignidade humana é um valor fundamental que se tornou uma norma constitucional expressa (art. 1º, III, CF/88). A partir de então, passou a ser o fundamento moral e normativo garantidor dos direitos fundamentais e sociais. Estes, por sua vez, são essenciais para a manutenção da dignidade humana e garantidores de um Estado Democrático de Direito que seja realmente justo e efetivo. Nesse sentido, o Estado deve

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garantir uma estrutura de bem-estar e desenvolvimento do ser humano e, ainda, possibilitar um mínimo existencial para que este tenha dignidade.

Desta forma, devemos compreender que o texto constitucional enalteceu a dignidade da pessoa humana, bem como o valor social do trabalho, com o claro objetivo de coibir qualquer prática que prejudique o reconhecimento ou o exercício, dos direitos e das liberdades fundamentais, inclusive no ambiente de trabalho da Administração Pública.

Nesse contexto, cabe a Administração zelar pela manutenção de um ambiente de trabalho saudável e isento de violência, uma vez que a deterioração nas relações interpessoais, no ambiente de trabalho público, geralmente se dá em decorrência do abuso de poder nas relações hierárquicas. No entanto, a manipulação perversa do assédio é de difícil identificação e combate, tendo em vista que se instala de forma falseada , em que a atitude de um único agente ataca a integridade psíquica e física do trabalhador, violando seus direitos. Considerando que a atividade administrativa não tem como fim o lucro, mas sim o interesse público, e este é definido por meio de lei, o administrador público não deve perseguir outro interesse que não o público. Diante disso, deve o agente público, ocupante de cargo ou função pública, obrigatoriamente observar os princípios que norteiam a atividade pública, trazidos em sua maioria pelo texto constitucional e, se abster de todo ato que atente contra quaisquer destes princípios.

O primeiro capítulo deste estudo apresenta um breve histórico sobre a construção do conceito de dignidade da pessoa humana, seu conceito na atualidade, e também sua importância como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e como garantidor do Estado Democrático de Direito.

O segundo capítulo aborda o conceito de Administração Pública e traz os princípios essenciais que norteiam a atividade administrativa. No desenvolvimento do trabalho buscamos compreender a aplicabilidade de alguns desses princípios, tais como, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a finalidade, a publicidade, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público, como reguladores da conduta do gestor e do servidor público e como a prática do assédio moral está na contramão destes princípios.

O terceiro capítulo esclarece o fenômeno do assédio moral na Administração Pública, os aspectos que definem essa prática abusiva, as características dos sujeitos do assédio moral, agressor e vítima. Diante da ausência, até o momento, de legislação específica que trate ou tipifique o assédio moral nas relações de trabalho, abordamos a responsabilização

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administrativa do servidor público assediador, a responsabilidade civil e o dano moral causado a vítima e o entendimento dos Tribunais Superiores sobre o assunto.

Por fim, o quarto capítulo expõe sobre as relações de poder na Administração Pública e o assédio moral, tendo em vista que as práticas de assédio, em sua maioria, são oriundas do relacionamento entre chefes e subordinados, instituído pelo Poder Hierárquico. Além disso, aponta, ainda, sobre a problemática do abuso de poder que pode ser caracterizado por excesso de poder e desvio de finalidade.

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1. O princípio da dignidade da pessoa humana

1.1. Breve histórico

A dignidade da pessoa humana chegou aos dias atuais, após percorrer um longo caminho, com avanços e retrocessos.

De acordo com o entendimento de Botelho (2011, p. 76), o cristianismo trouxe o valor intrínseco da pessoa humana. Sendo o ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, dotado de um valor próprio que lhe é inerente, extraindo dessa máxima, a consequência de que a nenhum homem pode ser negado a dignidade.

O conceito de dignidade foi sendo construído ao longo da história, “devendo-se ao cristianismo, nas cidades ocidentais, a sua difusão e a confirmação na qualidade de atributo incindível da pessoa tomada em si, enquanto dádiva concedida por Deus, sem discriminações, a todos os homens criados à sua imagem” (NOVAIS apud BOTELHO, 2011, p. 76).

Na antiguidade clássica, apresentou-se a ideia de dignidade humana ligada à posição social e ao status do indivíduo perante a sociedade. Dessa forma, as pessoas eram distinguidas por seu prestígio social, “no sentido de admitir a existência de pessoas mais dignas e menos dignas” (SARLET, 2007).

No estoicismo, a dignidade era a característica que distinguia o ser humano das demais criaturas. Pensamento ligado à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo, capaz de determinar seu próprio destino (BOTELHO, 2011, p. 77).

No Iluminismo, colocando o próprio homem no centro do sistema do pensamento, trouxe ideias relevantes para a evolução da dignidade da pessoa humana, tendo em vista sua crença na razão humana.

Kant desenvolveu em sua obra “uma formulação mais complexa e consistente da natureza do homem e de sua relação consigo mesmo e com o próximo” (BOTELHO, 2011, p. 78). Segundo Luis Roberto Barroso (2010), “a filosofia kantiana foi integralmente construída sobre as noções de razão e de dever, e sobre a capacidade do indivíduo de dominar suas paixões e de identificar, dentro de si, a conduta correta a ser seguida”.

Logo, trata-se de uma dignidade relativa à autonomia e à racionalidade. Assim, todo homem é um fim em si mesmo, livre para seguir seu caminho, não se submetendo a planos alheios. Trouxe a ideia do individualismo, não devendo o homem ser tratado de forma

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maciça, sem identidade. Logo, o Direito e o Estado devem estar organizados em benefício do indivíduo e assegurar a este a liberdade de perseguir seus projetos individuais.

Durante o período pós-segunda guerra, com a tomada de consciência em relação às experiências autocráticas ocorridas – reação às atrocidades do nazismo e dos fascismos - a dignidade da pessoa humana conseguiu adquirir relevância jurídica nas sociedades ocidentais, principalmente, impulsionada pelas Nações Unidas e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (NOVAIS apud BOTELHO, 2011, p.78/79).

Bobbio (2004, p. 49/50) nos traz que,

Com a Declaração de 1948, tem inicio uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que o tenha violado.

A partir de então, houve a consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional como princípio orientador da ação estatal. Diante disso, o princípio recebeu consagração expressa em países da União Europeia, como exemplos as Constituições da Alemanha, Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal.

No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos da nossa ordem constitucional (art. 1º, III, CF/88) e condição de finalidade precípua da ordem econômica (art. 170, Caput, CF/88):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...). (grifo nosso)

Nesse sentido, nosso Estado é sustentado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, em que a pessoa é um fim em si, um indivíduo singular, e o Estado é um instrumento

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que serve aos indivíduos, garantindo-lhes a dignidade, a autonomia e a liberdade, para que assim possam buscar a concretização de seus projetos pessoais e a realização de seus sonhos.

Logo, a dignidade humana está ligada a uma positiva atuação do Estado para garantir o livre desenvolvimento da personalidade, prestando a seus cidadãos um mínimo de bem-estar social e material.

Assim temos, de forma resumida, a noção atual desse princípio, que segundo Botelho (2011, p. 79) “é considerado hoje como o pilar e fundamento de todas as sociedades pós-modernas”, um núcleo intangível dos direitos fundamentais que se irradia por toda norma constitucional.

1.2. Conceito de dignidade da pessoa humana

A dignidade, termo abordado no tópico anterior, é um conceito abrangente que sofre influência histórica, religiosa e política de acordo com cada país. Entende-se que dignidade da pessoa humana, pertence ao homem real e é “uma qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano e dele não pode ser destacado” (SARLET, 2007).

De acordo com Miranda (2000 apud Botelho, 2011), a dignidade é da “pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana, não é de um ser ideal e abstrato” e, é essa pessoa concreta que “a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível e irrepetível e cujos direitos fundamentais a constituição enuncia e protege”.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana é um atributo essencialmente da pessoa humana simplesmente pelo fato de ser uma pessoa humana, benemérita de respeito e proteção perante a sociedade, independente de qualquer fator, seja raça, origem, religião, sexo, idade, condição econômica, etc.

Buscando conceituar a dignidade da pessoa humana, e a entendendo como um atributo fundamental, nota-se que:

(...) filosoficamente, é uma característica inerente ao homem, que a norma não concede, mas apenas reconhece. Por esta razão, diversos autores registram que não há um direito á dignidade da pessoa humana, mas, sim, o respeito à dignidade e à sua promoção. A importância dessa observação está em que o indivíduo continua sendo digno, não obstante haja, por vezes, violação das normas que pretendem assegurar condições de dignidade. (BARCELOS, 2002 apud BOTELHO, 2011)

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Nesse contexto, Barroso (2010, p. 23) afirma que, “é por ter o valor intrínseco da pessoa humana como conteúdo essencial que a dignidade não depende de concessão, não pode ser retirada e nem perdida, mesmo diante de uma conduta indigna de seu titular”.

Com a evolução e o aperfeiçoamento do princípio em estudo, seu entendimento contemporâneo pode ser expresso, resumidamente, da seguinte forma: “todo homem é um fim em sim mesmo, não devendo ser funcionalizado a projetos alheios; as pessoas humanas não têm preço nem podem ser substituídas, possuindo um valor absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade” (BARROSO, 2010).

Segundo Alexandre de Moraes (2011, p. 24):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.

Em assim sendo, temos que a dignidade humana é um valor fundamental que se tornou uma norma constitucional expressa (art. 1º, III, CF/88). A partir de então, passou a ser o fundamento moral e normativo garantidor dos direitos fundamentais.

No âmbito jurídico, tal princípio representa a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana e sustenta inúmeros direitos fundamentais da nossa norma constitucional. Hoje é considerado o núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais, tais como, o direito à vida, à igualdade, à integridade física e à integridade moral e psíquica.

A proteção da dignidade da pessoa humana cabe ao Estado, exigindo-se deste, prestações positivas que permitam uma existência condigna, uma vez que a pessoa inserida em um meio de extrema miséria se tornaria facilmente um mero objeto da sociedade, portanto, jamais conseguiria alcançar por si um mínimo existencial para viver com dignidade.

Na sequência, passamos ao próximo tópico buscando a compreensão da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana como garantidor de inserção em uma sociedade plural, fraterna e com firme propósito humanista, em que pese à autodeterminação do seu povo.

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1.3.Fundamento do Estado democrático de direito

O Estado Democrático de Direito conduz-se por leis democráticas, por governantes escolhidos livremente pelo povo, por meio de eleições periódicas, e, ainda, pelo respeito aos direitos fundamentais (MORAES, 2011, p. 25).

A sua concepção vincula-se a um contexto de valores superiores e fixa preceitos que protegem direitos dos indivíduos, perante o Estado, limitando o poder deste. Segundo Odete Medauar (2012, p. 35), seus elementos básicos são: sujeição do Poder Público à lei e ao direito, declaração e garantia dos direitos fundamentais, funcionamento de juízos e tribunais protetores dos direitos dos indivíduos, criação e execução do direito como ordenamento destinado à justiça e à paz social.

Sobre o Estado Democrático de Direito Silva (2011, p. 121) explica que “é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização da condições dos socialmente desiguais”.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o “centro de gravidade do nosso ordenamento jurídico” (FERRAZ, 2014, p. 21). A Constituição Federal de 1988 a tornou em um valor supremo da ordem jurídica, estabelecendo-a como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). E, em diversos outros artigos a Constituição Federal firma a dignidade humana como norteadora do Estado Democrático de Direito, quais sejam, direitos e garantias individuais e coletivos espalhados pela norma, tais como, a proteção à vida, o direito à saúde, à moradia digna, ao trabalho, assegurando a liberdade, a igualdade, o acesso à justiça, ao meio ambiente sustentável, e tantos outros.

Orienta-nos o professor José Afonso da Silva (2005), sobre a dignidade da pessoa humana:

Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.

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Assim, temos que o princípio da dignidade humana tem como reconhecida extensão os direitos e garantias fundamentais que abrangem não só os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, como também os econômicos.

Conforme os preceitos da dignidade da pessoa humana o Estado deve ter como prioridade o homem, devendo garantir uma estrutura de bem-estar e desenvolvimento do ser humano e, ainda, assegurar um mínimo existencial para que a pessoa tenha dignidade.

O Estado Democrático de Direito tem por objetivo a proteção à dignidade da pessoa humana, uma vez violada a dignidade de qualquer indivíduo, por ação ou omissão, fere-se o próprio Estado Democrático de Direito.

Desta forma, deve-se ter em mente a intangibilidade do princípio da dignidade humana, expresso no artigo1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, devendo, portanto, ser considerado como vetor unificador de todos os demais princípios e direitos fundamentais. Apresenta-se como valor supremo e universal, verdadeiro alicerce de todo o ordenamento jurídico, dando-lhe coesão e ditando a forma de interpretação do sistema normativo. (...) Transcende, pois, os limites do positivismo, de maneira que, no conflito entre a dignidade da pessoa humana e os demais princípios e regras do ordenamento jurídico, deve ser ela resguardada, uma vez que é responsável pela unidade lógico-material da Constituição. (STJ - AgRg no REsp: 1225178 PR 2010/0209970-1, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 16/04/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/05/2013)

Desta forma, entendemos a dignidade da pessoa humana como um valor supremo, imutável e intocável da nossa sociedade, base de todo nosso ordenamento jurídico. A partir dela surgem os demais direitos e garantias fundamentais, sendo a dignidade humana um parâmetro para a interpretação de todas as normas jurídicas.

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2. Administração Pública

2.1.Conceito de Administração Pública

Segundo a doutrina, o termo administração pública pode ser utilizado em diversos sentidos. Diante disso, foram criados inúmeros critérios para sua conceituação.

Helly Lopes Meireles (2015, p. 66) compreende que em sentido formal, Administração Pública “é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo, em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral”.

O critério que mais nos interessa para o desenvolvimento do presente estudo distingue a administração pública em dois enfoques, sentido objetivo e sentido subjetivo.

Moraes (2011, p. 341) nos ensina que Administração Pública pode ser conceituada “objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e, subjetivamente como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.

Para José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 42), o sentido objetivo de administração pública compreende a própria atividade administrativa exercida pelo Estado, por meio de seus órgãos e agentes, submetida à ordem constitucional e legal, caracterizando sua função administrativa. Ou seja, é a atividade concreta desenvolvida pelo Estado para a persecução dos interesses coletivos.

Para o mesmo autor, em seu sentido subjetivo, a expressão em análise é definida como o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas de que se vale o Estado para atingir seus fins almejados. Temos aqui o exercício da função administrativa do Estado, desenvolvida por um conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas atribuídas por lei.

Por conseguinte, sabemos que o Estado pode prestar as atividades administrativas por si mesmo, que se trata da forma centralizada de prestação dos serviços públicos ou prestação direta. Nesta hipótese, a prestação é feita pela própria administração direta que é composta pelas pessoas políticas: União, Estado, Distrito Federal e Municípios.

Para que a Administração direta possa exercer todas as suas atribuições e responsabilidades, é necessária uma organização e distribuição interna de suas competências, que se denomina desconcentração. Trata-se de “uma distribuição interna de competências, ou seja, uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica. Isso é feito para

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descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desempenho” (DI PIETRO, 2012, p. 466).

Por outro lado, na busca por maior eficiência e especialização, o Estado poderá transferir a responsabilidade pelo exercício de suas atividades administrativas a outras pessoas jurídicas, criadas por ele para esse fim. Para Mello (2014, p. 153), “nesta hipótese ora o Estado transfere o exercício de atividades que lhes são pertinentes para particulares, ora cria pessoas auxiliares suas, para desempenhar os cometimentos dessarte descentralizados”. Então, passará a atuar indiretamente, o que se denomina de descentralização administrativa.

Conforme ensina MELLO (2014, p. 155), “pela descentralização rompe-se uma unidade personalizada e não há hierarquia entre a Administração Central e a pessoa estatal descentralizada. Assim, a segunda não é “subordinada” à primeira”. Essas pessoas jurídicas auxiliares criadas pelo Estado, vinculadas à administração direta, formam a Administração Pública Indireta e, podem ser: autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista.

Por fim, vale ressaltar que, ao lado dessa estrutura organizacional da Administração Pública, operam ainda, os entes privados não integrantes da Administração Direta ou Indireta. São colaboradores do Estado no desempenho das atividades de interesse coletivo, quais sejam: organizações sociais, entidades de apoio, organizações da sociedade civil de interesse público e os serviços sociais autônomos.

Assim, temos que a atividade administrativa “é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade, de âmbito federal, estadual e municipal, segundo os preceitos da Moral e do Direito, visando ao bem comum” (MARINELA, 2014, p. 18). Portanto, a atividade administrativa é um encargo para quem a exerce, não permitindo a persecução de outro interesse que não o público.

Helly Lopes Meirelles (2015, p. 65) descreve o objetivo final do Estado no seguinte trecho:

O direito administrativo impõe as regras jurídicas de organização e funcionamento do complexo estatal (...) a fim de bem ordenar os órgãos, distribuir as funções, fixar as competências e capacitar os agentes para a satisfatória prestação dos serviços públicos ou de interesse coletivo, objetivo final e supremo do Estado em todos os setores do Governo e da Administração.

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Nessa perspectiva, o gestor público possui um encargo, uma vez que tem sob sua guarda bens, direitos e interesses que não lhe pertencem, portanto, sua gestão deve ser transparente e ética, em concordância com as normas legais estipuladas.

2.2. Princípios norteadores da Administração Pública

Os princípios são proposições que servem de base para toda estrutura de uma ciência, o alicerce que sustenta todo o ordenamento jurídico, e, portanto, norteadores da correta interpretação de normas jurídicas, que diante do caso concreto indicam qual caminho deve ser seguido pelo aplicador da norma, de acordo com os valores consagrados pelo sistema jurídico.

Conforme Karl Larenz (1985, p. 14 apud MEDAUAR, 2012, p. 133) princípios “são fórmulas nas quais estão contidos os pensamentos diretores do ordenamento, de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico”. Os princípios são de grande relevância, pois possibilitam a solução de casos ainda não previstos pela lei, permitem melhor compreensão do texto legal, e, conferem maior segurança aos cidadãos em relação aos seus direitos e deveres.

Conforme aduz Mello (2015, p. 54):

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

O nosso atual ordenamento jurídico reconhece a força normativa dos princípios, ou seja, não são apenas simples recomendações, orientações; são normas jurídicas que obrigam aqueles que a elas estão sujeitos, impedindo a realização de comportamentos incompatíveis com os seus conteúdos.

Quanto à violação de um princípio Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 54) assevera que:

É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

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Conforme esse entendimento, o desrespeito a um princípio gera ofensa a todo ordenamento jurídico e não apenas a um normativo específico. É, portanto, uma violação aos valores fundamentais, uma vez que, os princípios são os alicerces das demais normas do sistema.

Relacionado à atividade administrativa, o artigo 37, caput, da Constituição Federal, estabelece cinco princípios básicos que a Administração Pública Direta e Indireta deve obedecer, são eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e Eficiência. Inúmeros outros princípios devem ser observados pela Administração e estão espalhados pelo texto constitucional, alguns implícitos e, outros, na norma infraconstitucional.

Importante ressaltar, os princípios trazidos pela Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Conforme seu art. 2o, caput, “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Todos de igual relevância por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito, por conseguinte, do sistema constitucional como um todo.

Por serem esses princípios de observação obrigatória pelo bom administrador público, passaremos ao estudo, de forma individualizada, de alguns desses princípios que norteiam a atividade pública, conforme a pertinência temática, sem o objetivo de esgotar o assunto.

2.2.1. Princípio da supremacia do interesse público

O princípio da supremacia do interesse público determina privilégios jurídicos e um patamar de superioridade do interesse público sobre o particular, ou seja, a administração terá uma posição privilegiada em face dos seus administrados.

A supremacia é considerada um princípio geral do direito, inerente a qualquer sociedade, como condição de sua existência e como pressuposto lógico do convívio social. É um princípio implícito no texto constitucional no qual encontramos inúmeras regras que manifestam essa superioridade do interesse público (MELLO, 2015, P.99).

A superioridade do interesse público sobre o privado se encontra em diversos institutos jurídicos, tais como: a desapropriação, requisição de bens do particular, a servidão administrativa, a limitação administrativa, o tombamento, as prerrogativas do regime jurídico

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de algumas pessoas jurídicas, as cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, os atributos dos atos administrativos, dentre outros.

Assim, o Poder Público se encontra em uma situação de autoridade, de comando, relativamente aos particulares, como condição indispensável para gerir os interesses públicos postos em confronto. Daí advém o poder que a Administração possui de modificar unilateralmente relações já estabelecidas.

Todavia, esse princípio só terá legitimidade quando utilizado como instrumento para o alcance de interesses públicos, definidos em lei, não se admitindo a sua aplicação para satisfação de interesses do próprio Estado ou dos agentes públicos.

Logo, essa superioridade, esse poder dado ao Estado e a seus agentes se subordina ao fiel cumprimento de uma finalidade prevista em lei.

Sobre o assunto Mello (2015, p. 101) comenta:

Segue-se que tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados. Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não “poderes”, simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como poderes-deveres. (...) Com efeito, fácil é ver-se que a tônica reside na ideia de dever, não na de poder.

Esse entendimento reforça a premissa de que a atividade administrativa é um encargo para o agente público, que tem o dever de perseguir a finalidade pública, uma vez que os bens e interesses públicos não se encontram a sua livre disposição.

Por fim, a supremacia conferida à Administração deve ser exercida nos limites legais a que esteja vinculada. Ir além desses limites legais configura excesso, caracterizando abuso de poder e, esse comportamento torna qualquer ato inválido.

2.2.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público

Se de um lado o princípio da supremacia do interesse público coloca a Administração Pública em um patamar de superioridade em face dos administrados, de outro, lhe exige uma maior obediência às formalidades que deve observar, tendo em vista que sua atuação deve ocorrer nos limites da lei.

O agente público não pode deixar de exercer a atividade pública, sob pena de responder por omissão; e não pode exceder os limites legais, sob pena de responder por abuso de poder. Portanto, é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências

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relevantes ao atendimento do interesse público ou, ainda, retardá-las, em virtude de qualquer motivo.

Deste modo, os bens, direitos e interesses públicos são entregues ao administrador para gestão, tendo este o dever de guarda e aprimoramento. Como já explanado, a atividade administrativa é um encargo, uma obrigação.

Marinela (2014, p. 29) entende que:

(...) O princípio da indisponibilidade serve para limitar a atuação do agente público, revelando-se um contrapeso à superioridade descrita no princípio da supremacia, podendo se afirmar que, em nome da supremacia do interesse público, o administrador pode muito, pode quase tudo, mas não pode abrir mão do interesse público (...) Na verdade, o Administrador exerce uma função, o que significa uma atividade em nome e interesse de outrem, por isso não há autonomia da vontade nem liberdade irrestrita. Há uma finalidade previamente estabelecida e, no caso da função pública, há submissão da vontade pré-traçada na Constituição Federal ou na lei, além do dever de bem curar o interesse alheio: o interesse público.

Isto posto, compreendemos que o administrador não tem disponibilidade dos bens públicos sobre sua tutela, mas sim, o dever de curá-los nos termos da finalidade predeterminada pela lei. Sobre a indisponibilidade do interesse público Mello (2015, p. 76) destaca:

Significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intento legis. (MELLO, 2015, p. 76)

Nesse contexto, devemos ter sempre em mente que a titularidade do interesse público é do Estado, que por meio da sua função administrativa – Administração Pública em sentido subjetivo - o protege e lhe dá concretude.

Percebendo a importância do termo interesse público, indispensável é compreender a referida expressão cujo conceito ainda gera divergência na doutrina. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 62) “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”.

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Nesse sentido, a referida expressão consiste no interesse do todo, da coletividade, contrária ao interesse privado, individual. Por ser um interesse da maioria, uma prioridade, prevalece, em relação aos interesses individuais e, representa um somatório dos interesses dos indivíduos que nele encontram a projeção de suas próprias aspirações. Desta forma, a referida expressão pode ser associada a bem de toda coletividade, à concepção geral das exigências da vida em sociedade.

Necessário se faz distinguir os conceitos de interesse público primário e secundário. O interesse público primário ou interesse público propriamente dito é o resultado da soma dos interesses individuais enquanto participes de uma sociedade. É o interesse da sociedade como um todo e consagrado pela lei, enquanto que o interesse público secundário consiste nos anseios do próprio Estado, considerado como pessoa jurídica, um simples sujeito de direitos (MARINELA, 2014, p. 29).

Assim temos que o interesse primário corresponde à realização dos superiores interesses de toda a coletividade e dos valores fundamentais resguardados pela Constituição, enquanto que o interesse secundário equivale aos interesses privados do Estado, pessoa jurídica de direito público, logo, o interesse do erário. Importante frisar que o Estado só poderá defender seus próprios interesses privados quando não divergentes dos interesses públicos primários.

2.2.3. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade é a base de um Estado Democrático de Direito e garante que todos os conflitos sejam resolvidos pela lei. Significa submissão à Constituição e às leis.

Tal princípio pode ser encontrado em diversos dispositivos constitucionais. O art. 5ª, inciso II, define que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O art. 37, caput, traz que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade (...)”. O art. 84, inciso IV, estabelece que o ato administrativo seja subordinado à lei e visa permitir a sua fiel execução. O art. 150, inciso I, que trata das limitações do poder de tributar, institui que não há tributo sem lei anterior que o defina.

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Conforme o ordenamento jurídico vigente, devemos entender a legalidade sobre dois enfoques distintos. A legalidade para o direito privado e a legalidade para o direito público.

No primeiro instituto, as relações se dão entre particulares que visam seus próprios interesses, podendo fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Trata-se de uma relação de não contradição à lei, aplicando-se o princípio da autonomia da vontade. De outro lado, o segundo instituto, tendo em vista o interesse da coletividade, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei autoriza e determina, está subordinada à lei.

Portanto, tal princípio se aplica de forma mais rigorosa ao agente público. Conforme nos ensina MEIRELLES (2003, p. 86), o princípio em tela defende que o agente público está, em toda sua atividade funcional, limitado à lei e às exigências do interesse público, e dele não pode afastar-se ou desviar-se. Caso pratique um ato em desacordo com a lei, estará sujeito à responsabilização administrativa, civil ou criminal.

Podemos extrair do princípio da legalidade uma acepção mais profunda, uma vez que este submete os agentes públicos a um sistema normativo que busca impedir autoritarismos, favoritismos e perseguições. Desta forma, garante que a atuação dos agentes públicos seja a estrita vontade da lei (MELLO, 2015, p. 103).

Esse dever de obediência à lei, no entanto, não afasta o exercício discricionário do gestor, que poderá atuar com liberdade, conforme os critérios de conveniência e oportunidade de acordo com o caso concreto com vistas a atender a finalidade púbica. Diante da impossibilidade de previsão de todos os casos, a lei deixa certa margem de decisão para o gestor, de modo a oferecer mais de uma opção para o caso, assim temos uma liberdade para a atuação do administrador dentro dos limites legais.

Por outro lado, os atos arbitrários não se confundem com os atos discricionários, pois aqueles representam um excesso, um abuso, são atos praticados fora dos limites da norma, sem amparo legal, portanto, são inválidos, ilegais e não devem permanecer na ordem jurídica.

Relacionado à problemática do assédio moral, o princípio da legalidade atua como um freio a essa prática cruel no serviço público, uma vez que o agente público não encontra amparo legal para sua conduta. Ao contrário, cabe à Administração Pública reprimir e punir todo ato que atente contra a dignidade psíquica e emocional dos servidores, de modo a proporcionar um ambiente de trabalho saudável e equilibrado.

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2.2.4. Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade está previsto no art. 37, caput, da CF/88, e significa que a Administração não pode agir de forma parcial, com vistas a beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas e, relaciona-se com a finalidade pública que deve nortear todo o comportamento da atividade administrativa.

Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é o próprio princípio da igualdade ou isonomia. (MELLO, 2015, p. 117)

Os maiores exemplos da aplicação prática desse princípio, trazidos pela Constituição Federal de 1988 são: a regra do concurso público para o exercício de cargo e emprego púbico (art. 37, inciso II) e a aplicação do procedimento licitatório como meio para que Administração pública celebre contrato (art. 37, XXI).

A Constituição Federal também traz em seu art. 37, §1º que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

Na Lei nº 9.784/99, o princípio em comento está implícito no art. 2º, parágrafo único, inciso III, que determina “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes e autoridades”.

Nesse contexto, a impessoalidade obriga o administrador a atender sempre o interesse público, agindo de forma genérica, abstrata, impessoal e, ainda, determina que a atividade administrativa exercida pelo agente seja imputada ao órgão ou entidade e não ao próprio agente, assim a vontade do agente se confunde com a da pessoa jurídica, formando uma única vontade.

Para Medauar (2012, p. 138) o princípio da impessoalidade “visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favoritismos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia”.

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Desta forma, compreendemos que tal princípio veda condutas de cunho pessoal no âmbito da Administração Pública, tais como, demonstrações de afeto ou antipatia, favoritismos ou perseguições e, retornamos mais uma vez ao interesse público como finalidade maior de toda atividade administrativa. Assim quando qualquer agente público, agindo de forma não imparcial, prejudicar ou favorecer um servidor público, há um flagrante ao Princípio da Impessoalidade.

Portanto, diante de situações que dizem respeito a direitos do outro, a impessoalidade exige a ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, de modo a evitar preconceitos e radicalismos.

Conforme aduz Ferraz (2014, p. 69), “o princípio da Impessoalidade contrapõe-se à violência perversa do assédio moral – infelizmente – existente no cotidiano da Administração Pública”.

Relacionado à prática do assédio moral, o agente público fere a impessoalidade quando age intencionalmente em prejuízo de alguém, quando, na verdade, deveria dispensar a todos um tratamento isonômico. Nesse sentindo, cabe ao servidor público se afastar dessa manifestação de interesse próprio e voltar-se tão somente para o interesse público.

2.2.5. Princípio da Moralidade

Conforme o princípio da moralidade, também previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, a Administração Pública deve atuar de acordo com os princípios éticos, com probidade, lealdade e boa-fé.

A nossa Constituição Federal traz diversos mecanismos para impedir atos de imoralidade, tais como o previsto no do art. 85, V, da Constituição, atentar contra a probidade administrativa é hipótese prevista como crime de responsabilidade do Presidente da República, fato que enseja sua destituição do cargo. Ainda, conforme art. 37, § 4º, da norma Constitucional “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

A moralidade administrativa encontra-se também amparada pelo art. 5º, LXXIII, da CF/88, que trata da legitimidade para propositura de ação popular em que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa. Além, é claro, das normas infraconstitucionais, situação em que

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citamos aqui a Lei 8.429/92, que trata da improbidade administrativa e, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000.

Nas palavras de Di Pietro (2012, p. 78):

Ao administrador implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que é imposta de dentro e vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário.

Uma vez que, a moralidade está na intenção do agente, mesmo que seu comportamento esteja em consonância com a lei, mas ofenda a moral, os bons costumes, as regras de boa administração e a ideia comum de honestidade, estará ofendendo ao princípio da moralidade administrativa.

Seguindo os preceitos da moralidade, o ato da Administração Pública que esteja fundado no falso, inexistente, confuso ou duvidoso, não pode estar voltado ao interesse público, sendo a moralidade um limite à discricionariedade do agente. Desta forma, será arbitrário o ato praticado com um motivo falso ou inexiste, logo, o ato poderá ser legal, no entanto, irá ferir a moralidade administrativa.

O princípio da moralidade traz em seu bojo não o conceito da moral comum, se refere a valores morais que cada norma jurídica protege. Assim, “o princípio da moralidade será desrespeitado quando houver violação de uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado” (MELLO, 2015, p. 124). Destarte, a moralidade administrativa preocupa-se com a correção de atitudes, prezando as regras de boa administração, o bem comum, o interesse coletivo, inerente ao bom servidor.

Sobre a aplicação do princípio da moralidade administrativa o Superior Tribunal de Justiça já ponderou:

O princípio da moralidade administrativa, constitucionalmente consagrado, tem origem justamente na teoria do desvio de poder como limite da e à conduta do agente público. É pressuposto de validade para todo e qualquer ato administrativo, como elemento essencial à boa administração, e, remotamente, ao núcleo ético, à honestidade, ao interesse público, à dignidade da pessoa humana (no seu sentido político) e ao bem comum, bases do Estado brasileiro, à luz da Constituição de 1988. (...) O princípio da moralidade deve ser objetivamente considerado (na linha do que modernamente se apregoa para o princípio da boa-fé objetiva), dele admitindo-se apenas uma de duas soluções: ou o ato não agride o princípio (tanto por ser a conduta fiel ao princípio da legalidade ou por se

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caracterizar como mera irregularidade administrativa) ou é imoral tertium

non datur . (STJ - REsp: 892818 RS 2006/0219182-6, Relator: Ministro

HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 11/11/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/02/2010)

Portanto, a moralidade administrativa limita a conduta do agente público, direcionando-o pelo caminho da ética e da probidade, sendo imprescindível para realização de uma boa administração dos bens públicos.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowsk, cita importante referência sobre a moralidade administrativa:

O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionais formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de se admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa. (RE 579951, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2008, Repercussão Geral - Mérito DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-10 PP-01876)

Compreendemos, então, a grande relevância deste princípio para o nosso ordenamento jurídico, bem como para a Administração pública, uma vez que basta a vontade do agente público para desviar-se da moralidade, assim, vai seguir todo o procedimento legal, no entanto, com finalidade outra que não a pública. Por esse motivo, o referido Ministro nos traz o que seria a “legalidade moral” ou, ainda, a “legalidade legitima da conduta administrativa”.

Conforme o entendimento jurisprudencial, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, o ato deve ser invalidado por violar o princípio da moralidade administrativa e por caracterizar a sua ilegalidade por desvio de finalidade.

Desse modo, a atuação do agente público deve passar pelo crivo da moralidade. Esta atua como vetor à conduta do gestor e, volta-se para a boa-fé, a honestidade e ao bem comum. Busca-se proteger o Estado, de modo a evitar sua depreciação, cabendo punição a conduta ilegal e imoral do agente público.

Em relação a isso, como veremos a seguir, o Superior Tribunal de Justiça já caracterizou a conduta do assédio moral, objeto do nosso estudo, como um ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração.

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2.2.6. Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade alcança toda atividade Estatal e assegura o conhecimento da conduta dos agentes públicos e o direito de informação.

Além da expressa previsão no art. 37, caput, da CF/88, o princípio da publicidade pode ser identificado em outros dispositivos constitucionais. O art. 5º, inciso XXXIII, assegura o direito à informação, em que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade”; o art. 5º, inciso XXXIV, alínea b, define que a todos é assegurado o direito de certidão; e por fim, o art. 5º, LXXII, que estabelece o remédio constitucional habeas data, garantindo o direito de obter e de retificar informações pessoais junto a repartições públicas.

Conforme a doutrina, a publicidade dos atos do Poder Público representa sua condição de eficácia, ou seja, a partir de quando se inicia a produção dos seus efeitos.

A importante Lei nº 12.527/2011 destina-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação. Nos termos do seu art. 4º, considera-se informação os “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”.

A lei de acesso à informação traz a cultura da transparência para a Administração Pública Brasileira, que tem o dever de divulgar as informações de interesse público e geral, independente de solicitação. Conforme o art. 5º, da referida Lei, “é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”.

Conforme comenta Zancaner (apud MELLO, 2015, p. 118),

(...) a integra da lei deflui o claro objeto de tornar transparente toda atividade estatal, inclusive seus planos de governo e a forma de implementá-los, fazendo-o através de fácil acesso deles a toda a Sociedade. Pretende-se, dessarte, romper com a cultura de sigilo comum no Poder Público (...) substituindo-a pela cultura da transparência. Daí a mais extrema importância dessa lei, que pode vir a ser um marco de uma nova era administrativa no País.

A transparência da atividade administrativa torna possível a fiscalização dos seus atos pela sociedade, ferramenta fundamental para o nosso Estado Democrático de

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Direito, bem como impede que atos contrários à legalidade e à moralidade tenham êxito, permitindo a punição dos agentes públicos responsáveis.

No entanto, sendo a publicidade dos atos administrativos obrigatória, a Constituição Federal define algumas exceções a esse princípio, estabelecendo o sigilo de algumas informações.

Uma das exceções à publicidade é a garantia à intimidade e à vida privada prevista no art. 5º, X, que impede a Administração de publicar quando comprometer esse direito, sob pena de indenização por danos morais e materiais causados.

Por fim, relacionada à temática em estudo, sempre que a Administração ferir o direito à intimidade e à vida privada de seus servidores, tornando-se público atos da vida íntima destes, de forma arbitrária - que nos casos de assédio moral visa prejudicá-los - irá responder pelos danos causados.

Tal princípio, também reforça a vinculação da conduta dos servidores públicos à legislação vigente, neste caso, o dever de publicidade ou transparência dos atos praticados pela Administração Pública, favorecendo a fiscalização por parte dos órgãos de controle e da sociedade.

2.2.7. Princípio da Finalidade

A finalidade pública é um princípio autônomo, inerente ao princípio da legalidade (art. 37, caput, CF). Pela sua força normativa a Administração deve sempre perseguir a finalidade da lei, sujeitando-se a ela.

Este princípio condiz com a aplicação da lei conforme o objetivo pela qual foi editada pelo legislador, ou seja, a ideia que a lei traz contida em seu texto. Seu conceito se contrapõe à cultura do patrimonialismo, em que o patrimônio público se confunde com o privado.

Desta forma, o administrador deve perseguir o objetivo legal de todos os seus atos, qual seja, a finalidade pública, o bem comum que a norma protege. Caso contrário, poderá tornar o ato ilegal, logo, nulo, caracterizando-se abuso de poder por desvio de finalidade.

Conforme ensina Mello (2015, p. 110), “o princípio da finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu cargo, atue com rigorosa obediência à

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finalidade de cada qual”, pois é na finalidade da lei que encontramos o critério orientador de sua correta aplicação.

A Lei nº 9.784/99 define que nos processos administrativos o administrador público deverá obedecer à objetividade no atendimento do interesse público, vedada a sua promoção pessoal e aplicar o critério de interpretação “da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige”, conforme estabelece o art. 2º, paragrafo único, incisos III e XIII.

Destarte, para o princípio da finalidade pública, a norma administrativa deve ser interpretada da melhor maneira para se atingir a finalidade a que ela se dispõe. Uma vez que o que justifica uma norma é a sua finalidade, é a partir desta que se compreende a sua coerência. Assim cabe ao agente público examinar, conforme a concretude do caso, se o ato em apreço atendeu o específico interesse público almejado pela previsão normativa, dele não podendo desviar-se.

Diante disso, imputa-se ao agente público o fiel cumprimento da lei, de modo a atender exclusivamente a sua finalidade. O intuito de buscar uma finalidade diversa poderá incorrer em excesso de poder por desvio de finalidade.

Concernente ao abuso moral, ocorrido dentro do ambiente de trabalho da Administração Pública, a finalidade pública veda categoricamente o interesse privado, que atenda a valores menos dignos do agente público, enquanto investido em cargo ou função pública. Conforme estudado, a finalidade pública vincula a atuação do agente público à vontade da lei.

Após essa sucinta análise sobre os princípios norteadores da atividade administrativa e, por conseguinte, da conduta dos agentes públicos, passamos agora ao estudo do assédio moral na Administração Pública, percebendo como essa prática abusiva fere diretamente, se não todos, a maioria desses princípios.

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3. O assédio moral na Administração Pública

3.1. Aspectos definidores do Assédio Moral

A globalização, conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial, teve início na segunda metade do século XX, com o objetivo de interligar todo o mundo, bem como realizar a revolução tecnológica. O fenômeno atingiu todos os setores organizacionais, incluindo-se a Administração Pública.

Tal processo trouxe para a nova ordem econômica um alto grau de competitividade e insegurança nas relações de trabalho. Com a revolução tecnológica, as organizações privadas e públicas passaram a fazer uso dos recursos tecnológicos da informação que facilitam a execução de suas atividades administrativas e operacionais.

Esse avanço da tecnologia da informação exige que os trabalhadores desenvolvam habilidades como eficiência, agilidade, flexibilidade, criatividade, capacidade, competitividade e experiência em todos os processos, com a finalidade de aumentar a produtividade.

Nesse ambiente competitivo e cruel, os trabalhadores passam a sofrer todo o tipo de cobrança para superação de metas e aumento da produtividade, tornando a relação de trabalho uma zona de terror devido ao alto grau de competitividade exigido pelas organizações. Por conta disso, esse ambiente se torna propício para práticas de assédio moral, que se confirma em comportamento de conflitos internos entre os trabalhadores.

Nesse cenário, destacamos contribuições de inúmeros autores que abordam o conceito de assédio moral. Sabemos que não é um fenômeno novo, pois sempre existiu e remonta a própria existência das relações interpessoais, no entanto, os estudos científicos que o abordam são relativamente recentes. Curiosamente, essa prática não é observada apenas nas relações de trabalho, mas também a encontramos nas relações familiares, escolares e sociais, de modo geral (SABOLL; GOSDAL, 2009, p. 17).

Atualmente, o assédio moral tem seu fundamento na necessidade de proteção à dignidade do trabalhador enquanto indivíduo. Vale lembrar, como já estudado, que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são fundamentos da República (art. 1º, III e IV, CF), e que a ordem social tem por fim garantir a todos uma existência digna, e, como base o primado do trabalho e o bem-estar e a justiça sociais (arts. 170 e 193, CF).

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Como vimos no primeiro capítulo deste estudo, a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental de natureza constitucional e universal, que impõe o respeito à dignidade da pessoa, assim, sua proteção deve ser assegurada em todas as circunstâncias, inclusive no âmbito da relação de trabalho.

Margarida Barreto (2003, p. 91) ressalta a essência do trabalho:

O trabalho, ao longo da vida em sociedade, é fundamental na relação do homem com a natureza. Coloca em movimento a vida humana, seus órgãos, aparelhos e sistemas, na busca de produtos, os quais o alimentarão, vestirão e permitirão sua reprodução e produção social. O homem, com sua ação, transforma seu entorno e, nesse processo, é transformado. Desenvolve a sociedade, humaniza-se.

Desta forma, compreendemos que o trabalho é imprescindível para a evolução material e moral do homem e da sociedade. É por meio dele que desenvolvemos a nossa economia, a nossa cultura, a nossa educação, e garantimos uma existência condigna a todos.

Frisa-se que o trabalho é um direito fundamental, previsto no art. 6º, da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (grifo nosso).

Diante disso, deve a Administração Pública ajustar sua conduta, nas relações de trabalho, conforme os princípios da dignidade da pessoa humana, e os princípios que norteiam toda atividade pública - da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da moralidade, da finalidade pública e outros - e, ainda, promover a proteção aos seus servidores e garantir os meios de combate e prevenção do assédio moral.

Segundo o dicionário eletrônico Aurélio o termo assediar significa: “Por assédio, cerco a., perseguir com insistência; importunar com tentativas de contato ou relacionamento sexual”. Para o dicionário Michaelis, em sentido figurado, o termo assédio significa “insistência impertinente, em relação a alguém, com declarações, propostas, pretensões, etc.”

De acordo com FERRAZ (p. 137), verificam-se duas espécies de assédio, quais sejam o assédio moral e o assédio sexual, que se distinguem por sua natureza. O assédio moral possui natureza psicológica, enquanto o outro possui natureza sexual.

O assédio sexual está previsto no art. 216-A, do Código Penal, incluído pela Lei nº 10224, de 15/05/2001:

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“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção de 1 a 2 anos”.

No entanto, até o momento, não há uma legislação federal ou nacional específica que trate ou tipifique o assédio moral nas relações de trabalho, tornando-se mais dificultosa sua conscientização e, a consequente prevenção e punição.

Por esse motivo, no presente trabalho abordamos apenas a problemática do assédio moral no âmbito da Administração Pública. E a partir de agora passamos a buscar o seu conceito no âmbito jurídico, que ao longo dos anos vem sendo construído, pela doutrina e pela jurisprudência.

A definição de assédio moral que temos hoje, utilizada pela doutrina majoritária, foi criada por Marie-France Hirigoyen, estudiosa que usou o termo pela primeira vez e o popularizou. Segundo sua definição o assédio moral se caracteriza por “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude), que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade, psíquica ou física, de uma pessoa ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (FERRAZ, p. 137).

Segundo Hirigoyen (2002, p. 16 apud SABOLL; GOSDAL, 2009, p. 18) o assédio moral não possui um caráter absoluto, sofre variação de acordo com a cultura e os costumes de cada sociedade. O que pode ser agressivo em determinada cultura pode não ser em outra. Por esse motivo, a autora utiliza o termo moral para caracterizar o assédio, que segundo ela não seria possível estudar tal fenômeno sem se levar em conta sua perspectiva ética e moral.

Nesse contexto, temos que o termo assédio moral, com diferentes terminologias e sofrendo variações conforme a cultura local, é considerado um fenômeno social em diversos países. Hirigoyen (2005, p. 85), distingue alguns desses termos da seguinte forma:

O termo mobbing (utilizado pelo psicólogo alemão Heinz Leymann) relaciona-se mais a perseguições coletivas ou à violência ligada à organização, incluindo desvios que podem acabar em violência física. O termo bullying é mais amplo que o termo mobbing. Vai de chacotas e isolamento até condutas abusivas com conotações sexuais ou agressões físicas. Refere-se mais às ofensas individuais do que à violência organizacional.

O assédio moral diz respeito a agressões mais sutis e, portanto, mais difíceis de caracterizar e provar, qualquer que seja sua procedência. Mesmo que sejam próximas, a violência física e a discriminação estão, primeiramente, excluídas, pois são violências já levadas em conta na legislação.

Referências

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