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VIVÊNCIAS NO CAMPO DE PESQUISA

Segundo Minayo, Grubits e Cavalcante (2012), o trabalho de campo possibilita uma maior aproximação do pesquisador com a realidade sobre a qual se propôs fazer a investigação, visando avaliar e aprofundar seu conhecimento. Nesse ínterim, destaco alguns pontos que marcaram a realização do projeto de pesquisa, do preparo, da inserção no campo e das marcas da saída.

Na concepção do estudo destaco a importância que estudos com autópsia psicossocial representam no campo da pesquisa qualitativa, pois, das coisas que não abriria mão de realizar no mestrado em saúde coletiva, uma delas seria trabalhar a temática do suicídio junto da

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 31 realidade social, então, apesar de a Universidade Federal do Rio Grande do Norte não ter tradição de estudos com este método, buscou-se apoio da pesquisadora Maria Cecília de Souza Minayo, que orientou quanto ao material de apoio para subsidiar a realização do estudo.

Uma questão importante que vale destaque, são os tabus que envolvem a temática do suicídio, por sua vez, também foi sentido na elaboração do estudo, o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos em seu primeiro parecer, indeferiu a realização da pesquisa, reprovou o projeto por considerar que “abordar o tema do suicídio com familiares estimularia outros atos suicidas”, fato já refutado há anos pela literatura internacional e nacional.

Porém, através de sucessivos contatos da Profª Jacileide Guimarães, orientadora desta pesquisa, conseguimos explanar com maiores detalhes sobre o projeto de pesquisa, e após crivo de consultor ad hoc o projeto foi então aprovado pelo comitê de ética.

Superando essa primeira empreitada, começamos a coleta de dados secundários no ITEP/RN, cujo acolhimento foi bastante surpreendente, pois seria a primeira etapa de aproximação real na cidade do estudo, e seria por meio das informações ali colhidas que todo o trabalho com as famílias seria iniciado. Nessa etapa de imersão no campo, apareceram sentimentos como medo, ansiedade para iniciar as entrevistas e diversas leituras e preparo emocional para encarar com seriedade e humanização os desafios da pesquisa de campo.

Com as informações colhidas no ITEP/RN, iniciaram-se os contatos telefônicos com as famílias, e a marcação dos encontros. A primeira entrevista foi sem dúvida aquela que mais marcou a trajetória do estudo, pois a partir dela pude perceber que alguns receios criados antes de fazê-la foram desconstruídos, e percebi que trabalhar esta temática com familiares que conviveram de perto com o suicídio é uma experiência forte, exige bastante do entrevistador e é notadamente marcante para aquele que está no lugar de informante.

Talvez, tenha percebido que apesar de cerca de uma hora de entrevista, por pouco tempo cronológico que seja, é capaz de demonstrar muito de quem somos e do nosso propósito de pesquisador. O contato pessoal com as mulheres entrevistadas foi marcado também por empatia, nos momentos iniciais da conversa que antecediam os questionamentos da entrevista, sentimos que estavàvamos demarcando um espaço de confiança mútua que tinha de amadurecer com o desenrolar da entrevista.

E a cada término de encontro, quando me colocava a disposição para esclarecimentos e agradecia pela colaboração com a pesquisa, geralmente apareciam falas como: “só em poder desabafar foi muito bom”; “é importante quando vem alguém sem julgamentos para falar sobre isso”, fatos impulsionadores para a saída de campo.

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 32 Na transcrição das entrevistas, estando longe da relação interpessoal, pude perceber que é justamente nesse momento que o equilíbrio do pesquisador é testado, ao ouvir cada frase relatada, se convive mais uma vez, mesmo que não presencialmente, com relatos carregados de emoções. Dessa forma, optei por realizar as transcrições de cada caso no decorrer de três dias, e dando este igual intervalo para nova transcrição.

Por fim, relato que nenhuma das etapas de realização da pesquisa foram fáceis, reconhecendo ainda fatores limitantes a sua realização como o financiamento próprio, necessidade de diversos deslocamentos para o interior do estado, bem como associar o tempo disponibilizado para o mestrado com a profundidade exigida pela pesquisa.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo, serão apresentados os resultados da análise de dados, em busca de uma melhor compreensão do fenômeno de forma localizada e singular. Em seguida, se discutirá os achados com a literatura convergente.

A seguir observam-se alguns dados sociodemográficos e dados relacionados à ocasião da morte por suicídio de mulheres caicoenses.

Quadro 1 – Caracterização sociodemográfica, meio de perpetração e local do suicídio de mulheres caicoenses, Natal/RN, 2018.

ID* Ano da Morte

Idade Estado Civil Escolaridade Religião Profissão/Ocupação Meio de Perpetração

Local de Perpetração

Ana 2012 58 anos Separada Ensino Médio Incompleto

Evangélica Auxiliar de Serviços Gerais

Enforcamento Quarto da Própria Residência

Beatriz 2012 30 anos União Estável Ensino Médio Católica Dona de Casa Enforcamento Quarto da Própria Residência

Cecília 2015 35 anos União Estável Ensino Médio Sem religião Dona de Casa Enforcamento Quarto da Própria Residência

Doralice 2016 29 anos Separada Ensino Médio Sem religião Costureira Enforcamento Varanda da própria Residência Fonte: Dados extraídos das entrevistas com familiares de mulheres que morreram por suicídio em Caicó/RN.

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 34 Em relação à idade, todas as mulheres que cometeram suicídio eram adultas, variando entre 29-58 anos. Duas delas conviviam com parceiros e duas eram separadas. Todas as mulheres tinham filhos, independente da situação conjugal, Ana (quatro filhos) Beatriz (três filhos) Cecília e Doralice (dois filhos).

O fato das mulheres caicoenses que cometeram suicídio serem adultas e terem filhos traz para a cena social e comunitária uma importante problemática, ambas estavam na fase da vida feminina que menos se suicida, pois há geralmente tendência suicida em mulheres jovens e em idosas (MINAYO; CAVALCANTE, 2012; SILVA et. al, 2018).

A literatura remete ao suicídio feminino uma associação muito forte com questões relacionais e familiares. No cenário estudado convergeu-se ao que se tem estudado, o casamento pode representar um fator de proteção, assim como os conflitos conjugais e separação tendem a somar-se a um componente predisponente ao suicídio.

Quanto à questão religiosa, dados atuais do IBGE (2010) confirmam que no Brasil continua a predominar o catolicismo, fato ainda mais forte na cidade de Caicó/RN, que tem fortes tradições religiosas. Não se observou, no entanto, a influência da vida religiosa no suicídio das mulheres estudadas. Apesar disso, Cassorla (2004) relata que as crenças religiosas são um dos pilares de resistência para que pessoas em situação de sofrimento suportem com maior serenidade suas dificuldades e não cometam suicídio.

No grupo estudado, chama atenção que a totalidade dos suicídios foram cometidos por enforcamento. O enforcamento é considerado um meio bastante letal e agressivo, e por essa razão as pessoas que optam por esse meio de perpetração estão convencidas do desfecho morte, mesmo que na dualidade e ambiguidade presente no comportamento suicida (SOUZA; MINAYO; CAVALCANTE, 2007; PINTO; SILVA; PIRES; ASSIS, 2012).

A totalidade dos suicídios ocorreram nas próprias residências das mulheres, fato marcante na literatura sobre o suicídio feminino, revelando que historicamente as mulheres foram restritas ao espaço domiciliar e por sua vez o suicídio também se daria principalmente nestes ambientes, diferentemente de homens que sempre tiveram lugar de destaque nos espaços públicos (MARQUETTI; MARQUETTI, 2017).

Em seu estudo sociológico, Durkheim (2011) descobriu que a maior parte dos suicídios nas regiões pesquisadas por ele ocorreu durante o dia, no momento em que os negócios estavam mais ativos e a vida social mais intensa a partir das relações humanas. Neste estudo, os suicídios ocorreram, respectivamente, Ana (quarta-feira, manhã), Beatriz (madrugada de domingo), Cecília (quinta-feira, tarde) e Doralice (noite de domingo). Neste trabalho não houve

Suicídio de mulheres em um contexto psicossocial 35 unanimidade nos horários de morte. Observou-se, no entanto, que todos foram cometidos nas próprias residências, corroborando a ideia que o suicídio feminino é perpetrado majoritariamente no ambiente doméstico, lugar que socialmente e historicamente lhes foi concedido para chefiar no âmbito da vida privada (MARQUETTI; MARQUETTI, 2017).

Para uma boa compreensão acerca dos resultados deste estudo, bem como das categorias que emergiram na análise dos dados, o quadro a seguir (Quadro 2) mostra dados dos entrevistados, dividindo-os por caso e apresentando o núcleo central presente nas falas que deram origem as categorias temáticas prévias e suas respectivas sub-categorias: 1) Comportamento Suicida na vida das mulheres; a) Da enunciação do desejo de morrer: ideação e planejamento suicida, b) Nas pelejas da vida: tentativas de suicídio; 2) Transtornos mentais e suas relações sociais com o suicídio; a) Relações instituídas entre as mulheres e os serviços de saúde; 3) Conflitos familiares e relações de gênero instituídas; a) Entre as marcas e a vergonha: violência de gênero.

Quadro 2 – Caracterização das informantes que foram entrevistadas neste estudo, bem como o núcleo central que emergiu de cada entrevista, Natal/RN.

ID **Nome da

entrevistada Idade

Parentesco com a mulher

suicida

Núcleo central que permeou as entrevistas

em cada caso

Ana Violeta 32 anos Filha

Isolamento Social, Depressão, Enunciação do Suicídio, Conflitos Familiares (Cônjuge e filhos) Beatriz Rosa Camélia 62 anos 33 anos Tia Irmã Tentativas prévias de Suicídio, Conflitos Conjugais, Violência de Gênero Cecília Tulipa Petúnia 62 anos 33 anos Tia Irmã Transtorno Mental, Doença Física, Conflitos

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Doralice Margarida 37 anos Irmã

Ideação e Pensamento Suicida, Intolerabilidade à

frustrações, Abandono da mãe, Conflitos Conjugais. FONTE: Informações extraídas das entrevistas com informantes sobre suicídio de suas familiares. LEGENDA: ** Nomes de flores atribuídas as familiares entrevistadas.

5.1 COMPORTAMENTO SUICIDA NA TRAJETÓRIA DE VIDA DAS

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