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COMPROVANTE DE DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES

5 A ATUAÇÃO DO BUROCRATA DE NÍVEL DE RUA NO CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS: O TRATAMENTO DO RURAL A PARTIR DE

5.4 OS FATORES RELACIONAIS INTERFEREM NAS RELAÇÕES ENTRE OS BUROCRATAS DE NÍVEL DE RUAS E DESTES COM OS USUÁRIOS DA

5.4.1 As relações no território rural dos CRAS: lugar de castigo e relações de moradia

No capítulo 4, tratamos da visão da gestão sobre o trabalho do burocrata de nível de rua, a precariedade das condições de trabalho e a relação com os CRAS Rurais, ainda mais distantes e sem acompanhamento da coordenação de atenção básica. Ao propormos esse debate, unindo com as várias regulamentações e normatizações existentes, como a NOB-RH/SUAS, percebemos que, apesar dos avanços, as condições de trabalho dos profissionais da Política de Assistência Social continuam precárias, sendo a gestão e a melhoria das condições de trabalho dois dos maiores desafios dessa política na atualidade.

Ao tratarmos dos CRAS Rurais, a condição de precariedade amplia-se significativamente, nas questões estruturais e na forma como os profissionais são tratados dentro da Secretaria de Assistência Social. Na seleção, os profissionais não escolhem ir para os CRAS rurais; sempre ficam no trabalho com o rural os que já residem no território. Durante a pesquisa de campo, somente uma das assistentes

sociais, do CRAS Rural B, disse ter optado pelo rural, mas pela relação que tinha com a região, por ter nascido no território e manter relações até os dias atuais. No CRAS Rural A, todos os servidores são moradores do território. No CRAS Rural B, metade dos servidores são também moradores da região. Os servidores acabam indo por necessidade, pois é muito difícil compor o quadro técnico dos rurais, inclusive pelo estigma que os servidores carregam. Todos relatam a facilidade de estar próximo ao ambiente de trabalho, mas reconhecem que, para a Secretaria, ficam desaparecidos, sem acompanhamento, e carregam o estereótipo de serem rurais, longe da cidade e sem acesso ao telefone.

Nós aqui sabemos que estamos no castigo. No rural ninguém quer vir, é muito longe, e a estrutura é muito menor. Tu já ficas com esse carimbo lá na secretaria. (Entrevista com Assistente Social do CRAS Rural A)

A maioria vem para cá e não tem nenhum conhecimento da realidade da região, fora os que moram aqui. Eles vêm para cá, mas a maioria não topa nem vir. Simplesmente tem uma vaga no Rural, tu vais pra lá ou perde o contrato. Não tem nenhum treinamento, se não tinha outro trabalho aprende com o outro colega, um vai passando a questão para os outros. O problema é que algum colega não tem conhecimento nem para si mesmo, imagina para passar para os outros. (Entrevista Assistente Social do CRAS Rural B)

Reafirmam que nos CRAS Rurais têm mais dificuldades de diálogo com os demais setores da Secretaria e com outras políticas públicas que poderiam trabalhar. Como são contratados via entidade terceirizada, contando com as relações políticas para isso, em especial com o Gestor da Secretaria, avaliam que seria bem importante estar mais próximo da gestão. E afirmam:

Ficar só no rural é complicado, porque aqui ficamos longe de todos e de tudo que está acontecendo. Não somos vistos, o que às vezes é bom, às vezes é ruim, né. Para que tu possas ir para a secretaria, para coordenar ações ou direcionar o trabalho. Na política tu some. (Entrevista com Cadastrador do CRAS Rural B)

Os dois CRAS Rurais têm profissionais da pedagogia, dedicados aos grupos de convivência no Rural. Ambos se referem ao trabalho como castigo; estão designados ao trabalho com o público do rural, mas a falta de possibilidade em realizar as oficinas e grupos, que são ofertados nos CRAS Urbanos, mantém esses profissionais deslocados da sua atuação. As falas, além de desconstituírem a

prioridade do trabalho em grupo no rural, referem-se ao público de maneira sempre muito carregada de valores e preconceitos:

Aqui tem época que a gente consegue trazer mais gente, mas nem sempre. Uma vez a gente teve oficina para usar os materiais que sobravam da pesca artesanal, mas o nosso trabalho não anda, porque elas só querem fazer o que escolhem. Como não perdem nada se faltarem, caem fora. (Pedagoga do CRAS Rural B, descrito no Observações e anotações registradas no Diário de Campo)

Um dos assistentes sociais do CRAS Rural A foi transferido para um CRAS Urbano, pois já havia se colocado à disposição de “sair de próximo da sua casa”, para poder atuar nos outros espaços. Os colegas do CRAS trataram a transferência como um reconhecimento do trabalho e como articulação política, mesmo sem nenhuma alteração de salário ou cargo a que foi contratado. Se, por um lado, há determinação institucional de substituição imediata dos servidores do urbano, por outro, ao transferirem o assistente social do CRAS Rural A, para o CRAS Urbano, não condicionaram isso à contratação de um novo profissional para o rural.

Até o momento de conclusão da pesquisa de campo, dois servidores estratégicos para condução dos trabalhos nos CRAS Rurais e acesso ao CadÚnico não tinham sido substituídos: o cadastrador do CRAS Rural B e um dos Assistentes Sociais do CRAS Rural A, mantendo ainda a condição de não ter previsão para tal. (Observações e anotações registradas no Diário de Campo)

Portanto, o fato de os profissionais dos CRAS Rurais serem tratados como “excluídos”, ou fora da área de prioridade da Secretaria, mantém uma dificuldade que se tornou evidente na pesquisa: em manter uma relação com as orientações e o acompanhamento da Secretaria, na substituição de profissionais que se afastam do serviço e até mesmo, na destinação de infraestrutura. A gestão se utiliza da dificuldade de encontrar profissionais que queiram trabalhar nos CRAS Rurais, para justificar o não cumprimento da orientação prevista no SUAS, de priorização de alocação de servidores em áreas que não correspondam a sua moradia.

Ao retomar todo o processo de observação e até mesmo das entrevistas, o discurso e as ações promovidas pelos burocratas de nível de rua dos CRAS Rurais carregam fortemente o estigma da exclusão institucional e da maior dificuldade em manter uma relação com o conjunto das equipes e da secretaria. Certamente, esse

conjunto de estigmas que se cria em torno dessas equipes reflete-se diretamente nos fatores que influenciam na implementação da política por parte dos servidores.

Já abordamos a questão dos territórios como moradia dos profissionais que atuam nos CRAS Rurais, mas vale destacar que se por um lado acabam por mostrar um pertencimento comunitário, um maior entendimento sobre o rural, maior capacidade de transitar dentro de um extenso território, usar linguagem local e promover mediação, como ficou muito evidente no CRAS Rural B. Em contrapartida tal situação pode ampliar o constrangimento e principalmente o julgamento dos usuários que procuram o atendimento, já que existe conhecimento prévio dos sujeitos.

Nos dois CRAS Rurais pesquisados, a proximidade da residência dos servidores é muito grande. As relações são de trabalho e vizinhança. Os próprios coordenadores vivenciam situações em que seus filhos passam para brincar no pátio dos CRAS e suas famílias frequentam o espaço de trabalho com alguma desenvoltura. Esse é um cenário que vem sendo trabalhado inclusive pelo NOB/SUAS, que orienta que se evite esse tipo de relação, em que os técnicos sociais também residam no mesmo território. A Técnica Social do CadÚnico, ao ser questionada sobre a questão, reafirma:

É, aí se tu fores olhar nas orientações de gestões técnicas do trabalho, isso não pode acontecer. Nenhum técnico deveria trabalhar na sua comunidade, mas aí se justificam. Não tem gestão do trabalho aqui no município, se cada um quiser atuar de um jeito diferente, ninguém vai saber. Nem educação permanente, que também é muito recomendado não se faz. Talvez fosse uma possibilidade de melhoria. (Entrevista com Técnica Social do CadÚnico)

O que é tratado com muita naturalidade no CRAS Rural A gera tensionamento no CRAS Rural B, que acaba por questionar o quanto essa relação de vizinhança pode influenciar a decisão de concessão de benefícios.

Acaba atrapalhando no trabalho, porque a gente faz o atendimento, daqui a pouco a coordenadora, que mora aqui na rua, conhece as pessoas e diz né: ‘Aquela ali não deveria ser beneficiada, porque é bem preguiçosa. Não trabalha porque não quer. Não deve nem receber a cesta básica’. Tem toda uma fala em cima disso! Só que quem acompanha aquela família sabe que não é bem assim a sua realidade. (Entrevista com Assistente Social do CRAS Rural B)

Novamente se observa uma diferença na forma de implementação, mesmo que as questões aqui tratadas estejam nas duas realidades. Os burocratas de nível de rua que compõem a equipe do CRAS Rural A não questionam, nem estranham a relação mais interpessoal que possa intervir diretamente na facilitação de um atendimento, ou até na criação de maiores obstáculos para inclusão dos usuários.

Acompanhando a reunião de planejamento dos atendimentos das famílias do PAIF, que tem como objetivo apoiar as famílias, promovendo o acesso a direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, acompanhei a definição da divisão de acompanhamento por parte dos burocratas de nível de rua. Surpreendeu- me o encaminhamento de que o Assistente Social A deveria acompanhar a comunidade indígena em virtude de uma relação religiosa que ele já mantinha com a comunidade. Ao finalizar a reunião, perguntei informalmente sobre a relação religiosa que havia entre o assistente social e a comunidade indígena e obtive como resposta duas questões: “é bom porque o assistente social é pai de santo e trabalha com caciques de umbanda, muitas vezes junto à comunidade. E também, porque ele mora bem pertinho, pode ir até a pé.”

Fica evidente, nos relatos, que os fatores relacionais e as ligações que os burocratas de nível de rua estabelecem para além do espaço institucional dos CRAS Rurais, estão presentes em todo o processo de implementação. É essencial compreendermos esse conjunto de fatores relacionais, que se associam com os pessoais, para mensurar o impacto nas decisões, na discricionariedade e nas transformações que se estabelecem na execução do programa.

5.4.2 Articulação de políticas associadas ao CadÚnico: as relações com a