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RELAÇÕES INSTITUÍDAS ENTRE AS MULHERES E O SERVIÇO DE SAÚDE

5.2 TRANSTORNO MENTAL E SUAS RELAÇÕES SOCIAIS COM O SUICÍDIO

5.2.1 RELAÇÕES INSTITUÍDAS ENTRE AS MULHERES E O SERVIÇO DE SAÚDE

De toda forma, independente das mulheres aqui estudadas possuírem ou não um transtorno mental ou doença física, percebeu-se através das entrevistas que as mesmas não mantinham uma relação de vínculo com serviços de saúde. Vale lembrar que os bairros onde as mulheres que morreram por suicídio residiam tinham cobertura de Estratégia Saúde da Família (ESF) com equipe mínima, e a cidade conta com Centro de Atenção Psicossocial III, Núcleo de Apoio à Saúde da Família, Núcleo de Residência Multiprofissional em Atenção Básica, que poderiam dar suporte no acolhimento e em uma possível terapêutica aplicada.

Todavia, nesta pesquisa, faz-se um contraponto aos estudos que afirmam que as mulheres reconhecem mais precocemente sinais de depressão e sofrimento mental e apresentam maior disposição em procurar ajuda em momentos de crise (STACK, 2000; MENEGHEL et al., 2012; CAVALCANTE; MINAYO, 2012). No cenário estudado, apesar das afirmações e enunciações de violência autodirigida, a procura e utilização dos serviços de saúde eram escassas.

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 51 Meu irmão sempre trabalhou nessa parte da saúde, sempre marcava consulta pra ela com esse pessoal, psicólogo, esse povo da área, mas ela nunca ia, ela nunca quis, até na carta ela deixou “médico nenhum curava minha depressão (Violeta).

Neste relato, acredita-se que, por um lado, os sintomas depressivos impediam a busca por serviços de saúde e/ou profissionais de saúde. A falta de esperança de melhora e a fadiga emocional, por vezes, impedem o sujeito de buscar ajuda, destacando-se na cena do estudo o uso de medicações psicotrópicas sem o devido controle e a renovação de receitas sem consultas médicas, prática que alia a má utilização dos psicofármacos ao não acompanhamento profissional adequado (SANTOS et al., 2013).

Ela tomava Rivotril, era dopada, vivia tomando aqueles remédios, ela era doente da pressão também, agora ela tomava muito, eu acho assim, eu tenho um tipo de receio com aquele remédio, o Rivotril, acho que se você é doente ele deixa você mais doente. Ela tomava tanto, que ela ficava assim, areada, uma vez ela foi para o centro da cidade e um moto-táxi bateu nela, sem ele nem ter culpa, ela voando, aérea, ela tomava muito dele (Violeta).

Nas duas últimas décadas através dos marcos da Reforma Psiquiátrica brasileira em curso no país, têm-se avançado no que concerne à atenção a saúde mental, pois a prioridade encontra-se nas ações voltadas para a inclusão social, cidadania e autonomia das pessoas com transtornos mentais. Porém, apesar disso, as mudanças encontram barreiras na superação do modelo biomédico, manicomial, hospitalocêntrico e excludente que ainda possui profundas raízes no país (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011).

Ao longo do processo de mudanças na legislação e a proposição de novos modelos de atenção em saúde mental, que vão muito além do hospital psiquiátrico, chama atenção o papel importante da atenção básica à saúde, que deve funcionar incluindo a saúde mental na perspectiva da construção da articulação de serviços que devem operar na lógica da territorialização, corresponsabilização e da integralidade das práticas em saúde mental, oportunidade de atuar partindo da premissa das tecnologias leves em saúde (CORREIA; BARROS; COLVERO, 2011; JORGE et al., 2011; ).

De acordo com Merhy (1997), as tecnologias em saúde são divididas em leves, leve- duras e duras. As leves dizem respeito as relações interpessoais, relacionadas a criação e estabelecimento de vínculos, acolhimento e autonomização; as leve-duras, pautadas nos saberes

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 52 bem estruturados como a clínica médica e a epidemiologia e as duras são compostas por equipamentos tecnológicos do tipo máquina, normas e estruturas organizacionais.

E são justamente através da organização das práticas de saúde e das relações terapêuticas na produção do cuidado com ênfase nas tecnologias leves que são criadas possibilidades efetivas e criativas de manifestação da subjetividade do outro, opera em tecnologias de relações, de encontros de subjetividade, para além dos saberes tecnológicos estruturados (JORGE et al., 2011; MERHY, 1997).

Gomes e Pinheiro (2011) reiteram que é justamente na busca da totalidade do cuidado que as relações subjetivas entre trabalhador/usuário/serviço de saúde são constituídas. Com base nessa perspectiva, os diálogos que fazem parte de todo o trabalho em saúde não são somente a matéria por meio da qual operam as tecnologias, neste caso a conversação por si só, constitui um campo de conformação de tecnologias.

Ela não queria ir para o médico de jeito nenhum, meu irmão marcou muito, mas ela nunca quis ir, a gente tentou, mas ela não queria ir. A Agente de Saúde a visitava e a gente aqui em casa, nisso aí a gente não tem do que reclamar (Violeta).

A integralidade das ações de saúde para os indivíduos está presente também na preocupação dos profissionais com o uso das técnicas de prevenção, a conhecida visita domiciliar em saúde no âmbito da atenção básica é um momento privilegiado para reconhecimento do risco suicida e co-responsabilização dos casos com a equipe multiprofissional.

Botega (2015) também nos traz que não é somente a população geral que têm falsas crenças em relação ao suicídio, os profissionais de saúde frequentemente apresentam dificuldade de abordar a temática, tornando-se mais um agravante para o avanço do comportamento suicida. Geralmente, o profissional tem as seguintes dúvidas: se eu perguntar sobre ideias de suicídio estarei induzindo um suicídio? E se o paciente responder que sim, que pensa em se matar, eu vou ter de carregar essa responsabilidade?

Esses receios bloqueiam a capacidade de avaliação adequada do risco suicida que por sua vez é o primeiro passo para a prevenção do suicídio. Se influenciado por atitudes negativas e por crenças equivocadas, o profissional encontrará dificuldade para compreender empaticamente o sujeito, avaliar o risco de suicídio e, caso este exista, iniciar ações

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 53 terapêuticas, inclusive na atenção básica, como a Escuta Qualificada, Matriciamento e o Projeto Terapêutico Singular (BOTEGA, 2015).

Faz-se necessário assim, exergar os indivíduos que não procuram os serviços de saúde rotineiramente. E só assim os dispositivos relacionais como o acolhimento, vínculo, co- responsabilização e autonomia representam possibilidades de se construir uma nova prática em saúde e passem a ser considerados importantes nas vidas das pessoas.

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