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SECRETARIA MUNICIPAL

2 IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO RURAL: ENFRENTAMENTO À POBREZA OU REPRODUÇÃO DA CONDIÇÃO DE

2.2 A IMPLEMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS TERRITÓRIOS RURAIS

2.2.1 Territorialização e descentralização na Assistência Social e o rural

A política de assistência social conta com sua Lei Orgânica específica (Lei 8.742 de 1993), a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Trata-se, mais do que um texto legal, de um conjunto de ideias, de concepções e de direitos. A LOAS avança na forma como se apresentava a Assistência Social até então, substituindo a visão centrada na caridade e no favor. Ela trouxe a regulamentação dos pressupostos constitucionais, abordados nos artigos 203 e 204 da CF 1988, que definem e garantem os direitos à assistência social. Com ela, nasce o conceito de descentralização da política de assistência social

A LOAS, datada de 1993, trouxe entre as diretrizes da assistência social o conceito de descentralização, seguido das diretrizes de participação da população,

primazia da responsabilidade do Estado nas ações da política de assistência social e centralidade na família. Quanto à descentralização, ela apresenta:

I – Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal, e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socio territoriais locais (BRASIL, 1993).

Assim, a política de assistência social define a distribuição de competências para as três esferas governamentais, cabendo ao Governo Federal o papel de articulador da unidade nacional (BRASIL, 1993, art. 12). Aos Estados coube atribuição complementar aos municípios: participar no financiamento dos auxílios natalidade e funeral, apoiar técnica e financeiramente os serviços, programas e projetos de enfrentamento da pobreza e atender às ações assistenciais de caráter emergencial (BRASIL, 1993, art. 13). Aos municípios e ao Distrito Federal coube garantir o custeio e implementação dos benefícios eventuais, implementar os projetos de enfrentamento à pobreza, atender às ações assistenciais de caráter emergencial e prestar os serviços assistenciais previstos na lei (BRASIL, 1993, art. 14-15).

Segundo Aldaíza Sposati e Maria do Carmo Falcão (1990), os princípios fundamentais de descentralização são: flexibilidade, transparência e mecanismos de controle social. Tais princípios somente são possíveis com a consolidação da democratização do Estado, do maior controle social em nível local, da compreensão das demandas sociais e construção de programas e serviços, assim como, também, da ampliação da capacidade de integrar as instituições municipais, que estão mais próximas dos usuários.

A análise proposta nesta pesquisa caminha entre os entes federados que determinam uma política pública implantada em nível nacional, como é o caso do CadÚnico para Programas Sociais, executado pela burocracia em nível de rua, dentro dos CRAS designados ao atendimento do rural, portanto, sob o comando do município.

A introdução do território como foco de atuação dessa política materializa a descentralização das ações e da tomada de decisão, impulsionando a participação

dos beneficiários em sua formulação e gestão. Nesse sentido, Yazbek (2004, p. 16) afirma que:

A descentralização contribui para o reconhecimento das particularidades e interesses próprios do município e como possibilidade de levar os serviços para mais perto da população. A municipalização aproxima o Estado do cotidiano de sua população, possibilitando-lhe uma ação fiscalizatória mais efetiva, permite maior racionalidade nas ações, economia de recursos e maior possibilidade de ação intersetorial e interinstitucional.

Portanto, o SUAS apresenta em seus conceitos bases para a assistência social a matricialidade sociofamiliar4; o financiamento pelas três esferas de governo,

com divisão de responsabilidades; o controle social; a política de recursos humanos, monitoramento e avaliação e a descentralização político-administrativa e territorialização. No manual de orientações técnicas para implementação dos CRAS, o Ministério da Cidadania estabelece:

A territorialização refere à centralidade do território como fator determinante para a compreensão das situações de vulnerabilidade e risco sociais, bem como para seu enfrentamento. A adoção da perspectiva da territorialização se materializa a partir da descentralização da política de assistência social e consequente oferta dos serviços socioassistenciais em locais próximos aos seus usuários. Isso aumenta sua eficácia e efetividade, criando condições favoráveis à ação de prevenção ou enfrentamento das situações de vulnerabilidade e risco social, bem como de identificação e estímulo das potencialidades presentes no território (BRASIL, 2009, p.13).

O princípio da territorialização possibilita orientar a proteção social de assistência social:

a) na perspectiva do alcance da universalidade de cobertura entre indivíduos e famílias sob situações similares de risco e vulnerabilidade;

b) na possibilidade de aplicar o princípio de prevenção e proteção proativa nas ações de assistência social;

c) na possibilidade de planejar a localização da rede de serviços a partir dos territórios de maior incidência de vulnerabilidade e riscos.

Ainda, seguindo as orientações estabelecidas pelo Ministério da Cidadania (BRASIL, 2009), o conceito de território permite que se analise mais do que o

4 A matricialidade sociofamiliar refere-se à centralidade da família como núcleo social fundamental

para a efetividade de todas as ações e os serviços da política de assistência social. A família, segundo a PNAS, é o conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos e ou de solidariedade, cuja sobrevivência e reprodução social pressupõem obrigações recíprocas e o compartilhamento de renda e ou dependência econômica (BRASIL, 2009, p.12).

espaço territorial, mas as relações de reconhecimento, afetividade e identidade entre os indivíduos que compartilham a vida em determinada localidade, estando essas diretamente influenciadas pelos contextos sociais, culturais e econômicos de cada território.

Ao pensarmos a materialização do território, quando se trabalha com as populações rurais, é fundamental olhar para alguns conceitos que nos ajudam a compreender a complexidade da sua implementação, enquanto diretriz de uma política pública. Milton Santos afirma:

A linguagem cotidiana frequentemente confunde território e espaço. [...] Para uns, o território viria antes do espaço, para outros, o contrário é que é verdadeiro. Por território entende-se geralmente a extensão apropriada e usada. Mas o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertence [...] esse sentimento de exclusividade e limite ultrapassa a raça humana e prescinde da existência do Estado. [...] a territorialidade humana pressupõe também a preocupação com o destino, construção do futuro, o que entre os seres vivos, é privilégio do homem. Num sentido mais restrito, o território é um nome político para o espaço de um país (SANTOS, 2001, p. 19).

Portanto, muito além da implementação da política pública mais próxima da população, o território envolve um conjunto de significados, identidade e historicidade desses sujeitos. Ainda em Milton Santos (2006, p. 97):

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato do sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais sobre as quais ele flui.

No entanto, a implementação de uma política pública em nível nacional, com diretrizes que precisam adequar-se a um país tão diverso como o Brasil, acaba criando mecanismos mais administrativos de definição e delimitação. Assim, essa implementação determina, a partir do porte dos municípios e da análise da vulnerabilidade e risco, quais são as possibilidades de implementação do atendimento de atenção básica através dos CRAS, conforme descrito no Manual de Implementação dos CRAS (BRASIL, 2009):

Nos municípios de pequeno porte I e II, o CRAS pode localizar-se em áreas centrais, ou seja, áreas de maior convergência da população, sempre que isso representar acesso mais facilitado para famílias vulneráveis, das áreas urbanas e rurais. Todavia, essa escolha deve ser criteriosa, e não uma regra, já que os municípios são bastante distintos uns dos outros. A dispersão territorial, características mais urbanas ou rurais, presença de população indígena, dentre outros, tornam cada município único e, por conseguinte, com necessidades específicas. Assim, alguns municípios de pequeno porte optarão pela instalação do CRAS no centro da cidade, enquanto outros decidirão implantar o CRAS em território vulnerável, afastado do centro da cidade. Outros ainda constatarão a necessidade de mais de um CRAS para cobertura dos territórios.

Nos municípios de médio e grande porte, bem como nas metrópoles, o CRAS deve situar-se nos territórios de maior vulnerabilidade. Em caso de impossibilidade temporária (não existência de imóvel compatível, grande incidência de violência, dentre outros), a unidade deve ser instalada em local próximo ao território de abrangência, a fim de garantir o efetivo referenciamento das famílias em situação de vulnerabilidade e seu acesso à proteção social básica (BRASIL, 2009, p. 34).

Aqui chegamos aos territórios rurais. O mesmo manual dispõe que, em territórios de baixa densidade demográfica, com espalhamento ou dispersão populacional (áreas rurais, comunidades indígenas, quilombolas, calhas de rios, assentamentos etc.), o CRAS deverá instalar-se em local de melhor acesso para a população e poderá realizar a cobertura dessas áreas por meio de equipes volantes ou de unidades itinerantes, responsáveis pelo deslocamento dos serviços (BRASIL, 2009). Quando sugere o deslocamento dos serviços, alerta para a necessidade de garantir acesso aos serviços de proteção básica do SUAS, por intermédio do trabalho social com famílias. Portanto, destaca claramente que vai além da oferta de atividades esporádicas, nem exclusivamente de busca ativa, mas de um serviço que precisa ir completo para as populações mencionadas. Considera ainda a existência de equipes volantes, para casos em que o território seja de grandes dimensões demográficas, ou mesmo os que tenham populações tradicionais. Ou ainda, os CRAS itinerantes, constituídos de embarcações, sendo sua fixação territorial impossibilitada devido às características naturais do território onde as famílias referenciadas residem, tais como calhas de rios e regiões ribeirinhas (BRASIL, 2009).

No entanto, os caminhos de implementação da política de assistência social ainda estão distantes das áreas rurais. Segundo o Censo SUAS 2017 (BRASIL, 2018) territórios, quanto aos serviços terem responsabilidade no atendimento dos territórios rurais, 63,7% responderam que, em seu território, atendem áreas rurais, e

somente 27,9% que não realizam atendimentos à população rural. Porém, ao analisarmos o crescimento de equipamentos de assistência social em rurais, veremos que tal crescimento não corresponde a tamanha demanda. Se analisarmos o número de CRAS Rural de 2011 a 2017, é fato que não obtivemos grande alteração, pois, se o conjunto de serviços ampliou 813 Centros de Referência, no rural, em todos esses anos, foram apenas 50, conforme sistematização:

Tabela 2 - Sistematização dos CRAS Urbanos e Rurais no BRASIL – CENSO SUAS 2017

Ano Localização do CRAS: Total

Urbano Central Urbano Periférico Rural

2011 3.997 3.207 285 7.489 2012 4.113 3.297 320 7.730 2013 4.202 3.342 318 7.862 2014 4.378 3.350 338 8.066 2015 4.451 3.385 325 8.161 2016 4.368 3.530 342 8.240 2017 4.372 3.565 335 8.272

Fonte: Adaptado de Brasil (2018).

Em números percentuais, a análise dos dados mais atualizados pelo CENSO SUAS (BRASIL, 2018) no Brasil mostra que 52,9% dos CRAS estão situados nas áreas urbanas centrais; 43,1% nas áreas urbanas periféricas, consideradas dentro das maiores concentrações de pobreza, e apenas 4% nos territórios rurais, o que podemos visualizar no gráfico abaixo.

Gráfico 1 - Sistematização dos CRAS Urbanos e Rurais no BRASIL – CENSO SUAS 2017

Ainda sobre os dados do CENSO SUAS 2017, vemos que há um número expressivo de serviços de atendimento às populações rurais – 84,9% dos equipamentos – que não possuem equipe técnica adicional específica, com capacitação especifica para essas populações, nem possibilidade de deslocamento para o atendimento da população em territórios extensos e áreas isoladas, especialmente áreas rurais (BRASIL, 2018).

Ao trazermos esses dados para o Estado do Rio Grande do Sul, temos que, de 2011 a 2017, o crescimento de CRAS foi de apenas 38 unidades, também concentradas em sua maioria nas áreas urbanas centrais. Se em 2011 tínhamos, no Estado, oito CRAS Rurais, no ano de 2014 esse número baixou para apenas três e, em 2017, voltou a ser seis.

Tabela 3 - Sistematização dos dados dos CRAS no Rio Grande do Sul, nos aos 2011 a 2017, considerando o território

Ano Localização do CRAS: Total

Urbano Central Urbano Periférico Rural

2011 370 164 8 542 2012 377 175 7 559 2013 394 172 6 572 2014 403 175 3 581 2015 393 185 5 583 2016 398 180 7 585 2017 391 183 6 580

Fonte: Adaptado de Brasil (2017), Nota: referente ao Rio Grande do Sul.

Portanto, a política de assistência social, garantida – a quem dela necessitar – na CF/1988, passou por transformações profundas no seu marco regulatório e concepção e acabou por não se debruçar com profundidade sobre as especificidades da sua atuação a partir das demandas e especificidades das áreas urbanas ou das rurais. Ao não trazer as questões específicas advindas do rural, criou mecanismos únicos que universalizem a inclusão a partir de critérios e prioridades, mas não consideram os problemas que são próprios do campo e dos grupos sociais que ali habitam e trabalham (TIPOLOGIA..., 2017).

Ao reconstruir a política de assistência social na sua história, bem como as lacunas de formulação e normatização para uma atuação com populações específicas, aproximamo-nos da invisibilidade das demandas oriundas desses setores, das especificidades de acesso e atendimento, que, por si só, constroem um caminho ainda mais árduo para o acesso ao instrumento que dá acesso a diferentes

políticas públicas. Nesse sentido, buscamos os conceitos de subalternidade, pobreza e invisibilidade na política de assistência social, com os quais passamos a tratar da seção seguinte.

2.3 SERVIÇO SOCIAL: POBREZA, SUBALTERNIDADE E INVISIBILIDADE DO